Andes é sindicato classista e democrático

Ciro Correia encabeça a única chapa inscrita às eleições que apontarão os novos diretores do Andes e que ocorrem nos dias 13 e 14 de maio. O candidato é geólogo, professor do Instituto de Geociências da USP, presidiu a Adusp e foi chefe, por dois mandatos, do Departamento de Mineralogia e Geotectônica.

Ciro admite que a categoria docente do ensino superior passa por um momento de desmobilização e atribui as dificuldades principalmente à sobrecarga de trabalho que não deixa tempo para a participação política e à adesão ao governo Lula de entidades sindicais que deveriam defender os interesses dos trabalhadores, CUT à frente.

Essa é a primeira parte da entrevista, que terá continuidade na próxima edição do Boletim da Apufsc.

 

Quais são os principais desafios internos que o Movimento Docente enfrenta hoje na sua visão?

O principal desafio é vencer a absoluta sobrecarga de trabalho a que a maioria dos docentes, em particular nas instituições públicas, sejam elas federais ou estaduais, está submetida. A sobrecarga gera, por um lado, um desgaste muito grande para que eles desempenhem adequadamente as suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Por outro lado, não permite algum tempo, algum espaço para que a categoria possa refletir sobre as políticas que têm causado essa sobrecarga de trabalho, essa sobre-exploração, e consiga unir forças e se articular mais no sentido de participar das discussões para tentar reverter esse quadro e trazer para as universidades um ambiente melhor de trabalho, mais próximo das suas finalidades – que é fazer ensino, pesquisa e extensão – e não correr atrás de financiamento individualmente, como cada vez mais o governo tenta impor à categoria. Outro desafio é conseguir se organizar internamente, o que é importante para conquistar condições melhores de trabalho e condições melhores de vida, fundamentalmente através de uma remuneração adequada, uma vez que os salários da categoria estão completamente defasados. 

 

Mas politicamente, o senhor vê problemas internos a serem enfrentados mais especificamente no Andes?

O Andes é um dos poucos sindicatos hoje no País que permanece claramente ligado aos princípios de sindicalismo e organização social que muitas outras categorias e sindicatos defendiam desde o final da ditadura e durante o período pós Constituição de 88. Ou seja, ter uma organização social no campo sindical absolutamente suprapartidária, desvinculada de partido político, desvinculada do patronato no setor privado e desvinculada do governo no setor público. Nós permanecemos fiéis a essa concepção. Como, em particular após a ascensão do governo Lula à Presidência da República e ao processo que ele deflagrou de tentar domesticar, controlar, cooptar o movimento social organizado – e, infelizmente, o governo teve sucesso nessa política, ao conseguir cooptar para o campo governamental uma entidade que tinha um histórico de luta e os mesmos princípios que eu enunciei, de um sindicalismo independente de partidos e do governo, que foi a CUT –, quem defende uma concepção como o Andes defende e tem uma prática de sindicalismo independente ficou absolutamente minoritário. Isso traz problemas políticos porque, se você soma esse quadro adverso no cenário político geral e das organizações sociais com um ambiente de sobrecarga de trabalho nas universidades, não é de se estranhar que muitas pessoas, sem fazer uma análise mais abrangente, venham a atacar o Andes, dizendo que o Andes tem uma posição intransigente ou sectária. Na verdade, o Andes está fiel à questão de ser um sindicato classista, com decisão tomada pela base em instância democrática e pública e só levar à mesa de negociação, ou só fazer interlocução, fundamentado naquilo que foi decisão de fato da categoria e não por iniciativa própria dessa ou daquela diretoria para atender interesses que não foram democraticamente discutidos. Então, sim, o momento é adverso. Nós temos dificuldades dentro da nossa categoria, dentro da nossa base por conta desse quadro de desmobilização. Mas eu acredito que isso é uma fase e que a gente supera essa fase, particularmente através da ação duradoura, combativa, de esclarecimento, que nós vamos continuar fazendo na gestão do sindicato nacional no sentido de fortalecer o movimento e de ampliar o grau de politização e de engajamento da categoria docente. Só mais um comentário geral nesse sentido: nosso colega da Unicamp, que é um sociólogo reconhecido internacionalmente, Ricardo Antunes, recentemente deu uma entrevista sobre como está a organização sindical no País, em que faz uma comparação, que me parece muito apropriada, entre a forma como o governo Lula tem procurado lidar com os movimentos sociais e a forma como Getúlio Vargas operou no País na primeira metade do século passado, durante a ditadura Vargas. Quando questionado pelo repórter, que pergunta a ele se ainda há exemplos no País de sindicalismo independente, combativo, ele diz “tem sim, um deles é o Andes – Sindicato Nacional”. Termina a entrevista dizendo que nunca na história moderna sindicalismo vinculado ao patronato ou ao governo trouxe conquistas para a classe trabalhadora ou modificações políticas significativas na sociedade. Não vai ser agora que isso vai acontecer. Então, nós temos clareza e confiança na opção de conduta sindical que a entidade tem e vamos continuar militando nela. 

