Prudente José Silveira Mello, advogado da Apufsc-Sindical, faz parte da comissão
A presidenta da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, conduziu os trabalhos da 2ª sessão do colegiado nesta quarta-feira, dia 19, ocasião em que mais dois requerimentos de anistia política foram deferidos por unanimidade em votação e exposição de argumentos dos 16 conselheiros presentes. Na plenária do colegiado de Estado, que se reuniu de modo híbrido, os dois casos foram incluídos na pauta por decisão judicial, totalizando o número de seis pedidos de anistia política concedidos na atual gestão.
Logo na abertura, Eneá de Stutz e Almeida ressaltou o simbolismo da presença de todos que acompanharam a sessão de modo presencial e virtual. “A Comissão de Anistia voltou de maneira transparente e pública com a presença de procuradores, anistiandos, anistiados, imprensa, entre outros. Quero que todas as pessoas saibam que são bem-vindas. Sintam-se todos acolhidos por nós”, disse a presidenta na abertura.
Democrática, pública e transparente, a sessão começou pela manhã com a explicação da presidenta de retirada da pauta, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 10 de abril, do requerimento de Rosalba Batista da Silva e Antonio Pereira da Silva Filho (post mortem), argumentando como razão pertinência de maior aprofundamento junto ao processo. “Esclareço que a requerente foi informada da necessidade de retirada de pauta, não havendo nenhum prejuízo para o requerimento”, pontuou Eneá.
Ainda na abertura, a presidenta do colegiado saudou a data de 19 de abril pela efeméride do Dia dos Povos Indígenas, ressaltando o ineditismo de uma representante dos povos originários no setor. “Quero destacar que temos, pela primeira vez na história da Comissão, uma indígena integrando o conselho, a advogada Maíra Pankararu”, reconheceu.
Conheça o primeiro caso
Presente na sessão, o então anistiando Osvaldo Ferreira do Nascimento acompanhou o processo de julgamento que deferiu o requerimento. O caso foi relatado pela conselheira Roberta Camineiro Baggio. Em seu voto, a relatora contextualizou que, em março de 2017, o protocolo de requerimento foi feito quando o colegiado ainda pertencia ao então Ministério da Justiça (MJ). No processo, havia o pedido de declaração de anistiado político com reparação econômica em prestação mensal permanente e continuada.
Osvaldo foi demitido da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos por perseguição política na liderança de movimentos grevistas na década de 1980 no estado de Pernambuco. A relatora conta que em fevereiro 2019, por meio do Sistema Eletrônico de Informação (SEI), a tramitação foi encerrada no MJ e passou a tramitar no antigo MMFDH. “Dois meses depois, o pedido foi indeferido sob o argumento de ausência de comprovação de perseguição política, e que a demissão do requerente teve cunho trabalhista”, relembrou a relatora do caso.
Em explanação sobre o contexto histórico, a conselheira Roberta Baggio apontou o período de repressão política por parte do Estado como facilitadora de processos de perseguição política e posteriores demissões em casos de movimentos grevistas, como ilustra o requerimento 08000.019021/2017-67, de Osvaldo Ferreira do Nascimento.
“Havia forte aparato policial e repressivo por parte das Forças Armadas em pontos estratégicos. O requerente afirma que, exatamente nessa época, pertenceu aos quadros da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), entre 1971 e 1987, quando era carteiro”, remonta a relatora ao trazer o caso para a plenária.
Após a leitura do relatório pela conselheira, o requerente prestou esclarecimentos sobre a atuação no sindicato ao qual pertencia à época, tendo sido demitido da empresa enquanto era tesoureiro da entidade. Em seguida, a relatora contextualizou que, para desmoralizar a luta sindical, o regime militar agia em datas distintas. “Existia um lapso temporal entre a demissão de um funcionário e a manifestação grevista, no sentido de descaracterizar a demissão enquanto perseguição política”, apontou a conselheira.
Entre as provas inequívocas, foram apreciados elementos como a carteira de trabalho do requerente, as datas de suspensão do contrato alinhadas ao contexto histórico, documentos do Arquivo Nacional, entre outros. Por unanimidade, todos os 16 conselheiros presentes pela manhã votaram pelo deferimento do processo.
“Senhor Osvaldo Ferreira do Nascimento, em nome do Estado brasileiro, eu quero pedir ao senhor desculpas por todo o sofrimento que o senhor teve, seus familiares, por esse tempo de espera e necessidade de judicialização para garantir um direito que é seu. Se hoje temos uma democracia, é também por causa da sua luta, é por causa do seu sacrifício pessoal e de seus familiares e por todas as angústias que o senhor passou. Estendo esse pedido de desculpas a toda a sociedade brasileira como garantia de não repetição”, declarou Eneá de Stutz Almeida ao proclamar o requerente anistiado político, concedendo reparação econômica de caráter indenizatório em prestação mensal permanente e continuada no valor de R$ 3.605,53 e os efeitos retroativos no valor de R$ 518 mil.
