Iniciativa é plural, horizontal e descentralizada, formada por representantes de entidades, entre elas a Apufsc-Sindical, movimentos e personalidades catarinenses
O Auditório Paulo Stuart Wright – o Plenarinho da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) – esteve lotado na noite desta terça-feira, dia 22, para o lançamento do Movimento Humaniza SC. Descrita como uma iniciativa plural, horizontal e descentralizada, a ação formada por representantes de entidades, entre elas a Apufsc-Sindical, movimentos e personalidades catarinenses busca a adesão de parlamentares e outras pessoas que atuam na defesa da cidadania e dos direitos humanos no estado.
Na cerimônia de lançamento, os trabalhos na mesa foram conduzidos pela ex-senadora catarinense Ideli Salvatti e pelo advogado Prudente Mello, membro do grupo Prerrogativas. Na abertura, Ideli falou sobre o simbolismo de lançar um movimento que pretende atuar também no combate a manifestações autoritaritárias e nazifascistas em um auditório que leva o nome de uma vítima da ditadura militar brasileira. Ideli registrou ainda a presença de pessoas que atuam ativamente na luta pela democracia, como Silvia De Luca, irmã de Derlei Catarina De Luca, que foi presa política, atuou na Comissão da Verdade em SC e faleceu em 2017; da vice-reitora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Joana Célia dos Passos, e do padre Vilson Groh.
Também compuseram a mesa as deputadas estaduais Luciane Carminatti (PT) e Ada de Lucca (MDB). Ambas falaram sobre a necessidade de ações de enfrentamento ao racismo e ao nazismo, e lembraram fatos recentes registrados em Santa Catarina, como a prisão de um grupo neonazista que incluía estudantes da UFSC. Carminatti relembrou uma viagem que fez à Alemanha, onde visitou campos de concentração, e comentou uma frase que ouviu sobre o Holocausto: “muita gente viu e ficou indiferente”.
Ada de Lucca contou que é filha de um preso político da ditadura e viu de perto os horrores de um regime autoritário. “Eu tinha muito pavor que as novas gerações passassem pelo que eu passei”, disse. Na sequência, conclamou: “Que vocês saiam daqui e aglutinem mais pessoas nesse movimento”.
Dando sequência ao ato, o professor e ex-presidente da Apufsc-Sindical, Carlos Alberto Marques, o Bebeto, leu o manifesto do Movimento Humaniza SC (leia na íntegra abaixo). No documento, citou os casos criminosos registrados em Santa Catarina, cometidos por pessoas que “mostram desprezo pelo diverso”. Convidou ainda pessoas físicas e entidades a assinarem o manifesto.
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Reflexões sobre o neofascismo brasileiro
A cerimônia contou com uma palestra de João Ricardo Dornelles, professor do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e referência sobre direitos humanos. ele fez uma profunda reflexão sobre o crescimento de movimentos de perfil nazifascista em Santa Catarina com a ascenção do bolsonarismo, mas apontou que isso não é resultado apenas do momento político atual: “Esse movimento no Brasil tem relação com a tradição colonial. Não conseguimos romper com a tradição escravista, oligárquica”.
Para o professor, a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022 voi uma vitória da democracia, mas não é o bastante para que se encerrem os movimentos golpistas e fascistas que passaram a se manifestar com mais força. “Nós vencemos uma batalha fundamental, mas tempos que continuar mobilizados”, reforçou. E finalizou:
“Nós já vencemos uma vez o nazismo e o fascismo, e vamos vencer de novo.”
A jurista e professora do Departamento de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carol Proner, convidada para o evento, não pode participar presencialmente porque está em Brasília, onde faz parte do grupo de transição do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, enviou um vídeo para manifestar seu apoio ao movimento. Lamentou os casos recentes de manifestações neonazistas em SC, como o ocorrido em São Miguel do Oeste, mas afirmou:
“Sabemos que em Santa Catarina há resistência”.
As vereadoras Giovana Mondardo (PCdoB) e Maria Tereza Capra (PT) também enviaram vídeos. Ambas são vítima de perseguição depois de terem denunciado manifestações fascistas e neonazistas no estado e correm o risco de terem seus mandados cassados. Maria Tereza inclusive ressaltou que não foi possível estar presencialmente no evento por uma questão de segurança. Sofrendo ameaças, nesse momento ela está fora de Santa Catarina. A vereadora de São Miguel do Oeste reforçou que esse tipo de violência acontece principalmente com mulheres que se posicionam contra estas ações criminosas, e convocou: “Por isso a importância de nós resistirmos”.
