Ex-alunos foram convidados para exercer funções nas pastas da Saúde, Desenvolvimento, Planejamento, Direitos Humanos, Povos Indígenas e Pesca e Aquicultura
Ao menos oito egressos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foram nomeados para desempenhar cargos na administração federal, em Brasília. Das oito funções atribuídas pela nova gestão, sete são dirigidas por mulheres. Além de representantes no recém-criado Ministério dos Povos Indígenas (MPI), ex-alunos da instituição foram convidados para exercer cargos nas pastas da Saúde, Desenvolvimento, Planejamento, Direitos Humanos e Pesca e Aquicultura. Uma docente da UFSC também vai atuar em um grupo de Defesa da Democracia formado pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Momento crucial para os povos indígenas
No Ministério dos Povos Indígenas (MPI), além das egressas Joziléia Kaingang – chefe de gabinete – e da secretária de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas, Kerexu Yxapyry, a indígena Ana Patté, do povo Laklãnõ-Xokleng, vai atuar na pasta como assessora especial de Assuntos Parlamentares. Ela fará interlocução direta com estados e municípios brasileiros, especialmente aqueles com comunidades indígenas, para definir papéis, traçar metas e facilitar demandas de atendimento a essa população.
“Estamos em um momento crucial em que devemos atender à demanda dos povos indígenas que estão na base, sofrendo com o retrocesso que aconteceu nos últimos anos, sem demarcação de terra indígena, invasão pelo minério, pelo garimpo, pelo madeireiro ilegal e pelo uso inadequado de agrotóxicos nas terras indígenas. Essa nova gestão da Presidência tem acolhido e trazido os povos indígenas para o seu governo para mostrar que nós temos a capacidade de estar ocupando esses espaços, porque ninguém melhor para falar sobre os povos indígenas do que nós mesmos”, destaca.
Na UFSC entre 2011 e 2015, Ana foi aluna de uma das primeiras turmas do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena. Ela conta que o processo de construção do curso foi feito em conjunto com a universidade, uma vez que ainda não existiam povos indígenas dentro do ambiente acadêmico. Assim, os estudantes os trouxeram para a instituição, que sediou o III Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (Enei), em setembro de 2015. Por isso, para ela, “foram essenciais, não só as aulas em si, mas também a nossa presença dentro da universidade para mostrar que era uma universidade, mas que realmente não estava sendo diversa para mostrar a riqueza dos povos indígenas em Santa Catarina, no Paraná e no Rio Grande do Sul”.
A assessora lembra ainda que foi durante sua passagem pela UFSC que ocorreu a criação de importantes secretarias de assistência e permanência aos indígenas na universidade, na gestão do então reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. “O Cancelier trouxe a gente para dentro da Reitoria e levamos essa lembrança, esse nome para as nossas vidas e para onde a gente for, porque ele foi fundamental para que hoje também a gente estivesse ocupando o governo federal, dentro desses espaços de tomada de decisão”, aponta.
Além de desenvolver trabalhos na Secretaria, Ana é uma da cofundadoras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), uma organização que reúne lideranças mulheres indígenas de todos os biomas do Brasil, com o objetivo de garantir direitos e a sobrevivência dos povos originários. Em 2022, a associação foi responsável por lançar a candidatura de indígenas em cargos a nível municipal, estadual e federal.
Aumento da competitividade exportadora do Brasil
Entre os nomes que atuarão em outras pastas está o de Tatiana Lacerda Prazeres, nomeada como secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Com mais de 20 anos de experiência no comércio internacional, ela já foi secretária de Comércio Exterior do MDIC, entre 2011 e 2013.
Na Secretaria, desenvolverá atividades ligadas ao desenvolvimento de políticas de ampliação das bases exportadoras e de aumento do fluxo potencial do comércio, visando o aumento da competitividade exportadora do Brasil. Ela explica que a modernização da economia brasileira passa por uma maior disposição do Brasil ao mercado internacional, pois essa abertura “ajuda que nós possamos conhecer o que acontece lá fora, além de incorporar novas tecnologias e conhecimentos que contribuem para atingir esse objetivo”. Por isso, segundo ela, a recomposição da pasta, anteriormente vinculada ao Ministério da Economia, foi essencial para garantir o desenvolvimento do país.
Em sua passagem pela UFSC, entre 1997 e 2002, cursou graduação e mestrado em Direito com concentração em Relações Internacionais. Na fase no mestrado, tinha curiosidade por temas internacionais e “queria ir para o mundo”. Pesquisando sobre barreiras técnicas do comércio, escreveu sua dissertação, tema que coincidentemente viria a ser o mesmo do concurso que prestou anos mais tarde para a vaga de analista de Comércio Exterior, iniciando na vida pública. “A passagem pela UFSC foi uma peça fundamental no quebra-cabeça da minha história pessoal e profissional e me fez valorizar o conhecimento”.
Além da formação em Direito, Tatiana também é doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). Tem uma carreira acadêmica consolidada e já assessorou e integrou organismos internacionais importantes, como o Fórum Econômico Mundial (FEM). Sobre a importância da presença feminina em cargos na nova gestão, Tatiana ressalta que a percepção das mulheres de que havia essa necessidade e a posterior formação de uma rede de talentos a fim de impulsionar potenciais teve papel essencial na mudança. “Eu acho que é inspirador para mulheres e para que meninas olhem e também aspirem ocupar posições de comando”, afirma.
Articulação com organismos multilaterais de comércio
O Ministério do Planejamento, comandado pela ministra Simone Tebet, também conta com a participação de egressas da UFSC. Renata Amaral, ex-aluna do doutorado em Direito, atua na Secretaria de Assuntos Internacionais e Desenvolvimento. Ela foi uma das idealizadoras da organização internacional Woman Inside Trade, grupo que reúne e dá destaque para o empoderamento de mulheres engajadas na área do comércio internacional.
