Presidente da SBPC alerta que este não é um caso isolado
Todos os manuscritos, artigos e compilações científicas produzidos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entidade de pesquisa ambiental vinculada ao Ministério do Meio Ambiente do Brasil, devem ser avaliados pelo diretor antes de serem enviados para publicações científicas, edições especializadas, anais de eventos e similar. A decisão entrará em vigor a partir de 1º de abril, em cumprimento à portaria 151 publicada no Diário Oficial da União de 10 de março.
O atual diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio – que ficará responsável pela avaliação dos textos – é Marcos Aurélio Venâncio, tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Venâncio é licenciado em Direito e Gestão Pública e tem experiência na formação de agentes públicos para a fiscalização ambiental.
Criado em 2007, o ICMBio é um órgão público que investiga a biodiversidade, o meio ambiente e as questões socioambientais. O Instituto administra 334 unidades de conservação ambiental distribuídas em todo o território brasileiro. O ICMBio também conta com 14 centros de pesquisa que geram conhecimento sobre aves, primatas, biodiversidade amazônica, mamíferos carnívoros e aquáticos, povos tradicionais e outros temas.
A comunidade acadêmica e especialistas em política ambiental e científica estão alarmados com a decisão, que, afirmam, que pode significar uma tentativa de censurar a produção científica brasileira.
“Além do impacto na produção e projeção do ICMBio em nível nacional e internacional, essa decisão abre um precedente perigoso para todos nós, pesquisadores brasileiros de todas as áreas, que temos o dever de publicar dados de interesse público”, afirma Luciana Barbosa, da Universidade Federal da Paraíba e coordenadora do Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A decisão, porém, não surpreende os trabalhadores do ICMBio. Segundo a bióloga Taciana Stec, a portaria está em linha com o novo código de ética dos trabalhadores do ICMBio, que está em vigor desde maio de 2020, e que entre outros estabelece que os funcionários do Instituto não podem “falar em nome da Instituição se não houver autorização da autoridade competente”.
Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, trata-se de uma decisão autoritária. “É um controle desnecessário, sem alicerce, que só desmotiva a equipe ”, diz a pesquisadora. Entre 2016 e 2018, Araújo presidiu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, entidade que, como o ICMBio, depende do Ministério do Meio Ambiente.
“A lei que fiscaliza a conduta dos servidores públicos federais já prevê sanções como processos judiciais e até demissão de servidores que divulgam dados sigilosos, categoria que não se aplica aos planos de manejo das unidades de conservação e dados obtidos em pesquisas científicas, por exemplo ”, explicou Araújo à SciDev.Net por telefone.
No entanto, a restrição imposta ao ICMBio não seria a única tentativa oficial de limitar a liberdade científica no Brasil, embora seja aparentemente a primeira a ser tornada pública.
O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, disse à SciDev.Net que este não é um caso isolado. “Já existem várias situações que restringem a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica, bem como a liberdade individual, em que professores e pesquisadores são indevidamente acusados, e também portarias com normas institucionais que ameaçam essas liberdades”, disse.
“A SBPC e outras entidades científicas tem se pronunciado em outros casos individuais; atuaremos em conjunto com o Supremo Tribunal Federal para que se respeite a Constituição brasileira”, frisou Moreira.
Fonte: Jornal da Ciência