Há um risco de que o Brasil venha a ser o novo epicentro do coronavírus no mundo
O Instituto Internacional de Física (IIP, na sigla em ingês) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) realizou nos dias 14 e 15 de abril um seminário virtual que discutiu a disseminação de Covid-19 e apontou possíveis políticas públicas que podem ser de grande importância para o Brasil. Além de representantes de grupos de pesquisa brasileiros, participaram palestrantes da China, Espanha e Israel: o físico Prof. Manchun Liang, da Universidade de Tsinghua, a matemática Profa. Rosa Casais, da Universidade de Santiago de Compostela, e o imunologista Prof. Benjamin Geiger do Instituto Weizmann.
Preocupados com parte dos políticos e da população que não tratam a Covid-19 como uma séria ameaça à vida humana, os participantes do seminário virtual emitiram uma carta aberta pontuando ações tomadas por diversos países ao redor do mundo e comparando-as com a atual situação do Brasil.
Dentre os convidados internacionais, Manchun Liang é membro do Instituto de Pesquisa em Segurança Pública (IPSR) do governo chinês, participando diretamente do combate à covid-19, com estudo de predições da epidemia por meio de modelos matemáticos e softwares, e na execução das medidas emergenciais como o rastreamento e isolamento dos infectados, com foco nas províncias populosas de Wuhan e Hubei.
Rosa Casais destacou o trabalho exercido pelo Comitê Espanhol de Matemática (CEMat) na convocação da comunidade matemática do país, no estabelecimento de um comitê de especialistas para colaboração com as autoridades espanholas com predições e sugestões acerca da dispersão do novo coronavírus. A Espanha, como a Itália, foi um dos países que subestimou o pequeno número de infecção e mortes no início da pandemia, mas que logo se arrependeu com o crescimento exponencial do número de fatalidades. O governo espanhol tem reagido, desde então, impondo restrições na mobilidade da população.
Benjamin Geiger, atuando frente ao Ministério da Saúde de Israel, participou diretamente da criação e implementação de um método de monitoramento e identificação da disseminação da covid-19, além da predição de novos focos. O governo de Israel tem investido maciçamente na implementação de políticas públicas efetivas na contenção do vírus, inclusive na busca de novas tecnologias para a testagem em massa de pacientes infectados, como o escaneamento da pele para detecção de sinais vitais médicos.
Confira abaixo trecho da carta:
Quando se compara a situação do Brasil com a dos demais países, percebem-se diversos agravantes no nosso caso. Em primeiro lugar, a dissintonia de ações entre as diversas esferas de governo e até mesmo internamente no próprio governo federal. Essa falta de coordenação cria expectativas e comportamentos diversos na população, fazendo com que, mesmo naquelas regiões onde os governos estaduais e municipais atuam mais fortemente pelo isolamento, haja uma porcentagem grande da população que negligencia essas medidas de controle. Um segundo elemento diferenciador é a testagem de possíveis infectados. Países com maior sucesso nas medidas de atenuação do avanço da epidemia realizam maior testagem. Enquanto, por exemplo, em Israel foram feitos perto de 35 mil testes por milhão de habitantes, no Brasil esse número é de 1.373 testes por milhão de habitantes. Isso pode estar encobrindo uma enorme subnotificação de casos de covid-19, como já havia sido discutido pelo Centre for the Mathematical Modelling of Infectious Diseases (CMMID) da Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical em meados de março e ratificado por diversos estudos realizados no Brasil.
Um outro elemento que diferencia bastante a situação brasileira daquela de outros países é o alijamento da comunidade acadêmica das decisões críticas, particularmente do governo federal. Fato notável é a criação nos estados do Nordeste do Brasil de um Comitê Científico para o enfrentamento da covid-19. Por que não se segue esse exemplo em todas as regiões do País? Na maior parte dos estados do País e nos maiores municípios, a formação de assessoramento científico é incipiente, o que faz com que as pesquisas feitas aqui sejam divulgadas de forma parcial pela imprensa e causem quase nenhum impacto nas políticas públicas desses estados. A ciência é uma ferramenta básica e essencial em todas as sociedades do mundo civilizado. É um contrassenso sem limites ignorá-la sob qualquer pretexto
Fonte: Jornal da Ciência