Com os recentes cortes nas bolsas de pesquisa, especialistas apontam para um futuro incerto da ciência brasileira
A evolução da produção científica no Brasil mostra que, apesar do avanço recente, o país ocupa um lugar aquém de sua posição econômica no mundo. Por isso, os cortes recentes nos recursos destinados à área de ciência e tecnologia, especialmente no fomento à pesquisa, apontam para um quadro mais preocupante no futuro, segundo especialistas.
Estudo do consultor legislativo Cristiano Aguiar Lopes mostra que a participação brasileira na produção científica mundial passou de 1,30% para 2,94% entre 2000 e 2017. O número foi calculado pelo autor a partir da contagem de citações em periódicos indexados na Scopus, a maior base global desse tipo de dado. Grosso modo, a quantidade de citações em publicações indexadas, ou seja, qualificadas, mede a influência da pesquisa do país no meio acadêmico.
O crescimento das citações acompanha a expansão de 150% do número de programas de mestrado e doutorado, de 1.430 para 3.557 no mesmo período no país. Já o número de alunos nesses programas aumentou 170%, de 116 mil para 313 mil, e o de bolsas concedidas pela Capes saltou 336%, de 21.501 para 93.801. Os investimentos da Capes em bolsas e fomento saltaram, em valores correntes, de R$ 443 milhões em 2002 para R$ 3,27 bilhões em 2017, segundo levantamento do consultor.
Apesar desses avanços, o país ocupa uma posição aquém do seu lugar na economia global: 14º lugar no ranking dos países com maior número citações em publicações indexadas, segundo o levantamento, que foi feito para subsidiar a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara e divulgado em setembro de 2019.
Entre as dez maiores economias globais, o Brasil ocupa a última posição em investimento em pesquisa e desenvolvimento, com base em dados do Banco Mundial. Enquanto a média mundial é de destinação de 2,2% do PIB para P&D, no Brasil esse valor é de apenas 1,27%. A fatia do PIB investida em ciência e tecnologia jamais foi superior a 1,34% no país, diz o consultor.
Segundo Lopes, a destinação de verbas aos programas de pós-graduação – seja por meio de aplicação direta; seja por concessão de bolsas de produtividade a docentes e a estudantes – tem uma estratégia “comprovadamente eficaz” para o desenvolvimento da ciência nacional. Mas para gerar uma quantidade de empregos qualificados e melhorar a eficiência da economia seria necessária a aplicação de volume maior de recursos no desenvolvimento de ciência e tecnologia, ao menos 2% do PIB.
Neste sentido, preocupam os cortes recentes em bolsas e programas de fomento, embora esta seja a realidade do setor há mais tempo. “Houve um colapso orçamentário”, afirma Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a respeito dos recursos do governo federal destinados à área em 2019 e os previstos para 2020. Depois do rumoroso corte de recursos para bolsas do CNPq em 2019, depois revertido, o governo elevou a destinação para esse fim em 2020, mas reduziu o orçamento para o fomento à pesquisa. “Os números da produção científica brasileira vinham melhorando, mas podemos ver um declínio.”
No Orçamento aprovado para 2020, foram reduzidos em 15%, para R$ 13 bilhões, os recursos para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Do total aprovado, 40%, ou R$ 5,1 bilhões, estão em reserva de contingência, ou seja, indisponíveis para gasto, segundo levantamento da assessora Mariana Mazza, da SBPC. Outro R$ 1,3 bilhão, ou 10% dos recursos previstos, é crédito suplementar, ou seja, precisa de aprovação posterior do Congresso.
O que sobra como recursos discricionários, disponíveis para investir em ciência e tecnologia, são R$ 4,7 bilhões – uma redução de 38% em relação a 2019, segundo os dados da SBPC. O orçamento para as bolsas do CNPq é de R$ 1 bilhão em 2020, aumento de 30% ante 2019, mas houve queda de 41%, para R$ 61,2 milhões, nos recursos para o financiamento de projetos de pesquisa. Na Capes, vinculada ao Ministério da Educação, houve queda de 28% no orçamento, para R$ 3,1 bilhões.
“Nunca vivemos um momento tão dramático como o atual”, diz Sylvio Canuto, pró-reitor de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), para quem a instabilidade dos recursos destinados a bolsas e programas de fomento prejudica o avanço da ciência no país. “Não é bom para o sistema. Boa ciência não se faz com percalços.”
Leia na íntegra: Valor Econômico