Ainda está por ser feita uma discussão mais rigorosa acerca do emprego público no Brasil. O pouco que se tem discutido sobre o tema apresenta apenas argumentos carregados de preconceitos e “ideologia”,
raramente embasados em dados rigorosos e informações corretas. O ideário neoliberal (hoje completamente desmoralizado) encarregou-se, durante décadas, de perpetrar inverdades ou análises pouco rigorosas que acabaram motivando medidas de redução do pessoal ocupado ou de “reformas” na administração pública que culminaram em prejuízo para a execução de atividades-fim do serviço público, e em piora na qualidade e na eficiência dos serviços prestados à população que deles necessita.
Os dados e reflexões aqui apresentados são resultantes de uma pesquisa intitulada “Trabalho no Setor Público Brasileiro”, que vem sendo desenvolvida no Ipea e que pretende avaliar o setor público brasileiro sob três aspectos: a) o aspecto quantitativo, que se preocupa em produzir uma ampla radiografia de estatísticas de emprego do setor público brasileirod+ b) em termos qualitativos, procura-se destacar que a natureza do trabalho no setor público é diferente do trabalho no setor privado e é levando isso em consideração que se deve avaliar a construção institucional do Estado brasileiro, sempre com um foco na problemática da dívida social brasileirad+ c) a pesquisa também visa a cobrir uma lacuna de estudos sobre políticas de gestão na área de recursos humanos no Brasil, procurando fornecer aos futuros gestores do setor público brasileiro uma análise não-neoliberal dos desafios que se colocam atualmente para o Estado brasileiro em uma sociedade desigual e carente de serviços públicos de qualidade.
Um primeiro dado importante que merece ser mencionado é que, no Brasil, segundo os microdados da Pnad, o emprego público representava, em 2007, apenas cerca de 11,5% do total dos ocupados no país.
Esta parcela de emprego público na ocupação total está bem abaixo, por exemplo, de todos os países europeus importantes, muitos dos quais chegam a atingir marcas superiores a 30%. Mesmo nos EUA,
país com destacada tradição liberal, o percentual do emprego público na ocupação total é de cerca de 15%. Na América Latina, segundo dados recentes divulgados pela Cepal, há países cujo peso do emprego público na ocupação total é maior do que a brasileira, destacando-se Panamá (18%), Costa Rica (17%), Uruguai (16%), Argentina (16%) e mesmo o Paraguai (13%).
Tomando-se como referência a relação entre emprego público e população, também se verifica, no Brasil, um baixo percentual: a parcela do emprego público na população gira em torno de 5%, contra 7% nos EUA e próximo de 10% na Europa ocidental (quando não mais, como nos países escandinavos, que não raro superam 15%).
Em números absolutos, no ano de 1995 o emprego público no Brasil perfazia o total de 7,843 milhões de servidores. Em 2007, ele alcançou a cifra de 9,827 milhões. Deve-se destacar, porém, que este crescimento praticamente apenas acompanhou a evolução da população. Tanto é que, em 1995, o estoque de emprego público representava 5,1% do total da população e, em 2007, 5,4%.
Quando se observa a evolução recente do emprego público por esfera de governo, verifica-se uma leve redução nas esferas federal e estadual e um forte crescimento no âmbito municipal. Em 1995, o emprego federal correspondia a 18% do emprego público, o estadual, 44% e o municipal, 38%. No ano de 2007, esses percentuais eram de 15%, 35% e 50%, respectivamente. O aumento do peso do emprego municipal deveu-se a três fatores: na educação, a universalização do ensino fundamental e a expansão da pré-alfabetização de crianças em idade pré-escolard+ na saúde, praticamente todos os municípios foram alçados à condição de gestão plena da atenção básica, inclusive a saúde preventiva – em grande parte calcada no Programa de Saúde da Família -, que vem requerendo a contratação de milhares de agentes comunitários de saúde. Por último, desde a Constituição de 1988, foram criados quase 1.500 municípios, gerando a necessidade de montagem das funções administrativas municipais.
Preliminarmente, os microdados da Pnad sobre ocupações na esfera municipal corroboram essa afirmativa. Também o senso comum que considera o serviço público um reduto de privilégios carece de fundamentos mais sólidos. Quando consideramos os estatutários, a categoria mais bem posicionada dentre os servidores, vê-se que, desde os anos 1990, eles vêm perdendo uma série de direitos. As várias alterações constitucionais a partir da EC 19/98, dentre as quais se destacam o fim do Regime Jurídico Único no serviço público – com exceção para as funções exclusivas de Estado -, o fim da isonomia salarial, o fim do estatuto da estabilidade no serviço público e o fim da aposentadoria integral tiveram, entre outros propósitos, o objetivo de aproximar as relações de trabalho nos setores público e privado, apesar da natureza diferente do trabalho em cada um deles.
Deve-se destacar, porém, que nos últimos anos tem aumentado o peso dos estatutários, devido ao aumento do número de concursos públicos, o que tem reduzido em parte o grau de informalidade que imperou ao longo dos anos 1990 nas ocupações do setor público brasileiro.
Em suma, no conjunto, o que esses dados demonstram é que o emprego público não é excessivo no Brasil, sobretudo quando se leva em conta as necessidades de serviços essenciais por parte da população que não pode pagar por eles. Neste sentido, o desafio de aumentar a eficiência e a eficácia da máquina pública no país não se contrapõe, antes, se coaduna, com a expansão de serviços que requerem a expansão do emprego público.
Eneuton Pessoa é pesquisador-visitante do Ipea (RJ). Mestre e doutor pelo IE/Unicamp. E-mail:
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Fernando Augusto Mansor de Mattos é professor/pesquisador licenciado na PUC-Campinas. Pesquisador-visitante do Ipea (RJ). Mestre e doutor pelo IE/Unicamp E-mail: [email protected]
Marcelo Almeida de Britto é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (RJ) e coordenador da pesquisa “Trabalho no Setor Público Brasileiro”. E-mail: [email protected]