Número de indígenas deu um salto após instituição da Lei de Cotas, em 2012, mas estudantes ainda enfrentam desafios econômicos e sociais para concluir o ensino superior
A viagem de Val Munduruku de sua casa, em Jacareanga (PA), até Madri foi longa e cansativa. Semana passada, na capital da Espanha, ela se juntou a outros jovens que se tornaram protagonistas do debate sobre as mudanças climáticas na 25ª Conferência do Clima (COP 25) da Organização das Nações Unidas (ONU), que terminou no domingo (15). Aos 23 anos, a estudante de Gestão Pública da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) se prepara para, em suas palavras, “trazer para os povos da floresta políticas públicas de valorização do desenvolvimento sustentável, bem como conhecimento dos direitos das populações tradicionais”.
A estudante faz parte das mais de 7 mil mulheres indígenas que ingressaram em instituições de ensino superior em 2015, segundo levantamento da Gênero e Número com dados do Censo da Educação Superior. Os números mostram que o número de indígenas ingressantes saltou nos últimos anos, passando de 2.780 em 2009 para 17.269 em 2018, último ano contabilizado pelo levantamento, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O número de mulheres como Val em 2018 cresceu 620% em relação a 2009, primeiro ano em que a variável cor/raça passou a ser contabilizada. O crescimento entre os homens foi de 439%. A partir de 2014, elas se posicionaram como maioria entre o total de ingressantes indígenas e assim se mantiveram até 2018, representando 52%.
Cotas raciais e processos seletivos especiais
O primeiro salto no ingresso se deu entre 2013 e 2014, quando os indígenas passaram de 3.876 para 9.018. Em 2015, os números também registram aumento significativo e em 2016 atingiram o maior patamar, com 26.062 estudantes ingressantes. O número, no entanto, caiu desde então e em 2018 chegou a apenas 17.269. Questionado pela reportagem, o Ministério da Educação não respondeu por que houve tal queda.
O avanço registrado desde 2009 representa um aumento na proporção de indígenas em comparação com o total de estudantes universitários. Em 2016 e 2017, a participação chegou a 0,8%, porém em 2018 diminuiu para 0,5%. Estas taxas, entretanto, representam um marco, já que superam a proporção de indígenas em relação à população brasileira, que é de 0,4%, segundo o Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo Eunice Dias de Paula, doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás e membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Lei das Cotas, aprovada em 2012, e vestibulares específicos para indígenas são os principais responsáveis por esse salto, pois favorecem o ingresso de pessoas indígenas em qualquer curso universitário.
Os processos seletivos especiais para estudantes indígenas, que têm a proposta de promover a inclusão social e étnica destes povos, já acontecem em diversas instituições de todo o Brasil, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aplicou a segunda edição do vestibular indígena neste ano para 1,6 mil candidatos. Em seu último vestibular, para ingressos em 2020, a UFSC ofertou 22 vagas através do processo seletivo suplementar para indígenas.
Estudantes indígenas na UFSC
Dentre os 10.803 estudantes aprovados em 2019 na universidade, apenas 16 são indígenas, de acordo com dados do relatório oficial da Coperve. Dos 66 indígenas inscritos no processo, 24% foram admitidos. O índice de aprovação de indígenas dobrou quando comparada com os 10 aprovados entre os 88 inscritos em 2018.
Em junho do ano passado, Yúpuri – nome indígena de João Rivelino Rezende Barreto – foi o primeiro indígena brasileiro a concluir o doutorado na Federal de Santa Catarina. Natural de São Gabriel da Cachoeira (AM), o agora doutor em Antropologia nasceu na aldeia tukana, próximo à fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Ingresso no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFSC) por ação afirmativa indígena, em entrevista à Agecom, Rivelino reforçou que as cotas são importantes, mas a questão de permanência é fundamental.
Na região Sul, assim como no Nordeste e Sudeste, a maior proporção de residentes em moradias universitárias está entre estudantes pretos e indígenas, do sexo masculino que ingressaram entre 2013 e 2016 pelo sistema de cotas. Essas pessoas estudaram em escola pública, são inativos ou se encontram desocupados e possuem renda per capita familiar de até 1,5 salário mínimo. É o que aponta a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos graduandos das IFES, produzida pela Andifes em 2018.
De acordo com o mesmo estudo, em 2018, os indígenas representavam 0,4% da população brasileira, mas 0,9% dos graduandos em IFES. Em Santa Catarina, especificamente, no mesmo ano a população indígena correspondeu compunha 0,4% dos estudantes de graduação nos Institutos Federais do estado.
Leia na íntegra: Gênero e Número