Pesquisa menciona declarações de Weintraub contra as Universidades e decreto do governo que pode interferir na nomeação de reitores
O Brasil está na lista de países nos quais a liberdade de pensamento nas universidades está em risco. A inglória posição deve-se a um aumento, identificado pelos organizadores de relatório internacional, nas pressões de motivação política em instituições brasileiras, incluindo ameaças e ataques a estudantes que fazem parte de minorias e propostas de legislação que colocam em risco as atividades e os principais valores das universidades.
O relatório em questão é o Free to Think 2019, produzido no projeto Academic Freedom Monitoring (Monitoramento da Liberdade Acadêmica), da organização Scholars At Risk (SAR), de Nova York, nos Estados Unidos. Ele foi divulgado, no final de novembro, como parte de um relatório anual da SAR e analisa 324 ataques a comunidades de ensino superior que ocorreram em 56 países entre setembro de 2018 e agosto de 2019.
No Brasil, o relatório afirma que os problemas se intensificaram já no período que antecedeu as últimas eleições, com universidades e seus membros sendo alvo de “altos níveis de pressão política e ideológica, incluindo ataques físicos”. E a situação prosseguiu após o pleito,
O Free to Think 2019 destaca também declarações do governo federal que considera preocupantes em relação a autonomia universitária. “Em uma entrevista a um jornal em abril de 2019, por exemplo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, acusou três universidades – Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal da Bahia e Universidade de Brasília – de “promover rupturas” e “organizar eventos ridículos” em vez de focar em estudos acadêmicos de excelência e sugeriu que seu financiamento federal seria reduzido.
Nos mesmo período, Weintraub sugeriu que o governo retiraria recursos de departamentos específicos – filosofia e sociologia -, que ele alegou serem “cursos para pessoas já muito ricas, da elite”, e a favor de investimentos “em faculdades que geram receita: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”, posição apoiada pelo presidente via Twitter.
Para os autores do relatório, ainda que até sua conclusão não tenham sido identificadas medidas práticas neste sentido, a sugestão de que certas ideias, áreas temáticas ou universidades sejam desfavorecidas e corram o risco de perder fundos pode afetar a autonomia da universidade e enfraquecer a liberdade de expressão acadêmica.
Uma outra fonte de preocupação é um decreto do governo Bolsonaro que permite ao Poder Executivo vetar indicações para autoridades universitárias e confere ao Poder Executivo do governo a autoridade para nomear reitores, vice-reitores e outros funcionários das universidades federais. Esses funcionários eram eleitos por consulta pública nas comunidades acadêmicas. O decreto não apenas prejudica a autonomia da universidade, mas também permite a politização das nomeações de universidades, na medida em que estabelece uma ampla estrutura para investigar, com a assistência da Agência Brasileira de Inteligência, o histórico de candidatos a cargos, inclusive de reitores federais e diretores.
Para André Azevedo Fonseca, doutor em História e professor do Centro de Educação, Comunicação e Artes (Ceca), da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o relatório nos ajuda a visualizar a dimensão dos problemas, de modo que não normalizemos os ataques sofridos. Neste sentido, “ao nos igualar a países como Índia, Sudão, Turquia, que experimentam problemas análogos, acende-se uma luz vermelha, que nem é mais de alerta, para que a gente reaja à altura destes desafios”, afirma.
Mauro Bertotti, professor do Instituto de Química (IQ) da USP, não acredita que as políticas e ações governamentais hostis e declaradas contra a comunidade acadêmica que ocorrem no Brasil sejam semelhantes às mencionadas no relatório sobre outros países. Entretanto, diz ele, a falta de apoio federal às pesquisas científicas e os seguidos comentários pejorativos contra certas áreas do conhecimento claramente são manifestações que revelam ignorância sobre o papel da ciência básica para o progresso de um país e podem sim ser considerados uma agressão à comunidade acadêmica.
Neste sentido, Mauro Bertotti também relata que a atual conjuntura é marcada pela “ansiedade e insegurança”, especialmente nas universidades federais, e que o risco deste processo de sucateamento da pesquisa básica é a “fuga de cérebros”, tanto de alunos quanto de pesquisadores, que acabam encontrando opções melhores de trabalho no exterior.
Leia na íntegra: Jornal da USP