Segundo educadores, a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) está esquecida pelo Ministério da Educação (MEC)
As primeiras avaliações de ensino durante a pandemia, feitas para decidir se um aluno passou ou não de etapa em meio à mais grave crise sanitária das últimas gerações, revelam a falta de um padrão para decidir quem pode prosseguir, uma dificuldade em mensurar o aprendizado de alunos — num momento em que quase tudo na escola é virtual ou à distância — e situações em que “passar de ano” foi praticamente automático, sem exigência de frequência ou notas.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), que, em geral, tem regime semestral, foi a primeira modalidade de ensino a ser posta à prova. Um levantamento feito pelo GLOBO junto às secretarias de Educação das 27 unidades da federação, com o recorte específico da EJA no ensino médio, mostra a fragilidade dos sistemas de avaliação e acompanhamento da aprendizagem.
As diretrizes genéricas do Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Nacional de Educação (CNE) foram insuficientes para que escolas que ofertam EJA conseguissem estabelecer uma rotina e um padrão mínimo de aferição do desempenho dos alunos. Essas turmas são formadas por alunos mais velhos do que os matriculados no modelo tradicional, menos afeitos à tecnologia e mais impactados pela pandemia, segundo professores que atuam nessa modalidade de ensino.
Avaliar o quanto aprenderam durante as atividades remotas foi um desafio com dimensões distintas em cada estado, sem um padrão e sem a certeza de eficácia, como mostra o levantamento feito pela reportagem.
Além disso, a EJA foi praticamente excluída dos planos do MEC no ano da pandemia: o orçamento da pasta previa apenas R$ 23,5 milhões para a modalidade. Todos os R$ 23,5 milhões foram bloqueados por restrições orçamentárias. Assim, o MEC não investiu um real do que estava previsto para 2020.
Embora já houvesse previsão para a realização da EJA no modelo à distância mesmo antes da pandemia, a realidade é um reflexo das dificuldades em manter o ensino e o aprendizado de forma remota, por meio de atividades virtuais ou com materiais impressos e retirados nas escolas. Educadores opinam que, embora seja esperado que cada rede adote seu critério para a avaliação da aprendizagem, é preciso manter a atenção para que isso não seja feito de forma descuidada, ocasionando danos para a aprendizagem dos alunos. Na opinião deles, a modalidade está esquecida pelo MEC.
No DF, por exemplo, a Secretaria de Educação enviou um ofício às coordenações regionais de ensino orientando como os professores deveriam proceder com a avaliação dos alunos que estavam encerrando o semestre letivo — o equivalente a um ano letivo, no modelo tradicional — nos últimos dias. No documento, a secretaria orienta que os alunos deveriam ser aprovados mesmo se tivessem feito uma única atividade remota, pela internet ou com o material impresso entregue na escola.
As escolas em Brasília deram 20 dias de aulas presenciais, antes do fechamento provocado pela pandemia. “Para aqueles estudantes que frequentaram os dias letivos presenciais ou acessaram a plataforma ou outros meios ou que foram atendidos por meio de materiais impressos, independente do número de dias ou acessos/vezes, o resultado final a ser registrado no diário de classe será aprovado/apto”, cita o ofício. O critério teve uma repercussão negativa, inclusive entre os professores. Uma orientação complementar foi enviada pela secretaria: “O documento trata apenas de frequência escolar. A orientação considera as dificuldades que o cenário de pandemia impôs às vidas dos estudantes. Os professores continuam sendo os responsáveis pelas avaliações das aprendizagens.”
A partir desse caso, a reportagem questionou quais os métodos de avaliação usados na EJA nos 26 estados. Dezesseis responderam aos questionamentos enviados. No Espírito Santo, por exemplo, a rede estadual decidiu tornar o segundo semestre uma continuidade do primeiro módulo, sem reprovar os estudantes, com o argumento de corrigir as deficiências de aprendizagem verificadas nos meses iniciais do ano. De acordo com o estado, ” os resultados obtidos nos processos avaliativos não serão considerados para fins de retenção do aluno.”
Ainda que o semestre já esteja próximo do fim para algumas redes, há aquelas que ainda nem sequer definiram os critérios de avaliação dos estudantes. É o caso do Rio de Janeiro. Embora as aulas da EJA terminem no dia 30, em resposta ao GLOBO, a secretaria estadual de Educação afirmou que os mecanismos para aprovação ou reprovação ainda estão em fase de estudos pela pasta.
A rede estadual do Amazonas mescla aulas presenciais com virtuais. Os professores não levam em conta frequência, mas apenas nota, com média mínima 6 para aprovação. O Rio Grande do Sul não tem nota como critério, e estendeu as aulas para encerrar o semestre letivo. No Tocantins, há previsão de nota, mas não há critério para reprovação. Em Goiás, os alunos precisam fazer mais de duas atividades por bimestre. Alguns estados mantiveram os critérios pré-pandemia, como necessidade de frequência de 75%.
O CNE estabeleceu diretrizes genéricas de avaliação durante a pandemia. De acordo com o texto do parecer publicado pelo órgão em abril, a recomendação é que as instituições de ensino ” dialoguem com os estudantes na busca pelas melhores soluções tendo em vista os interesses educacionais dos estudantes e o princípio normativo de ‘garantia de padrão de qualidade’”.
— A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) classifica as atividades de Educação de Jovens e Adultos como de competência dos estados e municípios. Existe uma diretriz nacional, mas dificilmente entra em aspectos detalhados de avaliação — diz Eduardo Deschamps, ex-integrante do CNE, que participou da elaboração do parecer, ponderando em seguida:
— É necessário um processo de avaliação diagnóstica constante para verificar que estágio os alunos estão para que consigam ter êxito, ou para indicar um programa de reforço no semestre seguinte para garantir a aprendizagem desse estudante.
Leia na íntegra: O Globo