O evento encerrou com falas dos presentes, apresentações culturais e o convite para as próximas ações do Movimento Humaniza SC. No dia 6 de dezembro, no auditório da Faed, na Udesc, haverá a exibição do documentário “Anauê! O Integralismo e o nazismo na região de Blumenau”, de Zeca Pires, e discussão sobre o tema. Nos dias 7 e 8 de dezembro, será realizado o ciclo de debates “Por que Santa Catarina votou à direita”, no auditório do CFH, na UFSC.
Manifesto do Movimento Humaniza SC
“Ao longo da história, a humanidade cometeu atos cruéis que nos envergonham. Atos que nos desumanizaram e mostram a face mais cruel da espécie humana. Foram vários genocídios, que são a forma de extermínio deliberado de um povo por razões étnicas, militares, religiosas ou culturais. As duas guerras mundiais e o genocídio do povo judeu, armênio, africano e eslavo, são alguns maus e tristes exemplos. Do apartheid na África do Sul ao extermínio dos povos indígenas, o homem provou sua crueldade moral e cultural.
Atualmente, também novas formas de crimes bárbaros vêm sendo praticadas. Os crimes cibernéticos, provocados por um tipo de escória que despreza o semelhante e leva, por sadismo ou interesses espúrios, jovens ao suicídio. Há também crimes ambientais que exprimem o individualismo, a ganância e o desrespeito a todas as diferentes formas de vida, a ponto de comprometer nosso futuro como espécie e a nossa casa comum, o planeta terra.
Isso já seria o suficiente para mostrar que não aprendemos o suficiente com a história. Mas, ao contrário, a estupidez, insanidade e a crueldade parecem não ter limites. Eis que pessoas aqui em nosso Estado reivindicam identidades sanguinárias para, através de métodos conhecidos, ameaçarem e praticarem violência racial, política, religiosa, cultural e étnica. Uma violência que, favorecida pela política do atual governo federal de venda de armas, incentiva que se matem mulheres, pretos, pobres da periferia e de pessoas que brigam por divergências políticas.
O incentivo à violência permite que pessoas, ainda não identificadas, enviem um e-mail para a Fundação de Cultura de Itajaí contra uma mostra da cultura haitiana. No texto ameaçam invadir o local para “matar todo mundo que a gente pudermos (sic) alcançar”. Eles se dizem defensores da raça branca e afirmam que Santa Catarina é “terra de brancos e para brancos”. E, continuam: “O lugar desses negros nojentos, dos índios fedorentos, dos nordestinos cabeças chatas, dos ratos judeus e da escória LGBT é longe de nossa terra europeia”, diz o texto. “Não brancos, aqui não é o lugar de vocês. Vão embora de Santa Catarina e dos estados-irmãos Rio Grande do Sul e Paraná”.
É uma clara demonstração de orientação genocida, do desejo à destruição e da eliminação do diferente. São ameaças por si só repugnantes, que exprimem o apreço ao nazismo e ao fascismo, por suas ideias e métodos. Essas pessoas mostram o desprezo pelo diverso, pelo pobre, negro, comunistas, petistas e todos aqueles que não lhes agradam. São manifestações pela manutenção de privilégios e contra a expansão de direitos e de inclusão social. Essas pessoas se unem aos que defendem uma pseudoliberdade, que em nome da liberdade de expressão, mentem e atacam as instituições democráticas para justamente destruir a democracia e implementar a ditadura. São pessoas que violentam e violam o Estado Democrático de Direito ao tentarem impedir que prevaleça a vontade da maioria do povo. São, na verdade, criminosos.
Por isso estamos aqui, não por prazer, mas por necessidade, para defender algo que seria natural, mas não o é. Estamos aqui para clamar e buscar garantir que a sociedade catarinense se humanize diante da barbárie que quer se instalar em nosso Estado. Somos indivíduos, instituições, movimentos sociais, profissionais liberais de várias áreas, que se unem para dizer que frente ao acirramento da violência, do agravamento do clima de ódio, dos ataques à democracia, bem como da ascensão de práticas e organizações fascistas, é imperioso uma ampla e forte reação da sociedade, que se materializa e se expressa no MOVIMENTO HUMANIZA SANTA CATARINA.
Um movimento onde todos e todas são convidados e convidadas a atuarem no combate a todas as formas de violência, de discriminação, preconceito, intolerância, motivados por questões étnicas, credo religioso, racial, cor da pele, orientação sexual, identidade de gênero e convicções políticas. Mas precisamos lembrar, o tempo todo, que o mal não se veste de mal. Vamos derrotar o fascismo e o nazismo. Vamos mobilizar a sociedade catarinense na promoção e respeito à dignidade da pessoa humana, em defesa da paz e do respeito à diversidade.
Florianópolis, 22 de novembro de 2022.
Assista ao lançamento do Movimento Humaniza SC na íntegra:
Stefani Ceolla
Imprensa Apufsc