Mais uma grave denúncia atinge uma fundação de apoio ligada a uma universidade pública federal. Desta vez é a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), vinculada à Universidade de Brasília (UnB), que é alvo de denúncias feitas pelo Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) à Justiça.
O MPDF pediu à 6ª Vara Civil de Brasília o afastamento dos dirigentes da fundação (Antônio Manoel Dias, Nelson Martin, Carlos Alberto Bezerra, Guilherme Sales e André Pacheco, todos professores da UnB) e uma investigação profunda a respeito de diversas irregularidades. No dia 1º, a Justiça destituiu de seu cargo apenas de Nelson Martin, presidente do Conselho Fiscal da Finatec.
O promotor de justiça Ricardo Souza, da Promotoria de Tutela de Fundações e Entidades de Interesse Social, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), informou que vai recorrer da decisão e reafirmou que quer o afastamento dos cinco diretores apontados na ação de destituição de dirigentes, proposta no dia 21 de janeiro.
Na opinião do promotor, o afastamento de apenas um dos responsáveis por diversas irregularidades não faz jus à gravidade das irregularidades por eles cometidas: contratações sem licitação, desvio de função, apropriação indébita, entre outras. Além da destituição dos administradores, a ação do MPDFT solicitava a nomeação de um administrador provisório e a contratação de auditoria para apurar a real situação econômica, patrimonial e financeira da Finatec.
Para Ricardo Souza, “a imagem da UnB está na berlinda. Mesmo que sejam coisas distintas, a fundação só existe porque a universidade permite”. A Finatec é a maior fundação de “apoio” que atua na UnB. O faturamento anual é de cerca de R$ 100 milhões. Desse total, apenas R$ 750 mil são aplicados em pesquisa.
CERVEJA EM BAR – O restante do dinheiro seria destinado a grandes empreendimentos que não têm nada a ver com a atividade-fim da fundação. Uma delas seria a construção de um shopping center. A verba também financiava o lazer dos dirigentes da Finatec. “Há notas fiscais que provam que eles utilizavam o dinheiro para pagar contas em restaurantes, hotéis, viagens ao exterior e até cerveja”, diz o promotor.
DOUTORADO – O presidente do Conselho Superior da Finatec, Antônio Manuel Dias Henrique, teve o doutorado custeado pela Finatec, por meio de uma bolsa de estudos de 3 mil reais, assim como dois dos membros da sua banca examinadora.
CONTAS REJEITADAS – Desde 1999 as contas da Finatec não são aprovadas pelo Ministério Público. Em investigação realizada nos últimos meses, a Promotoria constatou uma série de desvios de finalidades nos contratos executados pela Fundação. Em um dos contratos celebrados entre a Finatec e a Fundação da Universidade de Brasília (FUB), por meio do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), foi constatada uma “sobra de recursos” de mais de R$ 24 milhões, apesar de o valor do contrato ser de 21 milhões de reais. O contrato está em desacordo com a Lei nº 8.958, de 1994, que dispõe sobre a relação entre as Instituições Federais de Ensino Superior e as fundações de apoio à pesquisa científica e tecnológica.
A principal acusação contra de Antônio Manuel Henriques, diretor da fundação, considerada uma das mais graves pelo Ministério Público, foi a ocultação específica de R$ 24 milhões de origem inexplicada em contas de convênios (contas de terceiras pessoas nas quais o dinheiro estava distribuído), cuja desculpa é que se tratava de sobra do contrato de terceirização do serviço prestado no INSS. Esse contrato é também objeto de uma ação civil no âmbito da Justiça Federal.
“Tudo que está lá nessas contas de convênio são bens de terceira pessoa, não da fundação. E quando se distribuiu esses R$ 24 milhões em diversas contas, elas e esse dinheiro todo não apareciam para o Ministério Público”, disse Souza.
