Por Alexandre Schneider
A discussão sobre a nova configuração do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos profissionais da Educação (Fundeb), que no ano passado repassou cerca de R$ 157 bilhões a estados e municípios, está próxima do fim, com uma vitória da equipe econômica do governo e do ministro Abraham Weintraub.
Mesmo sem apresentar uma proposta formal, o governo federal emplacou duas de suas condições para a aprovação do Fundeb: que a complementação da União ao fundo será de no máximo de 15% e que existirá uma regra de distribuição a partir dos resultados educacionais das redes públicas.
Essa é uma discussão central para a educação pública brasileira. No Brasil, a oferta de educação básica é de responsabilidade dos estados e municípios. Em milhares deles, o Fundeb cobre despesas básicas como o salário de professores. Em muitos casos, representa mais de 80% dos recursos disponíveis para a educação.
O fundo é constituído por recursos oriundos dos impostos arrecadados em estados e municípios. O valor arrecadado em cada estado é redistribuído entre este e seus municípios de acordo com o número de alunos matriculados, considerando um valor unitário por aluno/ano. Nos estados em que a o valor por aluno não alcança o mínimo estabelecido pela União, o governo federal complementa com seus recursos, em até 10% do valor total do fundo.
O primeiro relatório da comissão especial de redação do novo Fundeb, liderada por dois deputados comprometidos com a educação, previa que a contribuição da União subisse de 10% para 40% do valor do fundo, o que gerou reação imediata do ministro Weintraub. Após uma negociação mediada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o relatório reduziu a contribuição para 20%.
Como o diabo mora nos detalhes, a ampliação do aporte do governo federal passará a ser custeada por recursos já existentes no orçamento da… educação! A redação proposta prevê a utilização do salário-educação, contribuição empresarial que financia programas suplementares como a alimentação escolar, materiais e livros didáticos, transporte de alunos e assistência à saúde.
Embora haja uma redação que prevê a manutenção dos programas citados, nada garante sua continuidade nos moldes atuais. Vale observar o que ocorre com algo semelhante em outra área social, a Saúde. Por lei, os procedimentos médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) são pagos por uma tabela de custos unitários. Embora os custos de saúde venham aumentando acima da inflação, a tabela do SUS não é reajustada pelo governo há 18 anos!
Segundo os cálculos da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, o uso do salário-educação fará com que a complementação real da União ao Fundeb seja de 15% e não 20%. Chegamos ao “número mágico” do ministro Weintraub.
Outra mudança proposta pode fazer esse número ser ainda menor. A União tem por obrigação constitucional aplicar um valor mínimo de suas receitas com educação. Antes, a União poderia incorporar até 15% de sua complementação ao Fundeb no cálculo para cumprir a regra. O número foi ampliado para 30%, o que autoriza o governo federal a reduzir outras despesas do Ministério da Educação para fazer frente à sua complementação ao Fundeb.
O relatório prevê também a distribuição de recursos do Fundeb a partir da melhoria dos resultados educacionais dos municípios. Será tema para outro artigo, mas é bom lembrar que esse tipo de experiência não é consenso na literatura especializada em educação.
Os bons resultados educacionais dos municípios do Ceará, sempre citados, não aconteceram pelo fato do Estado distribuir uma pequena parte do ICMS aos municípios que obtiveram melhora nos indicadores.
Os resultados apareceram porque o governo cearense estruturou um eficiente regime de colaboração em que a secretaria estadual de educação passou a apoiar os municípios do ponto de vista financeiro e pedagógico.
É importante testar modelos de incentivo e inovação na educação. Mas colocá-los na Constituição brasileira parece imprudente. Um programa dessa natureza exige testes, avaliação e ajustes. Como fazê-los se a cada alteração for necessária uma mudança constitucional?
É evidente que estamos em uma situação de crise fiscal no Estado brasileiro. Também é claro que os recursos da educação podem ser melhor gastos. O que não podemos é realizar uma discussão tão relevante para o país baseada em falsas premissas de que haverá ampliação dos recursos para a educação quando pode ocorrer o oposto.
É na escassez que fazemos as melhores escolhas. Países como a Coreia do Sul ampliaram seu investimento por aluno desenvolvendo a educação e o país. O Brasil, no ano passado, escolheu reduzir os recursos da educação e ampliar os gastos com as Forças Armadas. O atual relatório da comissão especial do Fundeb autoriza o governo federal a continuar os cortes.
Como diziam os velhos cronistas esportivos sobre alguns atacantes de área, Guedes e Weintraub até agora jogaram parados. E fizeram barba, cabelo e bigode.
Alexandre Schneider é pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.
O artigo foi publicado originalmente em coluna no jornal Folha São Paulo