Durante gestão, Weintraub coleciona desentendimentos, ofensas, pedido de impeachment e inúmeros ataques à pesquisa e educação
Abraham Weintraub completa neste 9 de abril um ano à frente do Ministério da Educação (MEC). Como vem sendo sua gestão, a data é marcada por polêmicas e evidente inabilidade do ministro em compreender a realidade do país. Nesta semana, em meio à pandemia da Covid-19, Weintraub fez uma publicação de cunho racista insinuando que a China sairá “fortalecida” da atual crise. Exigido um pedido de desculpas pela Embaixada da China no Brasil, o ministro impôs como “única condição” a venda de mil respiradores ao MEC pelo preço de custo.
Seguindo recomendações do Ministério da Saúde, todas as 63 universidades federais tiveram aulas suspensas por algum período, evitando a propagação do novo coronavírus. Em resposta, o MEC propôs uma “balbúrdia pedagógica”, liberando aulas à distância sem considerar falta de prática com plataformas por professores e alunos e sem garantir acesso a computadores e internet.
Apesar da “ampla experiência em gestão” anunciada por Jair Bolsonaro durante a indicação, Weintraub não utilizou R$ 1 bilhão destinado a sua pasta pela Operação Lava Jato. Único ministério a não usar o recurso disponível, o MEC teve sua verba repassada ao combate ao coronavírus.
Enquanto isso, universidades já iniciaram 2020 sem os recursos necessários. A UFSC começou o ano com R$ 62 milhões a menos. A verba de custeio para 2020 é, de largada, 42% menor que os R$ 145 milhões gastos pela UFSC em 2019. Diferentemente do ano passado, quando houve o bloqueio de recursos, este ano é marcado pelo corte direto no orçamento.
Quanto ao financiamento de pesquisas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) perdeu um terço do orçamento em 2020: de R$ 4,25 bilhões para R$ 2,84 bilhões. Foram 8% das bolsas de pesquisa cortadas em 2019. Na área de humanas, as bolsas caíram 17% neste ano.
Com os novos critérios de distribuição, estabelecidos pela portaria 34, a UFSC tem 572 bolsas cortadas, equivalentes a 25% do total de bolsas da pós-graduação na universidade. No ano passado, a Federal de Santa Catarina já foi a instituição mais prejudicada do país, com 248 das 7.590 bolsas bloqueadas.
Também na gestão de Weintraub, o MEC teve a maior falha no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) desde 2010. Apesar das afirmações do ministro de ser o ‘melhor Enem da história’, foram quase 6 mil notas erradas publicadas. Além do tipo de falha inédita, esta foi a primeira vez desde 2009 que a ditadura militar não foi abordada na prova.
Defensor do movimento Escola sem Partido e de força policial nas universidades, tendo começado a gestão pedindo que estudantes filmassem professores em sala de aula, o chefe da pasta da Educação ainda argumenta que contribui com uma “revolução cultural”, termo usado também pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro.
A maior parte dos projetos do ministro parecem não ter saído do papel. O próprio Future-se, programa que gerou debates nas instituições de ensino superior do país em 2019, não tem apoio nem de parlamentares, nem da comunidade acadêmica. Propondo financiamento pelo setor privado, gestão por organizações sociais com regime CLT e direcionando a produção de conhecimento para as demandas do mercado, o Future-se foi rejeitado por universidades federais de todo o Brasil.
A carteirinha estudantil digital, proposta com prejuízo direto à UNE (União Nacional dos Estudantes), não teve aprovação no Congresso e perdeu a validade. Conforme reportagem da Folha, foram R$ 2,5 milhões em publicidade gastos pelo MEC com o projeto.
A Folha de S. Paulo analisou 807 mensagens publicadas na conta do Twitter de Abraham Weintraub ao longo desses 12 meses, sem considerar respostas a outros tuítes. Em 42 das postagens há algum tipo de ataque. Imprensa, PT e a esquerda são os alvos principais, mas nem mesmo o presidente da França, Emmanuel Macron, escapou do ministro.
Ainda de acordo com a análise, metade das publicações não trata de educação. Em um terço (280 tuítes) são abordados temas da pasta sem ataques ou rompantes ideológicos. Somente 5 vezes o Fundeb, ligado ao financiamento da educação básica, foi mencionado, refletindo a falta de debate no Congresso sobre o fundo.
Não limitando os ataques às suas redes sociais, Weintraub já disse durante evento nacional que iria “atrás da zebra gorda”, referindo-se a professores universitários com dedicação exclusiva. O próprio ministro já trabalhou como professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) durante cinco anos. A carreira não foi nada promissora, contando com apenas quatro artigos publicados em periódicos científicos — todos em revistas de baixo prestígio. A Época divulgou que em avaliação durante o concurso, Abraham Weintraub foi definido como ‘vago, confuso e sem linearidade no discurso’.
“Weintraub usa pouco da inteligência e do potencial do corpo técnico do MEC”, disse à Folha o educador Luiz Antonio Tozi, secretário-executivo do MEC na gestão Ricardo Vélez Rodríguez, que antecedeu Weintraub. “Centralizou nele a articulação e a doutrinação e, assim, não consegue fazer guerra cultural e assinar papel. Mesmo num ambiente bolsonarista de direita, isso não funciona.”
Em fevereiro, deputados e senadores fizeram um pedido de “impeachment” do ministro por crime de responsabilidade. Dentre os argumentos estão: “ausência de políticas de alfabetização; falhas do Enem; favorecimento de apoiadores do Governo; ofensas às mães de diferentes cidadãos; e omissão quanto ao uso de R$ 1 bilhão resgatados pela Lava Jato”. O pedido foi arquivado pelo STF. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que prometeu “que não falaria mal dele, senão ele não cai de jeito nenhum”.
No mesmo mês, Weintraub foi considerado o ministro mais impopular do governo Bolsonaro. Pelo levantamento do Atlas Político, 51% avaliou sua gestão como negativa contra 22% como positiva.
Durante o primeiro ano como ministro da Educação, Abraham Weintraub travou uma guerra contra as universidades públicas. Das acusações de “balbúrdia” aos cortes orçamentários, escolheu ser inimigo das instituições de excelência do país. Se, com o apoio da Presidência, permanecer no cargo até o fim do mandato, ao que tudo indica as comunidades acadêmica e científica devem se preparar para as novas investidas contra o Ensino, a Pesquisa e a Extensão que sustentam sua produção de conhecimento.
Ilana Cardial