Por Sergio F. T. Freitas
- Para defender a ciência –
A pandemia de COVID-19 foi o maior desafio recente de curto prazo para a ciência mundial neste século. E as respostas vieram muito rápido, com grau de efetividade muito alto. Entre a detecção dos primeiros casos na China e os dias de hoje, passaram-se 25 meses. Neste tempo, foram desenvolvidos diversos testes diagnósticos, uma dezena de vacinas diferentes e o primeiro medicamento específico para a doença. A primeira vez na história da humanidade em que resultados tão importantes foram alcançados em prazo tão curto. No entanto, a ciência foi tão bombardeada por opiniões não científicas como não se via desde os tempos de Galileu.
Com a UFSC não foi diferente: duramente criticada por pessoas orgulhosas de sua ignorância, por negacionistas convictos e mesmo por aqueles que só viam seus interesses pessoais sendo atrapalhados de alguma forma, a instituição manteve-se firme em suas convicções, pensando antes de tudo em preservar vidas priorizando a saúde, sempre respaldada pelo conhecimento mais robusto disponível. Fariseus de dentro e de fora da comunidade acadêmica reclamaram dessa postura, mas nunca se dispuseram a discutir suas posições a partir da ciência. E esta novamente recomenda: a mais importante forma de prevenção da doença é a vacina; a segunda forma é o uso de máscaras e o distanciamento social mínimo. A experiência recente em diversos países da Europa mostrou que a testagem em massa para pronta identificação e isolamento dos doentes não foi capaz de oferecer proteção necessária para evitar novos surtos e mesmo o ressurgimento da epidemia. E o que se conhece da doença mostra que a imunidade adquirida não é permanente, e as vacinas – como as demais, diga-se de passagem – não oferecem 100% de efetividade.
Portanto, a melhor medida é estarem todos – ou praticamente todos – vacinados. Até o início das aulas, a população que compõe a comunidade acadêmica terá as oportunidades para fazer sua vacinação com ciclo completo e reforço, restando sem essa proteção o baixo percentual que não pode tomar a vacina por problemas médicos e a não tão baixa daqueles que não querem fazê-lo. Estes negam a ciência; não podem ter como prêmio o direito de por a saúde dos demais em risco.
2. Para estender seu conhecimento a sociedade
A defesa do passaporte vacinal certamente trará o debate para fora da comunidade acadêmica, e dará ainda mais chance de divulgar aquilo que a ciência já sabe, mas que muitos da população ainda não. Além disso, há um outro conhecimento que também precisa ser divulgado, que diz respeito aos direitos de cidadania. Exigir de empresas e prestadores de serviço que adotem as mesmas políticas da universidade sobre segurança no trabalho, uso de EPIs adequados e responsabilidade sanitária e social torna a todos melhor. Divulgar como e porque, quem ganha e quem perde com as políticas adotadas, é função de extensão clássica e maior de Universidade que se escreve com letras maiúsculas, e até aqui temos perdido a guerra da comunicação em muitas mídias sociais, embora pesquisas mostrem que a maioria da população prefere a segurança sanitária e a saúde preservadas.
3. Para preservar sua autonomia
A Constituição vigente deu a Universidade brasileira um instrumento espetacular para prover seu desenvolvimento e sua independência para produzir e disseminar esse conhecimento: a autonomia – didática, científica, administrativa e de gestão financeira. Talvez anestesiados pelos 21 anos de ditadura militar, nunca exercemos essa autonomia de forma plena e constante; dentro da tradição política brasileira, governos tem seguidamente ignorado a autonomia das universidades. Tentativas francamente autoritárias muito recentes por parte de parlamentares foram barradas pela justiça, sobre o regime didático e científico; agora, preservar a autonomia administrativa é fundamental.
Para isso, clamo a gestão central, e ao Conselho Universitário que adotem a exigência de vacinação completa – resguardados os casos em que é contraindicada – para todos quando do retorno ao ensino presencial, com os instrumentos adequados de divulgação prévia e de controle para sua efetivação como um preceito fundamental e necessário para defender a ciência e a autonomia que a Constituição nos garante. E que enfrentemos de forma altiva as discussões sanitárias, políticas e eventualmente judiciais, priorizando a legitimidade dos argumentos e entendendo que ela também é legal, se preciso nos defendendo na justiça. Não seremos a primeira universidade federal e adotar a medida e espero que não sejamos a última.
Aproveito para recomendar a leitura do ótimo artigo do Prof. Lauro Mattei, publicado no site do SINTUFSC, cujo link tomo a liberdade de divulgar aqui: https://www.sintufsc.com.br/artigo-a-ufsc-tem-autonomia-para-exigir-passaporte-da-vacina-no-retorno-das-atividades-presenciais/
Sergio F. T. Freitas – Professor titular do Depto de Saúde Pública e Coordenador da Comissão Permanente de Monitoramento Epidemiológico da UFSC