USP perde conhecimento com corpo docente pouco diverso, diz único professor índio da universidade
Enquanto o perfil do aluno da USP se torna mais diverso, principalmente com as cotas, o dos professores permanece majoritariamente branco na universidade. Apenas 1,8% dos 5.655 docentes se define como pardo, e 0,3% como preto. Só um educador é indígena.
Em 20 unidades, não há um só professor que se declare pertencente a um desses três grupos, que representam 37,5% da população do estado de São Paulo. Entre elas, estão a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), a Esalq (Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’) e o Instituto de Biociências, segundo informações do sistema de Transparência da USP. Não há informação sobre raça/cor de 6,8% dos docentes da universidade.
A maior chance de ter aula com um educador preto ou pardo na USP é na Faculdade de Educação, onde eles têm a maior representação: 10%. Para estar em uma aula ministrada por um indígena, a única opção é ir ao Instituto de Psicologia. Lá pode ser encontrado Danilo Silva Guimarães, professor da universidade desde 2011.
Foi durante a graduação na própria USP que ele passou a se reconhecer como indígena. Descendente dos maxakali por parte do pai e de outro povo indígena cuja origem se perdeu ao longo do tempo por parte da mãe, ele nasceu e foi criado na cidade de Itanhém, no extremo sul da Bahia. Cresceu ouvindo o relato de sua bisavó paterna sobre a ancestral que foi retirada da aldeia maxakali nas proximidades, levada ainda criança para trabalhar na casa de uma família e que acabou por perder o contato com os parentes indígenas.
A história da infância voltou à mente de Danilo em uma aula da área de psicologia social. “A professora fez uma dinâmica em que a gente precisava se autodeclarar. Fiquei em dúvida se dizia indígena ou negro”, recorda. “Lembrei do que era dito na minha família e me declarei indígena. No intervalo da aula, liguei para os meus pais para me certificar, eles confirmaram.”
A informação despertou interesse e curiosidade de colegas de sala, que também a partir daquele momento tomaram contato com essa identidade que até então não se mostrava. “Eles ficaram bastante impressionados com a presença de um indígena na sala de aula. Estávamos no terceiro ano e, até então, eu era o baiano, ou seja, a minha identidade regional era mais marcada.”A circunstância foi determinante para ele escolher seu foco de estudos desde então.
Dedicou sua pós-graduação a entender um pouco mais essas relações e, já professor da USP, decidiu transformar em atividade acadêmica o incômodo que sentia por pensar que o curso de psicologia não preparava os alunos para o atendimento de pessoas de outra origem cultural.
“Autores clássicos como Freud e Piaget tomam valores ocidentais como centrais, por exemplo ao dar ênfase muito grande ao indivíduo e às relações que ele estabelece com a sociedade urbana. Os indígenas têm uma vivência muito comunitária e uma compreensão da pessoa que não é individualizada da mesma forma”, explica.
Hoje, ele luta para que a universidade adote um vestibular específico para povos indígenas, como fazem instituições como a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) e a UnB (Universidade de Brasília). Trata-se de um processo seletivo próprio, que leva em conta particularidades como parte dos índios não ter o português como primeira língua.
Para o professor, a USP deixa de produzir conhecimento em todas as áreas ao ter um corpo docente tão pouco diverso, uma vez que o interesse e o olhar dos pesquisadores têm muito a ver com suas histórias pessoais, e muitas delas não estão hoje representadas na universidade.
Diretor da Faculdade de Educação da USP, Marcos Neira afirma que a presença de mais professores pretos e pardos do que a média em sua unidade se deve a uma “feliz coincidência”, já que não há qualquer direcionamento nesse sentido, mas que é bem-vinda, por permitir que o curso mostre aos alunos a diversidade que a escola deve ter.
Professor do departamento de Sociologia da USP e pesquisador de desigualdades educacionais, Murillo Marschner Brito avalia que um dos resultados de médio e longo prazo que as cotas trarão será justamente a ampliação e consolidação de uma intelectualidade negra, que irá pensar as relações raciais, bem como outros temas, do próprio ponto de vista, e não sob a perspectiva dos brancos.
Leia na íntegra: Folha de S. Paulo