Por Adriano Duarte*
Dois textos: “o que não te contaram” e “não queremos votar o fim da Apufsc” e uma pergunta estranha: “onde estaria escrito que, para se vincular ao andes/sn, a Apufsc ou a Apufsc-Sindical teria que ser dissolvida?” Estranha, porque a resposta é tão óbvia que seria desnecessário repetir: “É o estatuto, mané!” Vejamos mais uma vez: sendo o andes/sn um sindicato, ele não comporta a adesão de outros sindicatos; então, para que a Apufsc-Sindical (vejam bem, a Apufsc também é um sindicato) aderisse a ele seria necessário, primeiro, que ela renunciasse à sua carta sindical voltando a ser uma associação de professores para, então, se filiar ao andes/sn. Podemos combinar que “abrir mão da carta sindical” é o mesmo que “dissolver” o sindicato! Segundo o dicionário Houaiss “dissolver” é verbo transitivo direto, portanto requer complemento: desfazer-se, desagregar-se, desaparecer; dissipar-se, eliminar-se, resolver-se, acabar com a existência de; extinguir-se. É bem simples.
Mas não tenho a ilusão de que essa explicação singela esclareça as coisas. Porque o desejo de quem fez as perguntas era contornar essa questão espinhosa; alguns diziam: “isso é mera questão burocrática”. Transformando a dissolução da Apufsc-sindical num mero ato administrativo. Seu desejo era subsumir essa dissolução, com pó de pirlimpimpim. A própria pergunta embute essa lógica ao dizer: “a Apufsc ou a Apufsc-Sindical”, como se fossem a mesma coisa. “Não vamos falar em dissolução. Vamos apenas opor andes/sn x Proifes”, disse outro; o “resto os advogados resolvem”, sugeriu um terceiro. Mas espere, nossas decisões têm consequências? Então antes de tomá-las precisamos ter clareza de quais são elas. Entretanto, não tocar nesse tema, ou não usar essa palavra pesada, mas correta: dissolver, não muda o fato de que era a dissolução da Apufsc-sindical que estava em tela. Como sabemos, a dissolução da Apufsc-sindical não é um mero ato administrativo, é político. Não é difícil entender, mas é difícil manipular. Mesmo o Direito sendo interpretativo (vejam, tentaram duas ações judiciais para impedir a Assembleia Geral), há limites na manipulação que a palavra interpretação instaura.
Mas, como chegamos a esse ponto?
A Apufsc foi criada em 1975, em plena ditadura. A sua criação contou com 185 professores de um universo de 800 que tinha a UFSC da época. Em 1980, a Apufsc participou da primeira greve nacional, decidida em uma assembleia com 395 docentes. Essa greve paralisou 19 universidades por 26 dias, em todo o país. Em 1981, a Apufsc participou da criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), cujo primeiro presidente foi o professor Osvaldo de Oliveira Maciel, então presidente da Apufsc.
Em 2007, iniciou-se um longo, árduo, difícil e triste processo de afastamento da Apufsc do andes/sn. Processo que foi consolidado em uma assembleia com 1.000 professores, num universo de 2.500 associados. Em 2009, a Apufsc promoveu uma mudança profunda nos seus estatutos e entrou com pedido de registro sindical junto ao Ministério do Trabalho, mas apenas em 2011 obteve sua carta sindical, transformando-se em Apufsc-Sindical
É preciso lembrar que entre 2007 e 2011 o andes/sn tentou criar todo tipo de obstáculo para impedir que a Apufsc se transformasse em sindicato. Nesse caso, só Freud ajudaria a entender.
Mas a pergunta é: por que aconteceu esse rompimento? A universidade brasileira mudou muito, sobretudo a partir da abertura política, em 1985. E mudou porque o mundo mudou, não para melhor. As décadas de 1980/1990 são, principalmente, os anos de consolidação do neoliberalismo, do qual a universidade não se manteve imune. Novos professores ingressaram na UFSC, cada vez mais preocupados com suas carreiras, seus currículos, sua formação e, sobretudo, cada vez mais distantes do tipo de militância política do final da ditadura que havia dado origem ao andes/sn. Isso fez com que o conjunto dos professores, sobretudo novos professores, se sentisse cada vez mais apartado das práticas políticas do andes/sn; sentiam-se cada vez menos representados por suas práticas políticas e sindicais. O andes/sn, por sua vez, não parece ter se dado conta de que novos professores e novos tempos exigiam novas formas de organização, novas estratégias de luta, novas práticas sindicais e mantinha sua atuação como se ainda operasse no contexto da ditadura militar.
