Além de quantificar os resíduos recicláveis coletados na capital catarinense entre janeiro e outubro de 2020, o estudo premiado traz discussões acerca dos riscos a que estão expostos e dos impactos financeiros aos catadores
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eduarda Piaia foi uma das sete selecionadas – a única da América Latina – para uma bolsa de estudos na escola de inverno da International Solid Waste Association (ISWA) e do Solid Waste Institute for Sustainability (SWIS) da Universidade do Texas. O artigo intitulado Os impactos da Covid-19 na coleta seletiva de um município do Brasil: estudo de caso da cidade de Florianópolis, Santa Catarina foi etapa definitiva do processo seletivo, que reuniu concorrentes de todo o mundo.
A escola ocorrerá nas cidades de Irving, Garland, Lubbock e Grand Prairie, no estado do Texas, Estados Unidos, de 17 e 28 de janeiro de 2022. Com um programa que inclui diversas visitas técnicas e troca de experiências, seu objetivo é fornecer conhecimento avançado no campo da gestão de resíduos para um público internacional de especialistas em resíduos sólidos. Na edição de 2020, participaram representantes de 75 países.
“Acredito que o curso irá agregar muito para o meu currículo, para a minha experiência na área de resíduos sólidos e vai me proporcionar uma vivência com pesquisadores e profissionais da área de resíduos sólidos de todo o mundo. Além disso, como o curso também conta com visitas de campo, vou ter a oportunidade de conhecer como é o gerenciamento de resíduos sólidos em uma realidade muito diferente do Brasil”, afirma Eduarda.
Covid-19 e coleta seletiva
Além de quantificar os resíduos recicláveis coletados na capital catarinense entre janeiro e outubro de 2020, o estudo premiado traz discussões acerca dos riscos a que os catadores estão expostos e dos impactos financeiros que a diminuição do montante de resíduos provocou nas associações de catadores, especialmente nos primeiros meses de pandemia. O trabalho se baseou em dados da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) e da Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap) e contou com a colaboração dos professores Armando Borges de Castilhos Júnior, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, e Willian Cezar Nadaleti, do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), respectivamente, orientador e coorientador de Eduarda.
Entre março e abril, foi constatada uma redução de 44,63% na quantidade de resíduos recicláveis coletados em Florianópolis. O número está diretamente relacionado à suspensão da coleta seletiva porta a porta no município em 19 de março de 2020, devido ao fechamento dos galpões das associações de triagem por determinação sanitária. O afastamento de trabalhadores de grupos de risco também obrigou a Comcap a reorganizar sua rotina. O serviço começou a ser retomado, de forma gradual, em 28 de abril, até que, em julho, foi restabelecida 92% da coleta seletiva da cidade. Foi somente a partir desse mês que a coleta alcançou patamares semelhantes ao período pré-pandemia.
Florianópolis não foi o único município que teve sua coleta de lixo impactada pela Covid-19. Não há dados nacionais relacionados exclusivamente aos recicláveis, mas segundo a Abes, a redução média de resíduos gerados nas capitais brasileiras nos dois primeiros meses de pandemia foi de 10,66%. É importante ressaltar, contudo, que esse índice não pode ser diretamente comparado com o de Florianópolis, uma vez que os dados da Abes contemplam todos os tipos de resíduos – convencionais e recicláveis.
Diminuição da renda e riscos para os catadores
Entre junho e dezembro de 2020, Eduarda fez visitas semanais a três associações de catadores de Florianópolis para coletar dados para sua dissertação de mestrado, na qual pesquisa o reaproveitamento de rejeitos da coleta seletiva, que seriam destinados a aterros sanitários, para uso como combustível em fornos de cimenteiras. Nessas ocasiões, pôde presenciar o cotidiano do trabalho dos catadores durante a pandemia de Covid-19.
A menor quantidade de materiais recicláveis coletados teve impacto direto na renda dos catadores e de suas associações. Em Florianópolis, em um modelo semelhante ao da maior parte do país, a prefeitura é responsável pela coleta dos resíduos recicláveis e por seu encaminhamento para associações de catadores da região, que realizam a separação dos materiais e sua venda. O problema é que essa, em geral, é a única fonte de renda desses trabalhadores. A Abes estimou em R$ 6,7 milhões a perda de receita mensal para as cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis das capitais brasileiras nos primeiros meses de pandemia.
Em Florianópolis, apesar de não haver dados que calculem os prejuízos financeiros, a questão ficou bastante evidente. “Aconteceu de muitos barracões, que são alugados, ficarem devendo aluguel – três ou quatro aluguéis –, porque eles não conseguiam dar o giro necessário para pagar as contas e distribuir o dinheiro entre os catadores. Então, o impacto financeiro foi muito grande. Inclusive, foram feitas campanhas de arrecadação de materiais de higiene e alimentos, e os catadores ficaram muito à mercê dessas campanhas para conseguir continuar sobrevivendo, principalmente até o mês de junho. Em julho, agosto, quando a coleta foi retomada, as coisas se normalizaram, mas aí ficaram as dívidas dos meses anteriores”, comenta Eduarda.
Além das dificuldades financeiras, a pandemia também ampliou os riscos a que os catadores estão expostos. Durante todo o período, tem sido recorrente, entre os resíduos provenientes da coleta seletiva, a presença de máscaras e luvas – materiais potencialmente contaminados que não podem ser reciclados e devem, portanto, ser descartados no lixo comum. A isso, soma-se ainda o mau uso de equipamentos de proteção individual (EPIs). “O que a gente vê em muitas associações de catadores é, principalmente, o uso inadequado da máscara, o que acaba aumentando esse risco. O EPI básico de uma associação de catadores deveria ser sapato fechado, luva e máscara, mas o que a gente observava no período pré-pandemia era que eles utilizavam apenas as luvas em muitos casos”, relata Eduarda.
O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis chegou a fazer um guia de boas práticas para a coleta seletiva durante a pandemia, no qual recomendou que os resíduos passassem por uma quarentena de sete dias antes de sua manipulação pelos trabalhadores, a fim de minimizar a chance de contaminação pelo coronavírus. O pouco espaço disponível nos galpões de triagem, entretanto, impossibilita o cumprimento da orientação por praticamente todas as associações de Florianópolis. “Dava para observar que eles estavam, de certa forma, preocupados, mas também não tinham como deixar de trabalhar e de estar ali, porque senão perderiam seu ganha-pão”, ressalta a pesquisadora.
Ela salienta ainda a importância da educação ambiental da população e da conscientização para a adequada destinação dos resíduos. Se, por um lado, muitas vezes há o encaminhamento de resíduos não recicláveis para a coleta seletiva, por outro, uma grande quantidade de materiais reaproveitáveis são descartados diariamente no lixo comum e vão parar nos aterros sanitários, “deixando de introduzir resíduos que são reaproveitáveis no ciclo produtivo para jogar em um lugar que não vai ter aproveitamento nenhum, simplesmente vai ser enterrado”, destaca Eduarda.
Fonte: Agecom