BBC News Brasil entrevista os economistas Felipe Salto e Carlos Kawall para responder dúvidas sobre o Orçamento de 2021
“Peça de ficção”, “retorno das pedaladas fiscais”, “vergonhoso”, “inexequível”, “acinte à transparência no trato da coisa pública”. Essas foram algumas das expressões usadas nos últimos dias por parlamentares, economistas e até mesmo técnicos do governo para classificar o Orçamento federal para 2021.
A previsão de gastos do governo foi aprovada pelo Congresso Nacional na semana passada, com três meses de atraso, e às vésperas do início da discussão sobre o Orçamento de 2022 – o Executivo costuma encaminhar o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do ano seguinte até 15 de abril de cada ano.
A BBC News Brasil ouviu Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, e Carlos Kawall, diretor da gestora ASA Investments e ex-secretário do Tesouro, para tirar dúvidas sobre o Orçamento de 2021.
Quais os principais problemas do Orçamento de 2021?
Kawall e Salto explicam que o principal desafio na elaboração do Orçamento para 2021 é o cumprimento da regra do teto de gastos, que limita o crescimento da despesa de cada ano à variação da inflação no ano anterior.
“No final do ano passado, tivemos uma surpresa inflacionária, com a inflação muito acima do esperado, particularmente no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que corrige despesas obrigatórias como Previdência, abono salarial e BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda). Todas as despesas que estão ligada ao salário mínimo”, afirma Kawall.
INPC é o indicador que mede a variação dos preços para famílias com renda entre um e cinco salários mínimos. Ele é usado como referência nas negociações salariais no setor privado e também no reajuste anual do salário mínimo pelo governo.
Com a disparada do preço dos alimentos no ano passado, o INPC fechou 2020 em alta de 5,45%, acima da expectativa do governo, que era de um avanço de 2,09%. Com isso, o salário mínimo para este ano foi fixado em R$ 1.100, ante previsão do governo em agosto de um salário-base de R$ 1.067 para 2021. “Isso criou uma defasagem entre o valor que estava no Orçamento para essas despesas e o que efetivamente se vai gastar agora”, diz o economista.
Há risco de o governo parar por falta de dinheiro?
Segundo os economistas, este risco de fato existe. Em 22 de março, o Ministério da Economia estimou que as despesas obrigatórias (que são cerca de 92% do total) estavam subestimadas em cerca de R$ 17 bilhões.
Para resolver o problema seria necessário contingenciar o gasto discricionário, como é chamada aquela fatia do orçamento sobre a qual o governo tem algum poder de decisão sobre o uso. É diferente do que acontece com o gasto obrigatório, que não pode ser redirecionado.
“Ocorre que, na hora da aprovação do Orçamento – até onde sabemos, de comum acordo com a cúpula do governo -, o relator [senador Márcio Bittar, do MDB do Acre] tirou das despesas obrigatórias um valor adicional de R$ 26 bilhões, pra destinar mais recursos a emendas parlamentares”, aponta Kawall. “Então, você imagina: eu já estou devendo R$ 17 bilhões, o relator vai lá e aumenta essa dívida em R$ 26 bilhões, gerando uma deficiência no Orçamento de mais de R$ 43 bilhões. O que era ruim, ficou inviável.”
Segundo Kawall, R$ 7 bilhões podem ser abatidos desse “rombo”, porque houve uma decisão do Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador) de postergar o pagamento de parte do abono salarial de 2021 para 2022. O abono é uma espécie de “14º salário” pago a trabalhadores com carteira assinada que recebem baixos rendimentos.
A mudança de calendário do abono ainda depende da edição de medida provisória. Se aprovada, ainda assim, o buraco nas contas seria de cerca de R$ 36 bilhões, estima Kawall. “R$ 36 bilhões é mais de 0,5% do PIB. Sob qualquer métrica, é muita grana”, diz o economista.
Para compensar esse montante com redução de despesas não obrigatórias, isso significaria reduzir esse tipo de gasto para cerca de R$ 54 bilhões. O patamar é considerado inviável. O nível “confortável” para a despesa não obrigatória é estimado entre R$ 100 bilhões e R$ 110 bilhões. Entre R$ 80 bilhões e R$ 90 bilhões é considerado um limite extremo.
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