Por Prof. Armando Lisboa
“Como punir um sargento, se o general não for punido?” (Brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, Ex-Presidente do Superior Tribunal Militar)
“Guarda da esquina” foi a expressão utilizada por Pedro Aleixo, então vice-presidente de Costa e Silva, para explicar por que foi contra o AI-5:
“Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.
O que então era uma apreensão de Aleixo – confirmada historicamente – quanto às consequências não intencionadas de decisões palacianas, agora é a aposta do atual mandatário. O bolsonarismo consiste em fomentar este arbítrio “do guarda da esquina”, e não reeditar AIs 5 ou buscar “intervenção militar” comandada por generais (que inclusive não estão uníssonos em retomar aventuras ditatoriais, pelo contrário!).
O caso do professor Arquidones Leão, preso domingo, 30/05, por policiais militares em Goiás ao se recusar remover o “Fora Bolsonaro Genocida” do capô de seu carro, é emblemático deste modus operandi. O policial, que o algemou declamando a Lei de Segurança Nacional, exibe fotos ao lado do Messias. Ele é tão militante quanto o professor, só que, armado, impõe-se na sua esquina tal como um miliciano, isto é, de forma arbitrária e violenta.
Na segunda-feira, 01/06, o JA (Jornal do Almoço, da rede NSC) trouxe uma boa reportagem sobre PMs em SC que se recusaram a serem vacinados. Cerca de 1/4 da corporação já se infectou com a Covid-19, índice que é o dobro do percentual dos catarinenses já contaminados. Apesar deste alto contágio corporativo (guarnições inteiras foram contaminadas), descobriram 163 “termos de recusa” devidamente assinados. O JA informou existirem muito mais… Sendo servidores que trabalham em contato intenso com a população, a postura negacionista faz da força policial, ao invés de zelar para reduzir as ameaças que pairam sobre toda sociedade, um vetor de alta transmissibilidade e disseminação do vírus, violando sua missão constitucional: cuidar da segurança pública. A reportagem relacionou esta atitude à ideologia bolsonarista fortemente presente no âmbito policial. Não por acaso, SC é o segundo Estado em incidência na Covid em termos relativos, superado apenas por Roraima.
Já a brutal repressão aos protestos contra Bolsonaro e pela vacina em Recife sábado 29/05 teve ampla repercussão nacional. Tudo indica que isto ocorreu à revelia do comando geral da PM/PE, consumando exemplarmente o bolsonarismo em ação. O episódio recifense é a mais completa tradução do sonho de JB para o Brasil. Aqui seria um governo civil de extrema direita escorado em militares de baixa patente e milícias.
Como estamos vendo no Rio, berço deste ovo da serpente bolsonarista, entre milícia e força policial existe um profundo e constitutivo vínculo, configurando plena harmonia de interesses e tal continuidade que impossibilita distinguir uma da outra. A bolsonarização das polícias civil e militar, especialmente do seu baixo clero*, a qual vem conjugada com o agir miliciano, perfaz uma venezuelização, piorada.
Diferentemente da época do Regime Militar, agora as Forças Armadas, sem o ônus e o desgaste de um “golpe”, resignarão-se a assistir passivamente a expansão desses atos de arbítrio, feitos sem quebra da “ordem democrática”. Desta vez, importa que os tanques não saiam dos quartéis e que os militares se mantenham inertes. Mas, se o caos se impor, então se apresentarão como solução para situação por eles incubada, e sua intervenção para “garantir a lei e a ordem” (art. 142 da Constituição) estará legitimada.
Caso as instituições democráticas não reajam, elas respaldarão e serão cúmplices de uma degradação que minará progressivamente sua própria existência. Assim, desmoralizadas, prescindir-se-ão do cabo e do soldado para fechá-las…
* O Fórum Brasileiro da Segurança Pública publicizou, em agosto de 2020, pesquisa indicando que 41% dos praças das polícias militares brasileiras participam em grupos bolsonaristas nas redes sociais, que 25% defendiam teses radicais, com pelo menos 12% contrários ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso.
Armando de Melo Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Socioeconômico (CNM/CSE) da UFSC e ex-diretor da Apufsc-Sindical (2006-2010)