“Não é possível, a cada crise econômica, uma população de pessoas essenciais para o país, como nossos estudantes de pós-graduação, ficar desamparada e em situação vulnerável”, diz em nota
A Comissão de Pós-Graduação do Instituto de Ciências Biomédicas da USP divulgou um manifesto sobre a suspensão de bolsas e situação da PG no Brasil: “Não é possível, a cada crise econômica, uma população de pessoas essenciais para o País, como nossos estudantes de pós-graduação, ficar desamparada e em situação vulnerável”. Leia o documento na íntegra:
Leia o manifesto na íntegra
Manifesto sobre a suspensão de bolsas de Pós-Graduação Capes e situação da Pós-Graduação no Brasil
Educação e ciência como políticas públicas para o desenvolvimento: a situação atual e perspectivas.
Nos primeiros dias do mês de dezembro de 2022, o Brasil viu verba do Ministério da Educação (MC), destinada às Universidades Federais e ao pagamento de bolsas de estudo para estudantes de pós-graduação suspensa por decreto presidencial. A Capes, vinculada ao MEC, é responsável pelo pagamento de 90% das bolsas de pós-graduação do Brasil e foi severamente afetada pelo bloqueio da verba. Com isso, 200 mil estudantes tiveram suas bolsas atrasadas. O valor necessário para pagamento das bolsas era aproximadamente R$ 160 milhões, um valor bem pequeno dado o orçamento federal, o que evidencia não ser o financiamento das bolsas de estudo, um compromisso que correspondesse a uma prioridade no país. Não é a primeira vez que, em um momento de carência de recursos ou por outras razões não claras, a opção do governo federal foi cortar verbas para educação, saúde e ciência. Isso já aconteceu no passado. O descaso com a pós-graduação tem aumentado e estamos vendo as consequências: não correção do valor das bolsas de pós-graduação de acordo com a inflação, resultando em uma defasagem de 70% do valor das bolsas, não renovação do Plano Nacional de Pós-graduação em 2021, para o período até 2030.
A Pós-Graduação no Brasil é responsável por grande parte da produção científica e desenvolvimento tecnológico. Estudantes de pós-graduação são indispensáveis na geração de conhecimento, dada a estrutura de financiamento de bolsas e ciência no Brasil. Estudantes de pós-graduação que recebem bolsas de estudo de qualquer das agências de fomento públicas são obrigados a manter atividades de pós-graduação exclusivas, ou seja, não podem ter outra atividade simultânea que lhes forneça outra fonte de renda. Além disso, a bolsa não vem com direitos associados a um salário. Por exemplo, se um estudante ficar doente, ele tem que escolher suspender a bolsa durante o período em que ele não está desenvolvendo seu projeto ou ter menor tempo de projeto quando voltar às suas atividades, caso mantenha a bolsa. Férias? Nem pensar. Soma-se a isso a falta de correção das bolsas pelos valores da inflação. Essa é uma das formas mais cruéis desvalorização de uma carreira.
Com tudo isso, é com tristeza, mas não surpresa, que vemos o número de pessoas interessadas em pós-graduação no Brasil sofrer uma redução ao longo dos últimos anos. A pandemia certamente tem influência nesse processo, mas os números mostram não apenas queda no número de formados na pós-graduação, mas também queda no número de estudantes matriculados. Um exemplo são as universidades paulistas, nas quais houve uma queda de aproximadamente 50% no número de estudantes de pós-graduação por orientador de 2013 a 2020.
O Brasil investiu por mais de 6 décadas na organização da pós-graduação, com resultados muito positivos. Porém, nos últimos anos o que observamos é um descaso, quando não, ativa destruição, de uma força importante para o desenvolvimento e soberania nacional.
Esse é um momento de transição é por isso é importante lembrar o papel fundamental da ciência e educação, e chamar à sociedade brasileira para uma reflexão do que se quer do futuro.
Há diversos exemplos na história que nos mostram o papel da educação e ciência no desenvolvimento de países. Cito aqui dois exemplos bem óbvios: durante a primeira Guerra Mundial a Alemanha abriu editais de financiamento de pesquisa para apoiar cientistas com dificuldades na condução dos seus projetos pelas limitações financeiras impostas pela própria Guerra. Com isso, o país conseguiu manter e criar centros de pesquisa, com consequente desenvolvimento da indústria alemã, o que trouxe riquezas e desenvolvimento. Outro exemplo é o da Coréia do Sul, que quebrou um ciclo de pobreza, mesmo após uma guerra, investindo de forma persistente em educação, saindo da situação de um país rural para um país tecnológico. Há diversos estudos que demonstram que países mais ricos foram mais doutores do que países em desenvolvimento. No Brasil, a população de doutores é 0,2% da população total, em países que fazem parte da Organização Mundial do Comércio, a proporção é 1,1%, ou seja 5,5 vezes maior.
Dessa forma, esse é um momento em que devemos nos perguntar, o que queremos? Desenvolvimento, resolução de problemas, melhora de vida para a população? Ou queremos nos enveredar para o obscurantismo e ignorância? A resposta para isso passa por como tratamos e priorizamos ciência, tecnologia e educação sempre, inclusive em momentos de crise.
É essencial que os valores das bolsas de pós-graduação sejam imediatamente corrigidos. Além disso, se queremos que estudantes se dediquem integralmente à Pós-Graduação, garantia de recebimento de bolsa é essencial. Mais ainda, as regras poderiam ser mais flexíveis. Se for acordado entre orientador e estudante que outras atividades pagas não resultem em prejuízo do projeto que o estudante desenvolve, poder-se-ia criar mecanismos de não exclusividade para o recebimento de bolsas. Não é possível, a cada crise econômica, uma população de pessoas essenciais para o país, como nossos estudantes de pós-graduação, ficarem desamparadas e em situação vulnerável.
As universidades têm propostas. A USP tem várias, e isso deveria ser levado em consideração pelos governantes. Além disso, precisa ser discutido e implementado o Plano Nacional de Pós-Graduação. Isso deveria ser prioridade, e é necessária uma conversa ampla e inclusiva para que um plano arrojado e moderno seja criado. Finalmente, precisamos de maior investimento em bolsas ou sistemas de contratação de pós-doutores. A expansão da contribuição desses doutores certamente trará benefícios adicionais ao desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Ana Carolina Thomas Takakura, Beatriz Simonsen Stolf Carboni, Kelly Ishida, Maria Luiza Morais Barreto de Chaves, Maria Oliveira de Souza, Renata Stecca Iunes, Ana Paula Lepique.
Comissão de Pós-Graduação do Instituto de Ciências Biomédicas.
Com informações do Jornal da Ciência