“Me incomodava com o fato de, muito frequentemente, ser a única mulher nas reuniões. Então, em um determinado momento, eu tive a ideia de criar um blog para repercutir o trabalho de mulheres na área. Junto com as cofundadoras pensamos na marca e percebemos que tinha um espaço de demanda. Ao longo do tempo fomos deixando de ser um blog e hoje temos representatividade em 12 países, cursos, sempre muito focado na disseminação de conteúdo de comércio e com a pauta de gênero sempre priorizada em tudo”, explica.
A nova equipe ministerial do governo tem 29% dos cargos ocupados por mulheres. Das 37 pastas do primeiro escalão, 11 são comandadas por elas. Renata é a primeira a ocupar a cadeira na sua secretaria. Conforme ela, a mudança “tem um efeito demonstração importante para mulheres do grupo”. Na pasta, a secretária vai se encarregar de articular projetos e pagamentos com organismos multilaterais de comércio e agências de desenvolvimento, além de lidar e acompanhar processos administrativos, a exemplo da nomeação de representantes brasileiros para instituições de integração regional e de temas ligados à adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O legado deixado pela UFSC em sua formação é carregado até hoje, afinal, a conexão com Brasília começou em 2008, época em que estava na universidade. A primeira viagem à Capital do país, quando trabalhou por um período no Ministério do Desenvolvimento, foi intermediada por um professor do curso de Direito. “Hoje eu entro nas salas do Ministério de forma, digamos, mais oficial, e lembro de 20 anos atrás. A UFSC teve um papel muito importante. Eu fiquei conectada com a universidade por muito tempo”.
Construção de uma política de Estado em defesa da democracia
A professora Letícia Cesarino, do Departamento de Antropologia, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade (CFH), é uma das pessoas que passa a colaborar com o governo federal. Recentemente foi nomeada para compor, como representante da comunidade acadêmica e científica, o Grupo de Trabalho criado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que pretende obter subsídios e contribuições das organizações da sociedade civil e dos poderes públicos para auxiliar na elaboração da regulamentação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia.
Desde 2021, Letícia está envolvida no projeto de pesquisa Ecossistema de Desinformação e Propaganda Computacional no Telegram, desenvolvido em parceria com a UFSC pelo InternetLab – centro independente de pesquisa que incentiva debates acadêmicos nas áreas de tecnologia e direito, sobretudo no campo da internet. O projeto que a professora faz parte mapeia e analisa, através da combinação de técnicas computacionais, análise de discurso e etnografia online, redes de extrema-direita no aplicativo, onde recentemente observou-se um aumento no fluxo de usuários e na criação de grupos e canais.
Em relação ao Grupo de Trabalho da AGU, ela explica que esse é um esforço inédito no Brasil e que o objetivo de GT é criar uma frente transversal que construa, através do conhecimento acadêmico, uma política de Estado que proteja a democracia. “A ideia é construir uma política de combate à desinformação que não seja ligada a um partido ou uma força política específica, que seja institucionalizada no âmbito do Estado brasileiro. A preocupação da AGU e do governo é que seja construído algo sólido, baseado em parâmetros científicos e técnicos.”
Segundo a professora, “é importante destacar que não se trata de dizer o que é ou não verdade, trata-se de atuar no ambiente digital de modo a reduzir o caos informacional, visando evitar que a desinformação prejudique a execução de políticas públicas, a exemplo do que ocorreu durante a pandemia, quando mortes poderiam ter sido evitadas”. Por isso, a coleta dos dados que é feita pelo InterLab no aplicativo de mensagem também servirá de base para a elaboração de políticas públicas mais abrangentes pelo governo federal.
Além de membros da sociedade civil, universidades e entidades brasileiras, foram convidados para compor o grupo especialistas de universidades da Espanha, Colômbia e Berlim que atuarão em conjunto. “Temos vários grupos de pesquisa que estudam Facebook, Whatsapp, Twitter, sendo que a ecologia da desinformação perpassa todas essas plataformas ao mesmo tempo. Então essa articulação entre diferentes grupos de pesquisa fortalece a produção de conhecimento”, afirma.
Egressos também vão atuar nas áreas de Direitos da Pessoa com Deficiência, Pesca Industrial e Saúde
Especialista em Educação Física Escolar pela UFSC entre 1995 e 1996, Anna Paula Feminella está à frente da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, agora integrada ao novo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH). Anna tem experiência na área de Educação, Inclusão de Pessoas com Deficiência e Gestão Pública.
Atuou na coordenação do Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência na Presidência da República entre 2014 e 2016 e Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Desde 2021, é coordenadora local de pesquisa nacional da Fundação Oswaldo Cruz sobre O Conhecimento da Atenção Primária em Saúde sobre Deficiência.
O zootecnista Carlos Mello, doutor em Aquicultura pela UFSC, ocupa o cargo de secretário-executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura. Carlos Mello tem graduação em Zootecnia pela UFRPE. Entre 2006 e 2012 cursou mestrado e doutorado em Aquicultura na UFSC. Há mais de 20 anos atua na área de zootecnia e recursos pesqueiros. É consultor técnico da Câmara Setorial da Produção e Indústria de Pescados do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Com ampla experiência em produção, pesquisa e desenvolvimento e gestão, representa o setor em fóruns nacionais e internacionais sobre gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros.
No Ministério da Saúde, Lucimara Patté, ex-aluna do curso de Direito, vai desenvolver ações na Assessoria de Gabinete da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que é responsável por promover a atenção primária à saúde e ações de saneamento aos povos indígenas, por meio da execução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.
Fonte: Notícias da UFSC