Eu me lembro de duas greves, duas de tantas, decretadas aqui na UFSC, ao final de assembleias cansativas que duraram horas, quando havia menos de uma dúzia de professores ainda presentes. Na primeira vez que isso aconteceu, pensei que havia sido um grande equívoco; na segunda vez, entendi que era uma estratégia: esvaziar a assembleia, vencer pelo cansaço e decretar a greve. Em ambas as ocasiões, ouvi o mesmo argumento: “começamos a greve depois a massa virá!” Massa era uma expressão recorrente que revelava muito de como a cúpula sindical percebia o conjunto dos professores: sem consciência, sem espírito de luta, sem experiência, sem combatividade etc. Essa me parece a expressão mais acabada de um tipo de sindicalismo cupulista, vanguardista e profundamente distante da realidade concreta dos professores. Essa era a Apufsc antes de romper com o andes-sn.
Foi contra esse tipo de prática que a Apufsc rompeu com o andes-sn. Minha pergunta é: 1) Nesses 15 anos de distanciamento, o andes/sn fez algum movimento que mostrasse alguma alteração em sua prática cupulista, vanguardista e distante da realidade concreta dos professores? 2) Nesses 15 anos, em algum momento, houve o reconhecimento, por parte do andes/sn, de que suas práticas sindicais contribuíram para afastar os professores do sindicato? A resposta parece ser não, para as duas perguntas. Por exemplo, em 2005 o andes-sn rompeu com a CUT e em 2007 se filiou ao Conlutas, que se propõe ser, como se pode ler em seus documentos internos, uma alternativa à Central Única dos Trabalhadores, à União Nacional dos Estudantes, ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, Movimentos dos Trabalhadores sem Teto.
A votação da última AG, embora expressiva, não deixa dúvidas: a maioria dos professores não se envolveu no debate sobre a adesão ao andes/sn ou ao Proifes. Por quê? Porque talvez essa seja uma discussão secundária, e pouco importante diante dos inúmeros problemas reais, concretos e urgentes que temos diante de nós. 1) os últimos estudos sugerem que nossos salários estão defasados em 25%; 2) a pandemia agravou ainda mais os problemas de saúde de uma categoria já esgotada; 3) os seguidos cortes de verba na universidade tornam ainda mais precárias nossas condições de trabalho; 3) desde os anos 1970, os sindicatos perdem relevância, os partidos políticos e a política, como atividade humana, perdem força, sendo continuamente desqualificadas e as estratégias coletivas e solidárias de apoio e sobrevivência mútua recuam; 4) há quarenta anos somos bombardeados com discursos de que o serviço público é ineficiente e consome mal o dinheiro do contribuinte; 5) cada vez mais vivemos numa “democracia sem direitos” e o desmonte dos serviços público e das universidades bate à nossa porta; 6) a única certeza que temos hoje é que as desigualdades de renda vão se acirrar, as crises financeiras serão mais cruentas, a dificuldade de acesso à moradia, saúde, educação, e o sentimento de estar cada vez mais à margem da sociedade e, portanto, a certeza de ser descartável, parecem ter atingido a todos, a despeito de sua posição política. O que faremos? Precisamos nos concentrar no que realmente importa. Para nós, o andes-sn é passado, não é mais uma alternativa. Devemos aderir ao Proifes, não porque ele seja uma maravilha, mas porque podemos fazê-lo sem dissolver a apufsc-sn, caso essa adesão se mostre equivocada, pode ser desfeita com uma solicitando o cancelamento do vínculo. E, por favor, vamos discutir o que realmente importa para a categoria.
Ah! Estudamos história para não esquecer o que os outros esquecem, mas, sobretudo, para não esquecer o que os outros querem esquecer.
*Professor do Departamento de História da UFSC e membro do Conselho de Representantes da Apufsc-sindical