Pesquisa aponta como o cotidiano dos diretores escolares é tomado por questões administrativas, deixando pouco espaço para cuidar de aspectos pedagógicos
Garantir condições para que diretores e diretoras escolares possam dedicar boa parte de seu tempo a questões pedagógicas é um passo importante para transformar o papel desses líderes escolares e conquistar melhores resultados de aprendizagem para os estudantes. Esse é um dos apontamentos realizados pela pesquisadora Filomena Siqueira no relatório de pós-doutorado pela Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da Universidade de São Paulo (USP), apresentado no final de maio.
A pesquisa mostra que, atualmente, não há evidências de que existam momentos estruturados para realizar a gestão pedagógica como parte relevante da alocação de tempo dos diretores escolares, majoritariamente tomado por questões administrativas. “Todos reconhecem a importância da gestão pedagógica, mas no dia a dia não parece ter espaço específico para essa construção”, explicou a pesquisadora. Isso incluiria, por exemplo, conseguir interpretar e analisar o desempenho dos estudantes – seja em processos internos ou externos de avaliação, como o resultado do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb); acompanhar e discutir com os educadores quais são as maiores dificuldades dos estudantes em determinada unidade; definir quais práticas pedagógicas podem ser priorizadas para reverter os desafios encontrados e quais processos de intervenção pedagógica e acompanhamento serão realizados para garantir que os estudantes estejam se desenvolvendo e alcançando as aprendizagens esperadas.
Em sua pesquisa de doutorado, Filomena Siqueira identificou que a liderança escolar pode ter uma influência muito positiva no desempenho dos estudantes, chegando até a 12 pontos na escala Saeb, o que a levou à questão do pós-doutorado: analisar quais são as atribuições dos diretores do ensino fundamental e identificar em que medida a atuação desses profissionais tem correspondido à perspectiva de liderança. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto, São Paulo, foram realizadas 34 entrevistas, incluindo todos os diretores escolares de ensino fundamental, além de uma pesquisa documental e pesquisa de campo em nove escolas.
“A melhor forma de pensar sobre a carreira é ouvir os próprios diretores contando sobre seu dia a dia, e essa escuta mostrou que a gestão pedagógica e a gestão de pessoas são grandes desafios para a maior parte dos participantes” afirmou a pesquisadora.
“Também não há evidências, por exemplo, de que existam espaços qualificados para que os gestores possam desenvolver suas equipes. Muitas vezes relatam apoiar os docentes durante conversas informais, ou mesmo pelo WhatsApp, mas não há um processo de gestão ou o tempo que eles mesmos gostariam de ter para se dedicar e interagir com qualidade.”
Segundo o secretário municipal da Educação de Ribeirão Preto, Felipe Elias Miguel, a parceria viabilizada pela Cátedra é extremamente importante. “Ficou evidente o empenho da pesquisadora na construção de uma produção significativa, que busca impactar a educação pública. Os resultados obtidos por este trabalho orientarão políticas públicas relevantes na educação municipal, especificamente para o aprimoramento do trabalho da gestão escolar, tão fundamental para que todas as demais coisas funcionem na escola”, afirmou. “A Secretaria Municipal da Educação de Ribeirão Preto passou por intensas transformações nos últimos três anos, em que reconfigurou seu método de trabalho, montou uma equipe técnica qualificada e construiu uma base de dados consistente sobre o desenvolvimento das aprendizagens e a qualidade da educação oferecida. Essa evolução tem relação direta com a parceria produtiva e significativa que temos com a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira.”
Rotina na gestão escolar
De acordo com a pesquisa, a rotina na gestão escolar inclui múltiplas atividades, com muitas questões a serem resolvidas aparecendo de forma não planejada, como manutenção predial, atendimento a famílias dos estudantes, mediação de conflitos ou indisciplina dos alunos, entre outras questões administrativas que são as que consomem a maior parte do tempo desses profissionais.
Ao investigar o perfil das diretoras e diretores, ela identificou que a maioria assumiu a direção escolar ao acaso, e não como resultado de um objetivo almejado e planejado. Ainda assim, frente à oportunidade, grande parte decidiu aceitar a função motivados pela perspectiva de um novo desafio profissional. Todos os entrevistados fizeram ao menos uma especialização, mas ainda relatam desejar mais preparo para lidar com gestão de pessoas e o aspecto pedagógico. “O desafio atual é apoiar os gestores escolares para estabelecer uma nova forma de gestão nas escolas e ter essa visão estratégica. Precisamos refletir em conjunto quais conhecimentos técnicos eles vão precisar para realmente fazer uma gestão pedagógica, qual suporte devem receber para atuarem como lideranças eficazes?”, questionou a pesquisadora.
Evidências da literatura
Segundo Filomena Siqueira, é importante reconhecer que esta não é uma mudança simples, será resultado de um processo. Mas as organizações escolares que conseguem implementar essa visão de liderança demonstram ter melhores resultados com os estudantes. No estudo da literatura sobre o tema, análises feitas em países em desenvolvimento como Haiti, Tanzânia e Senegal também indicam que aumentar as condições para a dimensão pedagógica na gestão escolar é um desafio comum a muitas nações, pois em grande parte delas menos de 25% do tempo dos diretores se volta para atividades pedagógicas.
Apesar disso, as evidências nesses lugares também mostram que, entre os diversos elementos que contribuem para a aprendizagem dos estudantes, uma das maiores influências vem de lideranças capazes de entender as necessidades das escolas, estando ativamente envolvidas com a atribuição dos papéis e responsabilidades de todos na organização para atingir o objetivo comum.
Estudos sobre lideranças escolares apontam que seis características são determinantes para desempenhar esse papel: estabelecer direção; desenvolver pessoas; configurar a cultura organizacional; gerenciar o programa instrucional (de forma a garantir que o currículo previsto seja de fato trabalhado com todos os estudantes); gerenciar recursos; e relacionar a escola com contextos externos (como a comunidade ao redor e a rede de ensino como um todo).
Para o titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira e relator da Base Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar no Conselho Nacional de Educação, Mozart Neves Ramos, conhecer melhor esses elementos é um caminho para identificar o que podemos aprimorar na trajetória dos diretores e desenhar propostas concretas para apoiar o desenvolvimento das competências desses líderes. “A diferença que o diretor faz é enorme. Os educadores que participaram dessa pesquisa têm um conhecimento acumulado fantástico sobre a realidade escolar e podem dar uma contribuição muito grande para o desenvolvimento de uma nova formação para diretores”, afirmou Mozart Ramos, ao propor a criação de uma rede de gestores escolares que possam trocar experiências e construir novas práticas de forma conjunta.
Fonte: Jornal da USP