 

Apesar da clareza, existem obstáculos reais que estão se concretizando. O Proifes é um deles. Como o Andes vai se posicionar a esse respeito? 

O Proifes é um desses exemplos de tentativa de desorganização da categoria fomentada pelo governo e fomentada por grupos que agem mais por interesses momentâneos de projeção política e de conquista de espaço em um determinado meio do que por coerência com o compromisso de defesa da categoria em que se encontra. Quem está hoje no Proifes, na direção, o Gil Vicente, militava no sindicato nacional até quatro anos atrás. Foi candidato de oposição na eleição retrasada. Perdeu as eleições e, ao invés de continuar militando na defesa da sua concepção dentro da organização a qual ele era filiado, ele sai, organiza uma entidade paralela – que não é sindicato, é um fórum de professores – e aceita o papel vexatório de ser convidado a vir para a mesa de negociação sem nenhuma legitimidade, sem nenhuma representação pela base, sem ser uma entidade sindical. Apenas para tentar dividir o movimento docente e para dar oportunidade de o governo pôr em prática aquilo que ele sequer conseguiu discutir no Congresso Nacional, que era fazer uma reforma sindical na qual as centrais sindicais – em particular, nesse contexto, leia-se CUT – pudessem negociar acordos salariais e direitos com uma categoria à revelia dos sindicatos de base dessa categoria. Então, o governo faz uma farsa de negociação com o Andes, com o Proifes como entidade convidadad+ avança nas propostas por conta da luta do Andes em relação àquilo que tinha sido aprovado para a carreira, reajustes e etc.d+ não atende de forma significativa àquilo que era necessáriod+ assina com o Proifes, que não é entidade sindical – e, portanto, a assinatura dele nesse tipo de acordo não tem valor nenhum –d+ e chama para ratificar esse acordo pífio, a Central Única dos Trabalhadores, que não nos representa e à qual não somos filiados. É claro que, em um primeiro momento, para muitos docentes – em particular para aqueles que não estão dispostos, pelas mais variadas circunstâncias, a fazer uma análise um pouco mais profunda da situação – parece que finalmente apareceu um interlocutor que consegue negociar com o governo, que consegue abrir espaço, que traz algum resultado para a categoria. Essa análise não resiste ao tempo. Quando a gente olha o que foi negociado nesse momento, em que o governo tenta impor um acordo – que o Andes fez muito bem em não assinar – que acena com alguns ganhos – e qualquer ganho com a atual defasagem salarial é importante para a categoria, não há dúvida nenhuma disso –, mas que não recompõe perda passada, não estabelece um marco de referência para futuras negociações e aponta para um reajuste médio que, para a maior parte dos níveis da carreira, sequer repõe até 2011 a inflação projetada para esse período. Você está assinando um acordo de arrocho salarial consentido. É isso que está acontecendo. Demora um pouco, mas as pessoas acabam se dando conta de que essa entidade [Proifes] foi usada para legitimar uma proposta que o governo queria impor à categoria. Nós pretendemos superar esses problemas com uma conversa franca e clara sobre o que está acontecendo – e mesmo que a gente enfrente incompreensões neste momento, eu confio na capacidade de análise da categoria como um todo. Ela vai avaliar que a posição do Andes, de fazer avançar no limite do possível a posição inicial do governo – de não propor reajuste nenhum – e de não assinar o acordo para não ficar politicamente de mãos atadas e para continuar brigando por aquilo que defendemos no próximo período, foi a decisão acertada de quem tem compromisso, não de se apresentar como interlocutor para esse ou aquele governo, mas como interlocutor da categoria na defesa de seus interesses. Então, sim, temos problemas no momento. O movimento social é dinâmico, é complexo. Esse é um momento difícil, particularmente por conta do ataque à organização sindical independente e, no caso de nossa categoria, por ter um grupo que se presta a instrumentalizar esse ataque dentro da categoria. Mas acredito que a gente vai superá-lo.