Presidente da Capes diz que fusão com CNPq está sendo discutida com ‘vários ministérios’

Confira a entrevista completa do presidente da instituição, Anderson Correia, ao Globo

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pretende estabelecer um teto para a concessão de bolsas para cada faixa de nota dos programas de pós-graduação.

Em entrevista ao Globo, o presidente da instituição, Anderson Correia, exemplificou que cursos de nota 3 podem ter um teto fixo de 20 bolsas —segundo ele, havia programas nesse patamar que recebiam cerca de 80 bolsas.

Os tetos para cada faixa de nota ainda estão sendo definidos pela agência. A ideia é equalizar a distribuição de benefícios para priorizar programas de alta qualidade. Atualmente, 7.699 bolsas da Capes estão congeladas.

Presidente da Capes, Anderson Correia, durante pronunciamento
O presidente da Capes, Anderson Correia, durante lançamento dos editais do Programa Ciência é 10 (C10)
Foto: José Cruz / Agência Brasil

Em contexto de contenção de gastos, a estimativa fornecida pelo governo para o orçamento da Capes em 2020 revelava um corte de cerca de R$ 2 bilhões na agência.

Parte do déficit foi revertida com a liberação de R$ 600 milhões pelo Ministério da Economia e outros R$ 600 milhões obtidos com emendas.

Correia espera conseguir elevar o orçamento total para R$ 4 bilhões até o final do ano. O orçamento da agência neste ano foi de R$ 4,25 bilhões.

Questionado sobre a fusão da Capes com o CNPq, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), Correia afirmou que a questão está sendo discutida em “vários ministérios” e que o governo federal fará o que for melhor para o país.

Nesta semana, Correia viaja para a China para acompanhar a comitiva de Jair Bolsonaro. Na viagem, o presidente vai assinar um acordo relacionado à área de pesquisa. Correia não quis dar detalhes sobre o acordo.

Quando questionado sobre a perspectiva para desenvolvimento do país no próximo ano, no qual a previsão orçamentária mostra que a Capes pode perder R$ 2 bilhões , Correia afirma que “tudo ainda está em aberto”. Com a pré-PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual), os adicionais e as emendas da comissão de educação, o “orçamento para o ano que vem chega a R$ 3,65 bilhões, bastante próximo da nossa meta de R$ 4 bilhões”. ” O MEC está acomodando tudo para que tenhamos orçamento completo em todas as áreas”, complementa.

Nessa realocação para garantir o orçamento das federais a Capes perdeu recursos?
Nesse ano, o governo tem orçamento para todas as instituições. Tem orçamento previsto para Capes. A questão é o financeiro. Uma coisa é o orçamento e outra é o financeiro. Como alguns órgãos do MEC têm uma flexibilidade financeira, o ministro alocou tudo para as universidades, porque elas têm questão de empenho e contrato.  E, para os órgãos que têm flexibilidade, eles vão alocando paulatinamente. A Capes tem duas questões, temos o orçamento completo garantido e fizemos ações de eficiência em várias áreas. Não temos problemas de orçamento, ou seja, é só o financeiro ser liberado que até o final do ano a gente consegue pagar todas as bolsas. A nossa luta é para o ano que vem. Mas estou bastante confiante.

A Capes passou por muitos cortes de bolsas neste ano…
A Capes tem 200 mil bolsas no país, metade na educação básica e outra metade na pós-graduação. Nós trabalhamos com ganhos de qualidade e eficiência. Foram bolsas que deveriam ser cortadas independentemente de termos dinheiro ou não. Primeiramente, fizemos um trabalho técnico, o que deveria ser cortado para não prejudicar quem está pagando imposto e para fornecer uma pesquisa que tenha retorno para o país. Ou seja, um desejo que a Capes sempre teve foi (analisar) bolsas de programas nota 3, aqueles com mais de dez anos, e sempre poupando a Amazônia, porque ela tem uma condição particular. Fizemos uma adequação das bolsas de pró-reitoria. Por conta de um balcão que havia no passado, algumas universidades ganharam cotas de pró-reitoria além da previsão normativa da Capes, que era de 5% das bolsas de uma universidade. Identificamos todas aquelas com excedente e que não tinham critério definido na Capes e fizemos esse corte. Também reduzimos as bolsas ociosas, identificamos na internet vários editais de bolsas remanescentes com até quatro chamadas. Identificamos que muitas universidades estavam forçando a barra para colocar os alunos nesses editais. Ainda tinha muita gordura para ser trabalhada na Capes e fizemos as reduções. Isso nos gerou economia que nos permitiu pagar as bolsas boas. Sempre poupamos programas 7, 6 e 5, e a maioria dos de nota 4. Liberamos as bolsas dos programas nota 4 que têm viés de alta (no desempenho). Queremos valorizar o mérito. Não cortamos bolsas meramente por questões financeiras, mas alinhando por questão de qualidade.


