Transtorno misto ansioso e depressivo foi o terceiro maior motivo de afastamento por saúde de docentes do magistério superior em 2022, atrás apenas da Covid-19
No ano de 2022, cinco dos dez principais motivos de afastamentos por saúde de professores e professoras de magistério superior da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foram por questões relacionadas à saúde mental. Os dados foram fornecidos pelo Departamento de Atenção à Saúde da Pró-Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoas da UFSC (DAS/Prodegesp) à Apufsc-Sindical. Transtorno misto ansioso e depressivo ficou em terceiro lugar na lista, atrás apenas de casos de Covid-19.
Conforme a lista, ao menos 35 docentes foram afastados por sofrimento psicológico durante 2.129 dias, representando uma média de 61 dias por docente. O número é próximo à média de dias de afastamento de docentes com câncer de mama, que ocupa o quarto lugar entre os motivos de afastamento por saúde, com uma média de 66 dias por docente.
Origem dos problemas
Para Marcela Andrade Gomes, o cenário revelado pelos dados da Prodegesp está relacionado às condições de trabalho no ambiente universitário, que “estruturam a saúde, ou doença, mental dos professores”. Ela é psicóloga, psicanalista e professora adjunta no Departamento de Psicologia da UFSC, além de liderar o grupo de pesquisa Psicologia, cultura e saúde mental do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Em sua análise, Marcela afirma que toda essa questão é de ordem coletiva, econômica, política e cultural. Mesmo assim, ressalta a tendência entre os professoras e professoras de tratar o assunto como um problema pessoal. “Em geral, o docente acaba individualizando todo este cenário e se culpando por estar ansioso ou depressivo, como se ele estivesse individualmente fracassando enquanto docente”, afirma. Ela diz que, ao ignorar os problemas estruturais, os docentes passam a apresentar, além dos sintomas de ansiedade e depressão, sentimentos de culpa e inferioridade. “O famoso ‘não levo jeito para ser docente'”, conclui.
A professora explica que “vivemos em meio a muitas cobranças, pressão, stress, falta de tempo e exigências inalcançáveis”, e acrescenta que, “na universidade, microcosmo da sociedade, assim como as escolas, tudo isso é agravado.” Para ela, todos os estudos, dados e casos relatados apontam para um cenário em que a vida universitária é adoecedora em um grau mais complexo do que para a população geral.
O artigo Transtornos mentais comuns em docentes do ensino superior: evidências de aspectos sociodemográficos e do trabalho, escrito por Taís Cordeiro Campos, Renata Meira Véras e Tânia Maria de Araújo também aborda essas questões. As pesquisadoras realizaram um estudo com objetivo de avaliar as condições de trabalho dos professores universitários, bem como seu impacto no desempenho e na saúde dos docentes. A pesquisa foi em uma universidade pública na Bahia e, entre os resultados, revelou que 53,2% dos docentes sentem alta demanda psicológica no trabalho. Para completar a avaliação, 65,4% dos professores afirmaram se sentir sobrecarregados, 58,4% não consideram as condições das salas de aula adequadas e 62,2% declararam não se sentir seguros na universidade.
Mesmo que os dados se refiram a um universo limitado de análise, em uma universidade bahiana, funcionam para ilustrar as explicações de Marcela. “Nos países em que as universidades dispõem de boas condições de trabalho para os professores os índices de adoecimento mental são significativamente menores em comparação aos países que não ofertam condições dignas de trabalho, como é o caso do Brasil”, diz a professora e psicóloga.
Ela defende que toda a rede pública de educação no Brasil precisa ser reestruturada e dispor de maiores investimentos do Estado. Para justificar essa necessidade, Marcela explica que, apesar de as universidades contarem com melhores condições de trabalho que escolar e creches, por exemplo, ainda se trata de um trabalho em situação precária que leva à exaustão, stress e, consequentemente, o adoecimento mental.
Descrevendo o atual cenário das universidades, Marcela desenha exatamente o que foi provado pelo estudo na universidade bahiana: “sobrecarga de trabalho, inúmeros trabalhos invisíveis, não remunerados e não reconhecidos, pressão pela produtividade acadêmica, infraestrutura de trabalho extremamente precárias.” Ela compara esse contexto a uma panela de pressão.
A psicóloga ainda credita a instabilidade orçamentária como fator responsável por essa situação. Lembrando os cortes de verba durante o governo Bolsonaro, que provocaram o corte de bolsas, fechamento de editais de pesquisa e o sucateamento das universidades públicas, Marcela explica que essas medidas têm impacto direto nas condições de trabalho dos docentes. Ela declara que a “inconstância das políticas orçamentárias de cada governo” gera sentimentos de angústia, cansaço, desânimo e a falta de sentido no trabalho, levando aos casos de ansiedade e depressão entre docentes.
Ações da UFSC
Os dados da Prodegesp revelam que, das causas de afastamentos relacionadas à saúde, ao menos três são vinculadas à Covid-19 (B342, U071 e Z290). O período pandêmico foi um dos maiores responsáveis pelos adoecimentos em razão de saúde mental e pela criação de medidas combativas contra essas questões. Foi nesse momento, por exemplo, que a UFSC criou uma Comissão Permanente de Monitoramento da Saúde Psicológica Universitária, vinculada ao Comitê de Combate à Pandemia da Covid-19. O objetivo era oferecer suporte psicológico à comunidade universitária. A partir das medidas adotadas pela comissão, surgiu o AcolheUFSC, que trabalhava para ampliar as redes de serviço da universidade voltadas à atenção psicossocial. Em maio de 2022, com a aprovação da Política Intersetorial Permanente de Saúde Mental, Atenção Psicossocial e Promoção da Saúde, o projeto tornou-se permanente.
Atuar diretamente na proteção da saúde mental da comunidade universitária, no entanto, já estava nos objetivos estabelecidos pelo Plano de Desenvolvimento Institucional 2020-2024 da UFSC. O documento previa a criação de um programa de atenção psicossocial e apoio ao sofrimento mental de alunos e servidores. Recentemente, em julho de 2023, a comissão instituída para execução da Política de Saúde Mental da UFSC apresentou um plano de ações e sugeriu a criação do Comitê Intersetorial Permanente de Atenção Psicossocial e Promoção de Saúde (Cipapp), vinculado à Reitoria. No plano apresentado, um dos objetivos é a criação de uma rede de atendimento e prevenção à saúde mental da comunidade universitária, bem como a integração de projetos relacionados à questão produzidos dentro da universidade e o estímulo a essas atividades.
Atualmente, no site do AcolheUFSC, é possível encontrar os serviços de atendimento e acolhimento psicológico oferecidos em todos os campi da universidade. As listas incluem projetos e programas voltados para estudantes, servidores e docentes, além da comunidade externa. O Serviço de Atenção Psicológica (Sapsi) também oferece atendimentos e serviços para toda a comunidade universitária.
Para Marcela, em relação às ações de cuidado com a saúde dos docentes, “a UFSC, em grande parte, se esforça para construir estas políticas e espaços”. Ela finaliza dizendo que, “em comparação com as universidades públicas que frequento, avalio que a UFSC está na vanguarda destas ações.”
Laura Miranda
Imprensa Apufsc