Para Ildeu Moreira, presidente da SBPC, decisão fere autonomia universitária e não pode ser tomada através de Medida Provisória, por desrespeitar a Constituição
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e mais 12 entidades científicas e acadêmicas divulgaram uma nota oficial questionando o uso de uma Medida Provisória (MP 914/2019) para alterar as regras para escolha dos dirigentes de universidades e institutos federais.
Para o presidente da SBPC, Ildeu Moreira, a medida viola as normas constitucionais tanto no que tange à autonomia universitária quanto à própria aplicação de uma MP. “A MP nos parece inadequada porque não atende o requisito constitucional de urgência”, afirmou, lembrando que, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal, a medida provisória só se justifica por “relevância e urgência”.
“Achamos que não é urgente nesse momento, porque existe uma legislação vigente, que certamente pode ser modificada, aprimorada. Há vários projetos de lei no Congresso Nacional que discutem essa questão”, destacou o presidente da SBPC. “O caminho natural é discutir com a comunidade acadêmica, o que não foi feito; a MP foi enviada ao Congresso no dia 24 de dezembro, em pleno recesso parlamentar, sem qualquer debate com a comunidade”.
Segundo Moreira, o ponto central, no entanto, é que a MP não atende o artigo da Constituição que delimita o que pode ser feito sob a forma de medida provisória. “Estamos solicitando ao presidente do Senado que devolva a MP à Presidência da República, por não ser o instrumento adequado; ele pode fazer isto”.
A nota oficial também questiona o conteúdo da proposta do governo por ferir a autonomia universitária, igualmente prevista na Constituição Federal. Em seu Artigo 207, a Carta Magna garante que as universidades detêm “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, obedecendo ao princípio de “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Para o presidente da SBPC, a proposta do governo é “excessivamente centralizadora”, coloca um poder muito grande nas mãos dos reitores, inclusive para indicar os diretores de unidades e o vice-reitor, além de ignorar o conselho universitário e os conselhos das unidades, que têm um papel importante nas universidades, elevando o risco de indicação de pessoas não qualificadas nas direções acadêmicas.
Leia a nota:
NOTA SOBRE A MP 914/2019
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e as sociedades científicas e acadêmicas abaixo-assinadas manifestam sua discordância em relação ao uso de uma Medida Provisória (MP 914/2019), que foi enviada ao Congresso Nacional no dia 24/12/2019, para o estabelecimento de novas regras para a escolha dos dirigentes de universidades e institutos federais. Tal procedimento ocorreu sem qualquer diálogo anterior com a comunidade acadêmica e não atende às prescrições constitucionais. As universidades públicas e os institutos federais constituem um elemento essencial para a educação superior e para a pesquisa científica no país, tanto na formação de pessoal qualificado quanto na produção científica e tecnológica, que, em grande parte, é proveniente dessas instituições, e devem ser tratadas com a devida consideração.
Nos termos do artigo 62 da Constituição Federal só é cabível Medida Provisória nos casos de “relevância e urgência”. O requisito de urgência, que justificaria uma MP, claramente não se aplica neste caso, uma vez que há uma legislação vigente sobre a questão (que pode evidentemente ser aprimorada e deve sê-lo quando necessário), existem projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre ela e, além disso, trata-se de uma matéria que, pela sua natureza, deve passar por um debate amplo envolvendo a comunidade universitária, o Congresso, os órgãos governamentais e a sociedade brasileira, que também tem interesse no funcionamento adequado destas importantes instituições. Em função disto, solicitamos ao Senado Federal que devolva a MP por ela não atender a requisitos constitucionais e que a matéria seja amplamente debatida no Congresso Nacional, o local adequado para formulação e aprimoramento da legislação brasileira.
A MP 914 fere ainda a Constituição Federal no seu Artigo 207, que trata da autonomia das universidades: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” A autonomia administrativa é essencial para o bom funcionamento dessas instituições, como mostra a experiência dos países desenvolvidos e das melhores universidades do mundo. A MP 914 cria uma centralização muito grande na universidade, altera e reduz o papel dos conselhos superiores dessas instituições, distorce a natureza de sua organização interna e atribui ao Reitor a indicação de seu vice e de todos os diretores de unidades. Além de desconsiderar a autonomia administrativa, a cultura interna e a experiência acumulada por décadas nas universidades, ela gera um alto risco de indicação de pessoas não qualificadas e sem legitimidade na comunidade acadêmica para postos de direção universitária.
As novas regras propostas devem ser, portanto, revistas em um diálogo do governo com a comunidade universitária e com o Congresso Nacional, bem como com outros setores da sociedade brasileira envolvidos com a educação, a ciência e o desenvolvimento do país.
São Paulo, 08 de janeiro de 2020.
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP)
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ( Andifes)
Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (CONFIES)
Conselho Nacional de Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP)
Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência Tecnologia e Inovação (CONSECTI)
Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (RBCIH)
Sociedade Brasileira de Cristalografia (ABCr)
Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia (ECOTOX-BRASIL)
Sociedade Brasileira de Física (SBF)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Sociedade Brasileira de Química (SBQ)
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Leia na íntegra: Jornal da Ciência