Pesquisadores propõem novo instrumento para análise de protocolos da Covid-19 em SC

O trabalho foi divulgado no artigo “Adequação de protocolos de classificação de risco para Covid-19 às orientações da OMS: uma proposta de instrumento”

Um grupo de pesquisadores desenvolveu um instrumento de análise de protocolos de classificação de risco da Covid-19 baseado nas orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para ser aplicado ao caso de Santa Catarina. O trabalho foi divulgado no artigo “Adequação de protocolos de classificação de risco para Covid-19 às orientações da OMS: uma proposta de instrumento”, e contou com participação de cientistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Unisul, USP, Escola Nacional de Saúde Pública, Observatório Covid-19 BR, Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Universidad de Málaga e prefeitura de Florianópolis.

O instrumento construído pela pesquisa segue as recomendações atuais da OMS para o enfrentamento da pandemia, ou seja, buscando a estratégia de supressão dos casos. Ele contempla cinco dimensões de análise para guiar as decisões dos gestores de saúde: avaliação do risco, avaliação da exposição, avaliação do contexto, caracterização do risco e confiabilidade. Ao aplicar o instrumento no protocolo utilizado hoje para Santa Catarina, os pesquisadores observaram que a dimensão análise de risco (avaliação da morbimortalidade) foi atendida parcialmente; as demais dimensões não possuem medidas suficientes para se fazer a avaliação.

A professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFSC Alexandra Crispim Boing destaca que a atual matriz de risco de Santa Catarina “foi construída em um momento da epidemia onde era preciso ter como objetivo a estratégia de mitigação, para que ocorresse o achatamento da curva e com isso o serviço de saúde pudesse se organizar. Entretanto, com a evolução da pandemia é necessário assumir a estratégia de supressão dos casos e que sejam utilizados indicadores mais robustos e orientados pelos conhecimentos existentes no momento”. Para a pesquisadora, dentro deste cenário, “a matriz de risco do estado de Santa Catarina precisa ser revisada para que possa fazer o diagnóstico mais adequado da situação e permitir ao gestor tomar decisões para suprimir a transmissão comunitária do vírus e reduzir o número de mortes e doentes”.

Também professora da Pós em Saúde Coletiva da UFSC, Josimari Telino de Lacerda aponta que nos países onde foi utilizada a estratégia de supressão, a economia pôde voltar, ainda que controlada.  A evolução da compreensão sobre a Covid-19, enfatiza Josimari, possibilita a revisão dos protocolos de tomada de decisão do início da pandemia: “Todos estamos aprendendo à medida que vamos entendendo melhor a doença, as orientações dos organismos internacionais e da ciência vão sendo revisitadas. Dizem que a ciência é lenta e a gestão, muito mais rápida. Neste momento, a gestão está mais lenta: estão assentados em parâmetros que são do início da pandemia. Não queremos deslegitimar as decisões, mas estes instrumentos não são estanques. À medida que se avança no conhecimento e há mudança do cenário, são necessárias adequação dos indicadores”.

Josimari afirma que as decisões do governo não foram esmiuçadas ou criticadas, mas sim o protocolo que definiu estas escolhas. “Se a matriz estiver correta, ela informa corretamente a população, porque a tomada de decisão não é só da gestão. Se orientação não está coerente, há o descrédito dos tomadores de decisão, as pessoas fazem por conta e se perde o controle”. O trabalho foi apresentado para os técnicos da secretaria estadual de Saúde. “Eles entenderam, respeitaram a posição e se mostraram abertos ao diálogo. A gente tem uma relação muito cordial e um trabalho conjunto no campo da extensão”, diz Josimari.

Dimensões

As cinco dimensões do instrumento proposto foram construídas de forma a alinhá-las aos objetivos e recomendações da OMS

  1. avaliação de risco tem como critério a morbimortalidade direta ou indireta em decorrência da Covid-19.
  2. avaliação da exposição observa os cenários de transmissão (a caracterização de risco permite classificar a situação segundo os cenários propostos pela OMS?) e o controle da epidemia (a caracterização de risco permite analisar se a transmissibilidade está controlada a pelo menos 14 dias?).
  3. avaliação de contexto pondera sobre o sistema de saúde nos aspectos vigilância (é capaz de identificar novos casos da Covid-19 a contento?), capacidade de rastreamento de contatos (os contatos podem ser rastreados de forma oportuna?), capacidade de investigação e isolamento de casos e contatos (há capacidade de investigar e isolar casos e contatos a contento?), capacidade de cuidação (há capacidade do sistema absorver novas hospitalizações por Covid-19 sem ficar sobrecarregado, mantendo prestação de serviços essenciais de saúde?), condições sociais (desemprego, fome e desigualdades sociais) e condições econômicas (queda na produção, queda na arrecadação e fechamento de empresas).
  4. caracterização do risco observa as consequências dos riscos e a probabilidade de que eles ocorram (uma matriz de risco ou outro instrumento ponderando consequências do risco e probabilidades de ocorrência dessas foi desenvolvida?).
  5. confiabilidade verifica caracterização de risco, dados e métodos (documentos relatando o grau de confiabilidade da caracterização, os dados e métodos utilizados estão disponíveis?).

A atual matriz de risco do Estado tem como dimensões o isolamento social; investigação, testagem e isolamento dos casos; reorganização dos fluxos assistenciais; e ampliação de leitos, em parâmetros que vão do moderado ao gravíssimo. Segundo o artigo, nestas dimensões, a análise da morbimortalidade é feita de forma parcial, não é possível se definir o cenário de transmissibilidade em Santa Catarina, e nem de analisar o controle da epidemia, as capacidades de atuação da vigilância, de rastreamento, investigação e isolamento não podem ser determinadas, nem há informações sobre a capacidade de absorção de novos casos. “O método utiliza um indicador sintético que reúne as quatro dimensões de análise em uma média aritmética, que se pauta em níveis dos indicadores e não na consequência produzida por tais níveis nem na probabilidade de que tais consequências ocorram”, aponta o artigo.

Assinam o artigo, além de Alexandra e Josimari (ambas da Pós em Saúde Coletiva da UFSC/Observatório Covid-19 BR), Leandro Pereira Garcia (Secretaria de Saúde de Florianópolis/Observatório Covid-19 BR) Maria Cristina Antunes Willemann (UFSC/ Secretaria de Saúde de Santa Catarina), Fernanda Vargas Amaral (Universidad de Málaga), Ana Cristina Vidor (Prefeitura de Florianópolis), Patrícia Maria de Oliveira Machado (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Natália Moreira (Departamento de Ciência Política, Universidade de São Paulo), Tatiane Cristina Moraes de Sousa (Escola Nacional de Saúde Pública), Lorena Barberia (Departamento de Ciência Política, Universidade de São Paulo) e Jefferson Traebert (Universidade do Sul de Santa Catarina).

Fonte: Agecom