Formação da lista tríplice é prevista em lei desde 1995 e praticada na universidade há quatro décadas; entidades, no entanto, defendem mudança na legislação para que eleições passem a ser diretas, sem interferência do Executivo
A formação de lista tríplice para a escolha de reitores de universidades públicas federais é uma tradição e lei no Brasil. Desde 1968, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, a legislação determina que os reitores sejam escolhidos pelo presidente da República entre nomes indicados pelas próprias intituições. A partir de 1995, em lei sancionada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), definiu-se que esses nomes constariam de uma lista tríplice. A lei não estabelece, porém, quem deve ser escolhido entre os três nomes, mas nas últimas duas décadas, prevaleceu o respeito à vontade majoritária das universidades federais. A última vez em que o primeiro colocado na lista havia sido desconsiderado foi em 1998, no governo FHC. Até a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à presidência.
Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a formação de listas tríplices pelo Conselho Universitário (CUn) é uma prática há quatro décadas, e os conselheiros costumam respeitar o resultado da consulta informal à comunidade acadêmica, promovida previamente pela Comissão Eleitoral Representativa das Entidades da Universidade Federal de Santa Catarina (Comeleufsc), que contabiliza votos de docentes, estudantes e técnicos-administrativos.
O resultado dessa consulta dá maior legitimidade ao processo para que o vencedor se inscreva como candidato ao CUn, responsável por realizar a eleição formal e legal, que resulta na composição da lista tríplice encaminhada ao Ministério da Educação (MEC). Em nota publicada em fevereiro desse ano, a diretoria da Apufsc-Sindical, que faz parte da Comeleufsc, ressaltou a importância desse processo em um momento de risco de instabilidade institucional.
Desde o início do governo Bolsonaro, desrespeitar a ordem da lista tríplice tem sido regra, não exceção. Conforme levantamento feito pela Folha de S. Paulo no ano passado, Bolsonaro desconsiderou o primeiro nome da lista tríplice em 40% de nomeações para reitor de universidades federais até 2021. Não é uma irregularidade: em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo não precisa nomear como reitor o nome mais votado da lista tríplice. No entando, a comunidade acadêmica critica a prática porque fere a autonomia universitária.
Um dos exemplos é a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde a escolha de Carlos Bulhões, o terceiro colocado, foi anunciada com antecedência pelo deputado bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS), explicitando a interferência política. Bulhões passou por cima do Conselho Universitário para fazer uma alteração administrativa que fundiu pró-reitorias e reduziu equipes de áreas como as de ensino a distância e internacionalização para criar uma pró-reitoria chamada de Inovação, como mostrou a Folha de S. Paulo.
Respeito à democracia e à autonomia universitária
Até o dia 3 de julho, Bolsonaro deve nomear a nova Reitoria da UFSC, a partir da lista tríplice enviada em 3 de maio ao MEC. Como lembrou o reitor Ubaldo Cesar Balthazar na sessão do CUn que formou a lista, “a UFSC completará 62 anos de implantação em dezembro e, durante esse período, o Conselho Universitário elegeu 11 das 14 gestões que administraram a universidade”. O reitor ainda enfatizou: “tenho convicção que no final do processo teremos concluído mais uma etapa no sentido de preservar nossas ações, consolidar nossa autonomia e dar um exemplo para a sociedade de como a democracia é exercida”.
Em nota, a Apufsc também falou sobre a importância de que se garanta a autonomia universitária: “Há décadas a UFSC vem praticando uma consulta informal para a Reitoria, patrocinada pelas entidades representativas da comunidade universitária, como prévia à eleição legal feita no e pelo Conselho Universitário (CUn). E, diga-se de passagem, não somos a única universidade federal que adota tal procedimento, dado que a legislação que rege essa matéria impõe regras que desagradam a maioria da comunidade universitária e limitam a autonomia das universidades (…). Historicamente, a chapa escolhida na consulta é a única a se inscrever na eleição legal no CUn, onde a mesma indica ainda os nomes que irão formar a lista tríplice para envio e escolha por parte do presidente da República. Bem ou mal, foi esse o sistema que produziu governabilidade na UFSC até agora”.
Entidades defendem eleição direta
Em carta à população brasileira publicada em março deste ano, a Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes-Federação) defendeu o fim da lista tríplice e eleições diretas para que a democrcia seja respeitada: “O princípio constitucional da autonomia das universidades federais tem sido atacado: 21 IFES tiveram a vontade de sua comunidade universitária desrespeitada pelo governo Bolsonaro, que não nomeou o primeiro nome indicado nas listas tríplices encaminhadas à Presidência da República. O fim da exigência da lista tríplice para a eleição de reitores é urgente para garantirmos a autonomia e o respeito aos processos democráticos que se realizam internamente em cada instituição”.
O Sindicato Nacional dos Docentes das instituições de Ensino Superior (Andes) também já se manifestou de maneira favorável às eleições diretas. “Reafirmamos nosso projeto de universidade pública, gratuita, laica e socialmente referenciada e a defesa da gestão democrática com eleição direta do(a)s dirigentes das instituições de ensino superior, dos institutos federais e Cefet pela comunidade acadêmica por meio do voto direto, secreto e universal ou, no mínimo paritário“.
Em artigo publicado no site do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência, da Unifesp, Rui V. Oppermann, que foi reitor da UFRGS de 2016 a 2020 e reitor eleito mas não nomeado em 2020, também defende a eleição direta nas universidades federais e fim da lista tríplice.
“O uso recorrente da lista tríplice para atender interesses ideológicos por parte do governo federal é um ataque à sociedade brasileira, à democracia e à Constituição Federal. Uma permissão infraconstitucional dada ao presidente para situações excepcionais não pode se tornar um instrumento de intervenção e afronta a princípios constitucionais de autonomia e democracia universitárias”, escreveu o ex-reitor.
Oppermann explica que a escolha de reitores por parte da comunidade acadêmica é parte fundamental da autonomia universitária, prevista no Artigo 207 da Constituição Federal, que diz: “As universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Para ele, o Artigo 207 foi uma conquista do movimento de docentes, servidores, estudantes e alas progressistas da Constituinte.
No entanto, o ex-reitor da UFRGS pondera: “Com consultas paritárias às comunidades e ratificação pelos Conselhos de listas tríplices que, em quase sua totalidade, foram respeitadas pelos sucessivos presidentes pós-1988, nomeando o primeiro da lista, induziu-se uma inércia e acomodação. E assim se conviveu com a precariedade ética e legal da lista tríplice até o atual governo. Este, percebendo que havia margem para o presidente interferir na autonomia e democracia universitárias utilizando-se a legislação herdeira da ditadura, passa a nomear segundos e terceiros colocados nas listas, aparelhando as universidades com nomes que não só foram rejeitados pela comunidade e conselhos como professam as ideologias de quem os ungiu, desestabilizam as universidades perante si mesmas e perante a sociedade”.
A Apufsc também refletiu sobre o assunto em nota publicada no mês de abril: “Continuaremos também trabalhando para que a legislação relativa às eleições de reitorias seja alterada e que esteja em plena consonância com o princípio da autonomia universitária”.
Imprensa Apufsc