Quando foi anunciado o corte nos programas nota 3, algumas universidades afirmaram que isso desidrataria a pós-graduação em instituições menores que só têm esses programas.
Estamos atentos a isso. Estamos criando programas para mitigação de assimetrias. Vamos fazer um programa adicional para fortalecimento daqueles que ainda não têm a capacidade de reação. Isso acontecerá em áreas estratégicas. Na semana passada, chamamos aqui o Fórum de Reitores do Norte do Brasil, e essas áreas serão definidas por eles. O fórum trouxe sete áreas, como biodiversidade, meio ambiente, recursos naturais, entre outras. Vamos ter orçamento adicional para atuar nos programas com essa necessidade, posteriormente podemos pensar em outras regiões do país também, mas, inicialmente, é a Amazônia, por ser estratégica e muito distante. Vamos dar uma cota para região amazônica para que os pesquisadores possam fazer sua pesquisa no exterior, em universidades de referência, para os programas reagirem.

A Capes pretende alterar os critérios para concessão de bolsas?
Com o orçamento aprovado no ano que vem, vamos aplicar um novo modelo de redistribuição de bolsas, que já foi apaziguado junto ao Fórum de Pró-reitores das universidades e junto ao Conselho Superior da Capes. Vamos colocar um teto (no número de bolsas) para cada programa de pós-graduação, mas sempre baseado nesses critérios. Um deles é a nota, vamos dar mais bolsas para programas com notas mais altas. Outro critério é o IDH, que mostra a vulnerabilidade social pela qual a universidade está envolvida e também o campus dela. Muitas vezes a universidade está em um município de alto IDH, mas seu campus está localizado em um município mais vulnerável, ou seja, é aquele que mais precisa de bolsa para manutenção dos alunos e para fazer a consolidação do programa. Outro critério é o tamanho do programa. Pretendemos incentivar a consolidação dos programas. Muitas vezes, nas universidades brasileiras, vemos programas muito pequenos, pouco estruturados e sem capacidade de prestar um serviço de qualidade. Vamos priorizar programas maiores. Outro critério é priorizar programas com mestrado e doutorado. O programa que só tem mestrado terá menos prioridade, exceto nos municípios com IDH baixo.

Já há um número de fixo de bolsas estabelecido para cada faixa de desempenho?
O teto vale para todos programas, mas aqueles com nota maior terão um teto maior. Por exemplo, um programa nota 7 vai ter uma capacidade boa. Temos uma simulação montada e vamos implementar assim que o Congresso ratificar nosso orçamento. Se a gente fechar com R$ 4 bilhões, vamos fazer a redistribuição, mas não vamos cancelar bolsas em vigor. Ainda que essa pessoa esteja em um programa que tenha redução do teto, vamos manter a bolsa até esse estudante concluir. As novas bolsas, no entanto, irão para programas com mais qualidade. Tem programa nota 7 que pode chegar a ter 100 bolsas. Ao contrário, um programa nota 3 ou 4 pode chegar a ter cerca de 20 bolsas. Atualmente, tínhamos exemplo de programa nota 3 e mais de dez anos de existência com 80 bolsas. O que a gente fez e continua fazendo não é só pela questão orçamentária, é pela qualidade. A Capes veio de um governo que buscava a expansão, veio com pouco planejamento. Nos próximos dez anos a gente pretende estabilizar o crescimento. O país precisa trabalhar a excelência na pesquisa. Vamos priorizar programas com nota mais alta, que tenham doutorado e que tenham mais professores e alunos participando, assim incentivamos a concorrência, programas multidisciplinares e que atendam várias áreas do conhecimento, senão ficam programas pequenos, focados em uma área pouco relevante, sem interação com a sociedade e a indústria.