Os R$ 24 milhões só foram descobertos porque o Ministério Público pediu o afastamento de Nelson Martin e de Antônio Manuel, em 2004, e os substitutos deles, dentre os quais, Geraldo Boaventura, verificaram a existência desse montante espalhado em várias contas e retornaram o dinheiro ao cofre principal da fundação. Com isso, o dinheiro apareceu nas prestações de contas, as quais, segundo o promotor, há sete anos não são aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
D.E. EM XEQUE – O Ministério Público também apurou que os principais cargos da instituição são ocupados por professores da UnB, contratados pela Universidade em regime de dedicação exclusiva e que não poderiam, portanto, exercer funções de direção na Finatec. Em alguns casos, esses professores recebiam salários exorbitantes e utilizavam os recursos da entidade em benefício próprio. Os Promotores citaram ainda contratos firmados sem licitação entre a Finatec e prefeituras de São Paulo e Recife. No caso de SP, cerca de 12 milhões de reais teriam sido gastos em contratos de consultoria.
OS MÓVEIS DO REITOR – Um dos maiores gastos de recursos da parceria entre FUB e Finatec foi usado para mobiliar apartamento funcional da UnB destinado ao reitor da Universidade, Thimothy Mulholland. As notas fiscais comprovam que foram gastos mais de 470 mil reais no imóvel, localizado na Asa Norte. No dia 13 de fevereiro, diante da intensa repercussão que os gastos causaram, o reitor anunciou que estava desocupando o apartamento. Segundo as notas analisadas pelo MPDF, o luxo na decoração do imóvel incluiu despesas de R$ 69.566 com cadeiras, poltronas, mesa de centro, cabeceira da cama e bancod+ R$ 31.150 com refrigerador, freezer, fogão, lava-louças e adegad+ R$ 36.603 com um “Home Cinema”d+ R$ 37.668 com tapetes, persianas e colchõesd+ R$ 4.590 com taças de vinho e copos de uísqued+ R$ 2.738 com três lixeirasd+ e R$ 3.998 com dois faqueiros.
RECOMENDAÇÃO – Em conjunto com o Ministério Público Federal, o MPDFT também expediu recomendação para instituições e empresas públicas em relação a contratos firmados com a Finatec. O documento recomenda que os contratos apenas sejam firmados se: 1) seu objeto se enquadrar nos fins institucionais da Fundaçãod+ 2) a Finatec possuir comprovada excelência na área e 3) a Finatec tiver condições de cumprir integralmente o contrato com seu próprio corpo funcional.
Em nota divulgada no dia 11 de fevereiro, a diretoria da Associação dos Docentes da UnB (Adunb) lembrou que há mais de dois anos denuncia “os desvios de finalidade e de verba e os prejuízos que não só a Finatec, mas todas as fundações privadas ditas de apoio à pesquisa que circundam a UnB vêm causando à universidade, ao ensino, à pesquisa e à extensão. Além de uma notificação ao reitor feita em 2006, a seção sindical encaminhou uma representação ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios denunciando tais infrações”.
A Seção Sindical ressalta ainda que “diante dos escândalos divulgados nas últimas semanas pela imprensa, a diretoria considera lamentável o nome da Universidade de Brasília aparecer nos noticiários local e nacional vinculado a acusações sobre irregularidades e malversação de verbas cometidas por órgãos a ela ligados”.
O mesmo foi feito pela Apufsc, dando seguimento a uma decisão aprovada em Congresso do Andes-SN. Corroborando a avaliação de que há irregularidades na gestão das fundações, no ano passado, o Ministério Público de Santa Catarina rejeitou as contas das quatro fundações de apoio ligadas à UFSC, solicitou à Justiça o afastamento da diretoria da Feesc, que vem sendo auditada e administrada por interventora nomeada judicialmente, e indicou um profissional para analisar as contas e acompanhar de perto a gestão da Fapeu. Seria positivo para a comunidade universitária e para a sociedade catarinense que os procuradores do Ministério Público também divulgassem amplamente os resultados de todas estas investigações.
Recentemente, a Apufsc contratou uma assessoria jurídica para tratar especificamente das fundações, acompanhando o andamento das representações feitas pela Seção Sindical junto à Justiça e o andamento das ações movidas pelo Ministério Público.