Caso ocorreu em junho do ano passado em meio a manifestações contra cortes orçamentários na Educação
Carlos Bartel e Aline Meyer, professores do Instituto Federal Catarinense (IFC), de Ibirama, no Vale do Itajaí, ainda buscam reparação judicial e tentam lidar com as consequências das agressões sofridas em junho de 2022. Acusados de “doutrinação” após uma publicação nas redes sociais, em que defendiam a educação pública, ser replicada por uma página bolsonarista, os docentes passaram a receber ameaças. O caso está sendo avaliado pelo Comitê de Ética do IFC.
Professor de história com mais de 20 anos de carreira, Bartel relata estar se sentindo mal e com dificuldades para trabalhar. Ele afirma que há uma criminalização da docência em curso no país. Nas mensagens de ódio destinadas a ele, leu que as escolas precisam de proteção contra “degenerados”, além de diversos xingamentos que, para ele, desumanizam o educador. “É como se eu não fosse profissional, fosse uma pessoa despreparada que estava ali dentro da escola para alguma finalidade escusa.”
Os ataques direcionados tanto para Meyer, quanto para Bartel, impactaram diretamente na saúde mental de ambos. O professor de história conta que se sente acuado no ambiente escolar e tem dificuldades para dormir. “A instituição de ensino, no nosso campus, que era para ser um lugar de alegria e liberdade, acaba se tornando um lugar de medo, censura e desconfiança.” De acordo com o relato do professor, esse receio fez com que alguns colegas de trabalho também se afastassem dele.
Além disso, ele revela que o ocorrido não apenas o afetou, como também abalou sua família e a de Meyer. Por conta disso, segundo o IFC, em dezembro, Meyer se afastou por determinação médica, durante 20 dias, e agora encontra-se em recesso acadêmico. Para a Apufsc, a professora de Artes explicou que precisou desse tempo para realizar um tratamento psiquiátrico e psicológico e que a situação mexeu muito com o seu emocional.
Relembre o caso
No final de maio de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou um corte de R$ 3,2 bilhões no orçamento do Ministério da Educação (MEC). Na mesma semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ) anunciou que votaria a PEC 206, que visava uma possível cobrança de mensalidade no ensino superior público. Diante disso, a União Nacional dos Estudantes (UNE) convocou atos em todo o país, realizados no dia 9 de junho.
Assim como diversos Institutos Federais, o campus Ibirama aderiu à manifestação, que foi organizada pelo Grêmio Estudantil e corroborada por sindicatos que representam os trabalhadores.
O professor Carlos Bartel relembra que, na ocasião, os alunos produziram cartazes, decidiram usar roupas pretas e divulgaram atividades de mobilização com a hashtag #TiraAMãodoMeuIF. Como sempre faz com todas as atividades escolares, Bartel fez uma publicação nas redes sociais. Na foto, junto da professora Aline Meyer e uma aluna, ele escreveu sobre como os cortes afetariam a prestação de serviços, os estudantes e ressaltou a importância dos IFs. Foi a partir daí que as manifestações de ódio contra os docentes começaram.
Conforme apurado pela Agência Pública, após a replicação da imagem por um grupo bolsonarista, os professores passaram a receber ataques coordenados de ódio. Bartel conta que ele e Meyer foram chamados de “doutrinadores”, “esterco”, “militância lixo”, “comunista”, entre tantos outros adjetivos. Junto disso veio uma representação feita por um advogado, que visitou a instituição após, segundo ele, receber denúncias de pais.
Imagem arranhada
Carlos Bartel lamenta que, além dos danos psicológicos e o receio dentro de sala de aula, ele sai dessa situação com sua imagem lesada. “A ideia que se passa é de que é um servidor problemático, criador de caso, deformado. Porque se há uma denúncia, na linha do lavajatismo, acaba sendo ela própria a prova de acusação.” Ele afirma que, com isso, os professores são violentados, agredidos e expostos. Em consequência, adoecem, aceleram a aposentadoria ou até mesmo trocam de profissão.
Bartel tem buscado apoio de entidades e sindicatos para lutar contra o ocorrido e conseguir de alguma forma uma reparação judicial. “Eu encaminhei para o Ministério Público Estadual e foi repassado para o Ministério Público Federal. Eles disseram que eu deveria buscar ações de reparação, porque tive a minha reputação e honra atingidas.” Enquanto não consegue isso, Bartel e Aline Meyer respondem a um processo instaurado pela Comissão de Ética do IFC, que está em fase de diligências e corre sob sigilo. Em 2018, em meio a ataques políticos no ensino público, o MP de Santa Catarina recomendou que instituições federais não aceitem denúncias vazias deste teor. O trecho da Recomendação N. 54, de 30 de outubro de 2018 aconselha que os representantes legais “se abstenham qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; ao pluralismo de ideias e de concepções ideológicas, adotando as medidas cabíveis e necessárias para que não haja qualquer forma de assédio moral em face desses profissionais, por parte de estudantes, familiares ou responsáveis.”
Imprensa Apufsc