O senhor mencionou a visão de priorizar áreas conectadas às demandas da sociedade. Houve uma sinalização do governo de que áreas de Ciências Humanas não seriam prioridade. Há previsão de redução de incentivo para programas ligadas a essa área?
A Capes olha para a Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia feita pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) e vê quais as áreas prioritárias. Mesmo áreas estratégicas que são aparentemente mais voltadas para Exatas e Biológicas dão muito espaço para as Humanas. Então, as Humanas podem sim contribuir para a Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia. Desde que as pesquisas da área de Humanas tenham resultado em termos de publicação de qualidade e apresentem resultados quantitativos, elas vão ser valorizadas. Se as Humanas estiverem bem em publicações em revistas que tenham impacto, publicações em livros que sejam citados,vendidos e recebam prêmios; e bem em indicadores relacionados à questão artística, elas estarão preservadas sem dúvida. Hoje o mundo tem tantos problemas complexos que não se pode prescindir de qualquer área. Vamos trabalhar sempre com critério de qualidade, se as Engenharias não tiverem qualidade, elas vão perder bolsas também.

Você falou sobre a relação com a indústria. A Capes pretende priorizar a pesquisa voltada para o mercado em detrimento da academia?
Fizemos um cálculo e identificamos que nos últimos dez anos os artigos científicos brasileiros tiveram 1% de coautoria com a indústria. De cada 100 trabalhos científicos cadastrados no Web of Science, que é uma grande base internacional, 1% foi feito com coautor da indústria, na Alemanha e na Coreia do Sul esse índice chega a 5%. Quando falamos em elevar esse percentual não é em detrimento de outros, é para que consigamos em primeira instância elevar para 2% e no médio e longo prazo chegar aos 5%. Sempre com estratégias em conjunto com o MCTIC, a Finep. A Capes no seu papel está pedindo para academia elevar em 2% nos próximos dois anos e, nos próximos seis anos, chegar a 5%. Não é uma reviravolta de uma vez no sistema, é tudo paulatino.

Mas isso será um critério na hora de escolher programas que serão financiados?
A gente pode buscar recursos novos. Se a gente conseguir recursos novos, principalmente os que vierem da indústria, eles vão para esses programas. Não é em detrimento dos outros. A pesquisa básica é importante em qualquer país do mundo. Algumas áreas do conhecimento não se adequam à relação com a indústria, como física teórica, astronomia, letras. Não vamos exigir que esses programas tenham relação direta com indústria, eventualmente pode ter, mas, em geral a relação com a indústria acontece em programas específicos. A ideia é buscar recursos novos. Há muitas empresas que querem colocar dinheiro na Capes.

O ministro da Educação afirma recorrentemente que há grande número de pesquisas esdrúxulas ou que não são relevantes. A Capes identificou algo nesse sentido?
Programas de pós-graduação nota 3 há mais de dez anos vão ter teses menos relevantes, uma tese que não é aceita pelas revistas, não é publicada e não consegue ser útil à sociedade a Capes está eliminando. Programas que precisam fazer quatro chamadas para preencher vagas a Capes não tem interesse em financiar. Chegamos a ter programa de pós-graduação com 20 vagas e um candidato. Então, a pesquisa provavelmente está com baixa qualidade.

O senhor se candidatou no ITA por conta da fusão da Capes e do CNPq? Há algum prazo para essa fusão acontecer?
Essa questão da fusão é algo que não está na nossa gerência. É algo que está sendo trabalhado por vários ministérios. Não tem como se manifestar em relação a isso. Tem prós e contras e tudo vai ser ponderado pelo governo federal. O que o país precisar, estaremos atendendo. Sempre trabalhamos com foco no longo prazo e com resultados de curto prazo. Organismos de estado sempre têm solução de continuidade.

Qual o tempo de vida da Capes no modelo atual?
A Capes tem atividades que são intrínsecas à educação brasileira. Tem avaliação de cursos, formação de professores da educação básica, atividades de criação de cursos novos, cuida do fomento da pós-graduação, do portal de periódicos. A Capes tem atribuições nas quais o país ainda não alcançou maturidade, temos que ter muito esforço para concluir toda a formação de recursos humanos necessária ao país e atualização de professores da educação básica. Essa atividade que a Capes executa é constante, não ainda completamente estabelecida e temos muito pela frente. Essa fusão está sendo estudada pelo governo e tenho certeza que a solução que for encontrada, qualquer que seja, ela vai buscar prestar o mesmo serviço à sociedade.

Durante a entrevista, o presidente da Capes foi questionado ainda sobre anúncio de corte nos programas nota 3, a possibilidade de alterações jurídicas e a candidatura de Correia na eleição pela reitoria do ITA.

Leia na íntegra: O Globo