PL 3494/20 prevê desconsiderar em avaliações os 12 meses posteriores ao início da licença maternidade das bolsistas, docentes e pesquisadoras; parece bom para as mães, mas não é
Uma das reivindicações das mães e pais que fazem ciência no Brasil foi conquistada em 2017, com a lei nº 13.536, que permite a prorrogação das bolsas de estudo concedidas por agências de fomento à pesquisa nos casos de maternidade e de adoção. A lei é, segundo o Movimento Parent in Science, que desde 2016 discute a parentalidade dentro do universo científico no país, um avanço importantíssimo na garantia de direitos das mulheres na academia. Porém, um projeto de lei que tenciona alterá-la preocupa quem, há anos, luta por equidade de gênero na área.
Protocolado em junho de 2020 pela deputada federal Shéridan (PSDB-RR), o Projeto de Lei 3494/20 define que em avaliações de desempenho e de produtividade feitas por agências e programas de fomento à pesquisa, deverão ser desconsiderados os 12 meses posteriores ao início do período de afastamento temporário das bolsistas, docentes e pesquisadoras. Para a autora do projeto, essa seria uma forma de reduzir a desigualdade de gênero nas carreiras científicas. O que ocorre, porém, é que o primeiro ano da maternidade não é o que sofre mais impacto.
Um levantamento feito pelo Parent in Science entre 2017 e 2018 demonstrou que a redução na produtividade acadêmica das mães pode durar pelo menos 4 anos após o nascimento do filho. Segundo o estudo, o impacto não é sentido imediatamente, pois existe uma diferença de até 3 anos, dependendo da área, entre um trabalho científico ser produzido, submetido e publicado. “Em geral, no primeiro ano de vida da criança a pesquisadora mãe está publicando os trabalhos decorrentes da produção de dados anteriores ao período da maternidade, ou artigos que já estavam em processo de finalização”, alerta o Movimento em uma carta aberta publicada no site da Apufsc. Nesse sentido, caso o PL seja aprovado, em um cálculo de média de publicações para obtenção de uma bolsa em produtividade, por exemplo, essas mães estariam sendo prejudicadas uma vez que se retirariam da conta os 12 meses menos impactantes após a maternidade.
Para a professora do Departamento de Química da UFSC, Embaixadora do Parent in Science na Região Sul e mãe de uma criança de 9 anos, Juliana Paula da Silva, uma forma de avaliação diferenciada do currículo das mães cientistas poderia ajudar a mitigar essa disparidade. Segundo a professora, algumas fundações de amparo à pesquisa, tanto no exterior quanto no Brasil, já utilizam esse método, que consiste na ampliação da janela de tempo em avaliações de currículos de candidatas a editais que tenham se tornado mães durante o período a ser avaliado em comparação aos outros pesquisadores que também estão submetendo.
Ou seja, diferente do proposto no PL 3494/20, em vez de desconsiderar o primeiro ano de maternidade, se consideraria um ano a mais. “Até agora a gente não sabe qual é o impacto, se essa alteração está efetivamente trazendo um resultado positivo e um aumento da representatividade das mulheres na ciência. Queremos, junto das universidades, fazer esse levantamento, por isso consideramos que não é o momento de propor uma lei, sem conhecer os resultados”, explica a professora. O Parent in Science elaborou um guia sobre os editais que consideram a maternidade, que pode ser acessado aqui.
Embora a conta oficial da Deputada Shéridan traga a hashtag #Parentinscience na publicação em que o projeto de lei é apresentado, não houve contato com o movimento para a construção da proposta, segundo informa Fernanda Staniscuaski, coordenadora do Parent in Science. “Depois que o PL se tornou público, entramos em contato com a assessoria dela e a resposta foi bastante vaga”. Em carta enviada à deputada no dia 14 de julho, o movimento alerta quanto aos potenciais problemas do projeto, pede sua retirada e se coloca à disposição para ajudar na construção de um novo projeto. A assessoria da deputada respondeu dizendo que a demanda estava muito grande devido à pandemia e sugeriu que o movimento enviasse uma minuta com a proposta. Fernanda respondeu que ainda não há informações suficientes para que seja proposto algo e reitera que o projeto, da maneira que está, prejudica as mães. Desde então não houve resposta.
O projeto, que atualmente está na comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, será analisado em caráter conclusivo e passará também pela comissão de Educação e pela comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de seguir para o Senado.
Saiba mais: Ensino remoto acentua sobrecarga de professoras com filhos em idade escolar
Karina Ferreira