Entre os diversos temas abordados na entrevista concedida pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, na última terça-feira, dia 15, no Palácio do Planalto, um despertou a reação das organizações sindicais: a regulamentação do direito de greve no setor público. Lula defendeu a responsabilização de grevistas e criticou longas paralisações de servidores federais. “O que não é possível, e nenhum brasileiro pode aceitar, é alguém fazer 90 dias de greve e receber os dias parados, porque, aí, deixa de ser greve e passa a ser férias”.
Segundo o presidente, a greve no setor público deve ser tratada de maneira diferente do setor privado. Uma das diferenças seria a classificação de diversos serviços como áreas “essenciais”, nas quais o direito de greve é mais restrito do que no conjunto. A greve nestes setores, afirmou Lula, não prejudica os “patrões”, mas a população brasileira. As declarações reafirmaram a disposição do Governo Federal em construir uma proposta de regulamentação para ser enviada ao Congresso.
Reportagem do jornal O Globo do último dia 11 já adiantava que uma minuta de projeto foi elaborada pela Advocacia Geral da União e pelo Ministério do Planejamento, e entregue já na última semana para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Em entrevista ao jornal, o advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, afirmou que a situação trabalhista no setor público é uma “lei da selva” e que a proposta estabelece requisitos para que uma greve no serviço público seja considerada “legítima”.
A Constituição Federal de 1988 consagrou o direito de greve para os servidores públicos, mas não regulamentou seu exercício. Diferente da área privada, onde a arbitragem dos conflitos é feita pela Justiça do Trabalho, no caso do Estado não há regras nem poder específico que resolva os conflitos, em última instância. Para as entidades sindicais de servidores, esta situação deixa os trabalhadores à mercê dos órgãos empregadores públicos. No entanto, a saída encontrada pelo governo para este vácuo não é ampliar os direitos de greve, mas as exigências para a realização desta manifestação.
A primeira seria que a paralisação fosse aprovada por no mínimo 2/3 da categoria e fosse previamente avisada ao responsável pelo setor. Nas áreas de serviços inadiáveis e de interesse público, haveria a exigência de manter 40% dos servidores trabalhando, com possibilidade deste percentual variar conforme a necessidade de manter a continuidade do serviço. Isso se a greve for considerada “legal”. Caso um questionamento judicial contra ela seja acatado, os trabalhadores seriam obrigados a descontar o tempo de paralisação. “Todos nós temos direito de fazer greve, mas todos nós sabemos que a gente pode ganhar ou pode perder”, justificou Lula na entrevista coletiva.
Entre as áreas “inadiáveis e de interesse público” estariam: atendimento ambulatorial, assistência médica, tratamento e abastecimento de água, tratamento de esgoto, serviços funerários e de necropsia, inspeção agropecuária, defesa e controle do tráfego aéreo, segurança pública, serviços de telecomunicações e de tratamento e lixo hospitalar, e de concessão e pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais. Para o jornal O Globo, o advogado-geral da União admitiu que a filosofia da proposta é que “o serviço público como um todo deve ser considerado essencial”.
CRÍTICAS DURAS – Em entrevistas e notas públicas, dirigentes de entidades sindicais classificaram o projeto como “autoritário”, “ditatorial” e “intervencionista”. Para Josemilton Costa, da Confederação dos Servidores Públicos Federais (Condsef), na prática a proposta visa “impedir a greve no serviço público”. A posição é endossada pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique dos Santos, para quem as exigências colocadas têm como finalidade inviabilizar paralisações no serviço público. “Estipular que uma assembléia só terá direito de aprovar greve se reunir 2/3 da categoria é uma tentativa mal-disfarçada de proibir greve no setor”, afirma.
O presidente da CUT exemplifica citando o caso do sindicato de professores de São Paulo, que teria de reunir 100 mil de seus 150 mil filiados em assembléias para deflagrar uma greve. No caso dos servidores federais, seria necessária a aprovação de mais de 670 mil dos 1 milhão empregados. Em relação à definição dos serviços de interesse público, Santos critica a proposta, afirmando que ela “padroniza setores diferentes entre si”. “Num hospital sucateado, com poucos trabalhadores efetivos, podem ser necessários mais de 40%. No setor de energia elétrica, dependendo da unidade de geração ou transmissão, podem ser necessários menos de 40%”. Segundo os sindicalistas consultados pela Carta Maior, hoje as entidades já fazem esta avaliação e mantêm a continuidade dos serviços.
Mas é exatamente a iniciativa de o Governo Federal decidir sobre o tema o que motiva as críticas mais ferrenhas dos dirigentes. “Isso é intromissão do Estado na organização dos trabalhadores como na época da ditadura. Me parece que o presidente esqueceu que foi sindicalista. Presidente só vê agora a classe dominante, e não aquele setor que o levou à presidência”, bate Josemilton Costa. Para ele, o governo deveria retomar o compromisso assumido com as organizações de servidores de construir uma proposta de sistema de negociação permanente iniciada junto ao Ministério do Planejamento. Costa afirmou que o processo vinha caminhando até o governo “tirar da cartola” esta nova proposta na ressaca da greve de controladores de vôo.
Segundo o presidente da Condsef, se o governo não voltar atrás e retomar a diálogo sobre a propostas de negociação permanente, os sindicalistas vão radicalizar sua reação. “Podemos fazer greve inclusive para combater este projeto”, alerta. Arthur Henrique dos Santos endossa a cobrança. “Exortamos o governo a jogá-la fora imediatamente e a cumprir o que já foi combinado, e apresentar na Mesa de Negociação Permanente a perenização do Sistema de Negociação Permanente”. No próximo dia 22, as entidades têm reunião marcada com representantes do Ministério do Planejamento.