Carteira estudantil gratuita lançada pelo Governo Bolsonaro é uma das medidas para desarticular mobilização dos estudantes
A grande medida de Abraham Weintraub até o momento foi o lançamento das carteiras digitais de estudantes, uma tentativa de asfixiar financeiramente a UNE e a Ubes, responsáveis por organizar os mais relevantes protestos do País nos últimos cinco anos e até então únicas administradoras da emissão dos documentos. A iniciativa, alega o Ministério da Educação (MEC), visa acabar com o monopólio na área, ainda que a atividade seja regulamentada por uma lei federal de 2013.
O núcleo central do governo ensaiou o discurso em defesa da medida. “Vai evitar que, certas pessoas, em nossas universidades, promovam o socialismo”, declarou Jair Bolsonaro. “O que nós estamos fazendo hoje é libertar cada jovem, cada estudante. Não pagar dinheiro nem para UNE nem para Ubes, para quem quer que seja”, emendou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Por que alguns são contra a carteirinha digital? Porque a UNE ganha 500 milhões por ano fazendo isso. A gente vai quebrar mais uma das máfias do Brasil, tirar 500 milhões das mãos da tigrada da UNE. Esse dinheiro vem do povo, que paga 50 na carteirinha todo ano”, trombeteou Weintraub.
O custo de emissão das carteiras estudantis é de 35 reais. No valor, conforme explica o presidente da UNE, Iago Montalvão, estão embutidos, em média, 12 reais de produção, etapa destinada à checagem de fotos e documentos dos estudantes para evitar fraudes. O restante, cerca de 20 reais, descontados possíveis repasses a centros e diretórios acadêmicos, fica com a entidade, que emitia cerca de 150 mil documentos por ano. “O valor que entra para a UNE é bem diferente do alegado pelo ministro da Educação”, rebate Montalvão.
A verba é, no entanto, parte importante da receita, composta de convênios, doações e vendas de materiais. Na nova proposta, o custo das carteirinhas, de 15 centavos, não será repassado aos estudantes, mas abarcado pelo governo, que anunciou investimento de 12 milhões de reais no sistema digital. “É um ataque direto para desmobilizar toda a rede do movimento estudantil”, denuncia Montalvão. “A UNE é uma entidade histórica que sempre fez oposição a esse projeto privatista e neoliberal da educação. A gente sabia que sofreria alguma perseguição, mas isso tomou outra proporção depois das manifestações recentes.”
Os movimentos estudantis capitanearam diversas mobilizações pelo País em resposta aos cortes de verbas anunciados para as universidades federais e à suspensão de bolsas estudantis. O Future-se, novo programa de financiamento apresentado pelo governo, também foi alvo dos protestos. As maiores manifestações deste ano, em 15 e 30 de maio, tiveram como tema principal a defesa da educação.
Por consequência, a UNE e a Ubes sempre estiveram na alça de mira de Weintraub. Em seu primeiro mês à frente da pasta, o ministro sinalizou as suas intenções. Durante uma reunião da Comissão de Educação na Câmara dos Deputados, ele assistiu aos líderes estudantis Marianna Dias, à época presidente da UNE, e Pedro Gorki, da Ubes, serem agredidos por seguranças, enquanto tentavam garantir o direito de voz durante a plenária, previamente acordada com o presidente da comissão, o deputado Pedro Cunha Lima, do PSDB. Na ocasião, o ministro limitou-se a dizer: “Eu não quero falar com a UNE, eles não estão eleitos. Eu nunca fui filiado à UNE”. O tom de hostilidade seguiu em suas redes sociais. O ministro reservou algumas de suas publicações para atacar os estudantes: “Comunas, adoram grana e vida fácil”.
O clima de perseguição, acredita Montalvão, tende, ao contrário da expectativa do Palácio do Planalto, a fortalecer a agenda dos movimentos. “Parte dos estudantes e da sociedade entende as carteiras como um instrumento de luta contra o governo, o que não deve desmobilizar a nossa emissão. Ela representa a busca pelos direitos e o enfrentamento aos retrocessos. Agora, para além do financiamento, somos orgânicos, eles não vão conseguir nos calar.”
As entidades estudantis acreditam que o ministério encontrará dificuldades para se estabelecer como entidade emissora dos documentos estudantis. Ainda condenam a forma como a pasta tem agido para obter os dados dos alunos e abastecer o Sistema Educacional Brasileiro, banco de dados que reúne informações dos estudantes de todo o País. As instituições de ensino serão obrigadas a enviar para o governo federal o número do Cadastro da Pessoa Física de cada aluno, entre outros dados.
“Nós temos acesso a essas informações a partir dos documentos que os estudantes nos enviam espontaneamente. O ministério tem cobrado isso das universidades, muitas vezes passando por cima da decisão das reitorias e dos conselhos superiores”, afirma o presidente da UNE. “Recentemente, apresentamos um documento ao Conselho Superior da Federal do Rio de Janeiro recomendando que os dados não fossem divulgados. A recomendação foi aprovada pelos conselheiros, mas a universidade está no sistema digital criado pelo Ministério da Educação. De alguma forma eles pegaram esses dados. Isso é muito grave, estamos falando de informações sigilosas e de uma atitude que fere a autonomia das instituições.”
A UNE e a Ubes estudam maneiras de ingressar com ações judiciais contra as medidas do governo e o acesso indevido aos dados dos estudantes. O combate não se dará, porém, apenas pela via judicial. Os estudantes são atualmente a maior força mobilizadora do Brasil.
Leia na íntegra: Carta Capital