Conheça o segundo caso
Retomado o processo de julgamento no período vespertino, foi a vez da conselheira relatora Marina da Silva Steinbruch declarar seu voto pela reparação do já anistiado político Paulo Tarciso Okamotto. Diferentemente do caso anterior, o requerimento derivou de pedido de reconsideração após portaria de setembro de 2019 na qual não fora reconhecida a reparação econômica ao anistiado político desde 2009, um direito previsto pela Lei de Anistia de 2002.
Paulo Okamotto foi eleito membro da diretoria do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), em 7 de agosto de 1981. Pela exposição da relatora, o requerente alegou que o sindicato sofreu intervenção pela Delegacia Regional do Trabalho em 8 de julho de 1983, tendo seus direitos sindicais cassados. O requerimento engloba o período de pouco mais de um ano a partir desta data, até 2 de agosto de 1984, quando solicitou início de vinculação à empresa Inbrac S/A Condutores Elétricos.
Antes da votação, que por unanimidade concedeu a reparação econômica, houve um ponto de divergência quanto ao voto da relatora Marina Steinbruch sobre o período em que a reparação deveria ser realizada em prestação única. De um lado, três conselheiros seguiram a relatora que votaram pela reparação pelo período de um ano, entre 1983 e 1984. De outro lado, 12 conselheiros seguiram o ponto de divergência, reconhecendo que a prestação deveria englobar todo o período de perseguição política, de 1983 até outubro de 1988.
Ao fechar a sessão, a presidenta da Comissão de Anistia proclamou o resultado do 2° julgamento. “Ratificaremos a declaração de anistiado político ao senhor Paulo Tarciso Okamotto, oficializando novamente o pedido de desculpas do Estado brasileiro por toda perseguição sofrida, todas as adversidades pelas quais passou muito além da promulgação da constituição de 1988. Essa decisão é uma forma de reparação do Estado brasileiro pela sua luta pela democracia, pela história e de todas as lutas em prol dos trabalhadores, e por todas as lutas travadas conforme demonstram as comprovações dos autos”, declarou, deferindo o caso pela reparação econômica em prestação única – nos termos dos votos divergentes – a contar de julho de 1983 até 5 de outubro de 1988, respeitado o teto legal de R$ 100 mil.
A reunião do colegiado foi transmitida e segue disponível no canal no Youtube do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
Destaques
Ao longo da sessão, os conselheiros expuseram argumentos em favor da democracia. Na oportunidade, o conselheiro Prudente José Silveira Mello classificou a Lei 1.632, de agosto de 1978, como uma “pérola” do regime autoritário protagonizado pela ditadura militar. Revogado com a redemocratização, o decreto-lei proibia “greves no serviço público e em atividades essenciais de interesse de segurança nacional”.
“Ele se refere aos interesses da segurança nacional, e não daquilo que a legislação e a Organização Internacional do Trabalho [OIT] tratam das atividades que possam pôr em risco a saúde e segurança da população, não: o interesse da segurança nacional era aquilo que atentava contra a doutrina que motivou tantos golpes na América do Sul”, argumentou Prudente.
Em sua fala, o conselheiro José Carlos Moreira da Silva Filho relembrou que o dia marca os 80 anos do levante de Varsóvia, um marco da resistência judaica durante a 2ª Guerra Mundial. “Hoje, o presidente da Alemanha fez um pedido de desculpas àquilo que aconteceu no levante do gueto de Varsóvia”, ressaltou, em consonância com a política desta gestão do MDHC de memória, verdade e justiça.
“Na ditadura militar, quem era considerado subversivo na perseguição aos trabalhadores entrava em listas sujas, que faziam com que essas pessoas não conseguissem trabalho em lugar nenhum. Isso demonstra o nível da perseguição contra trabalhadores promovidas pelo Estado”, destacou o conselheiro.
Ainda na sessão, os conselheiros frisaram que o “monitoramento” utilizado por forças de segurança contra quem discordasse do regime, ou fosse de esquerda, também configurou perseguição política.
Comissão de Estado
Recomposta em 17 de janeiro de 2023, a Comissão de Anistia é um colegiado de Estado criado pela Lei nº 10.559/2002. A nova composição iniciou seus trabalhos a partir da publicação do atual regimento interno do setor, em 23 de março deste ano. O órgão está vinculado à Assessoria Especial em Defesa da Democracia, da Memória e da Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, tendo como missão conceder anistia política, exclusivamente, a perseguidos pelo Estado brasileiro no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988.
São atribuições da Comissão de Anistia ouvir testemunhas; arbitrar, com base nas provas obtidas, o valor das indenizações; emitir pareceres técnicos com o objetivo de instruir os processos e requerimentos; instituir e manter o memorial de anistia política; e formular e promover ações e projetos sobre reparação e memória.
Os requerimentos são analisados observando a ordem cronológica de protocolo, aplicando-se ainda requisitos específicos de prioridade como idade, doença, desemprego e renda inferior a cinco salários mínimos. No atual modelo, entre as novidades, o regimento interno traz a possibilidade de requerimentos coletivos e a exigência de pedido de desculpas em nome do Estado brasileiro em casos de deferimentos dos pedidos.