O mau desempenho da indústria neste começo de ano já se reflete nas negociações salariais. Depois de cinco anos em que aumentos reais vinham sendo conquistados pela maioria das categorias – em 2008, 78% conseguiram -, os sindicatos encontram hoje um ambiente arisco para negociar e poucos estão obtendo resultados acima do INPC. Em alguns casos, as empresas têm começado a negociação oferecendo aumentos abaixo da inflação do período. Queda da produção, ameaça de desemprego, indefinição do cenário econômico no curto prazo, tudo converge para dificultar as conversas entre funcionários e empresários.
Trabalhadores do segmento de artefatos de couro de Franca, no interior de São Paulo, com data base em 1º de janeiro, começaram pedindo 10% de aumento real. Fecharam acordo com 6,5%, apenas uma reposição das perdas inflacionárias. Os calçadistas da mesma região pediam 16,75% em fevereiro. Vinte rodadas de negociação depois, o pleito foi reduzido para 7,5% no total, com as empresas oferecendo 6,5%, novamente apenas reposição de perdas.
No Sul Fluminense, região que concentra a indústria de transformação do Rio de Janeiro, os reajustes firmados até o momento também só repõem a inflação. O sindicato dos metalúrgicos garantiu a variação do INPC em acordos com as montadoras Volkswagen Caminhões e Peugeot Citröen, a valer a partir de maio.
Cada empresa tem 3 mil empregados nas fábricas de Resende e Porto Real. “As negociações foram mais difíceis porque as montadoras disseram que estavam com os pátios cheios”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, Renato Soares Ramos. A Peugeot Citröen demitiu recentemente 250 pessoas. Já a Volks suspendeu em fevereiro o contrato de trabalho de 500 funcionários, que passaram a receber bolsa de qualificação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em prazo máximo de cinco meses.
Ramos espera negociação ainda mais dura com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), cuja data base é em maio. A siderúrgica emprega 6,5 mil funcionários em Volta Redonda e demitiu aproximadamente 1,3 mil desde dezembro, segundo o sindicato.
José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), diz que é inevitável que as negociações sejam afetadas pela crise. “O aumento das taxas de desemprego e a queda das oportunidades de trabalho tornam o cenário mais adverso para a negociação”, diz. Ele ressalta, porém, que o impacto deve ser diferente, dependendo do setor. “Há setores que ainda não foram muito afetados, nesses casos há possibilidade de conseguir resultados melhores.”
Entre as exceções estão os trabalhadores vigilantes do Rio e do setor de alimentação de São Paulo, que obtiveram aumentos reais de 3% e 1,18% respectivamente. Os 12 sindicatos de vigilantes do Rio fecharam em fevereiro aumento de 9% para 2009. O aumento superou o fechado em 2008, de 6%.
Mesmo assim, os sindicatos da categoria, que representam cerca de 50 mil vigilantes, relatam que as negociações foram mais difíceis neste ano e ameaçaram fazer greve durante o carnaval, o que implicaria, por exemplo, a ausência de segurança no sambódromo carioca, um dos principais atrativos turísticos da época. Também houve passeata no centro do Rio e greve de um dia no município de Campos dos Goytacazes, com a participação de 150 profissionais. “Conseguimos esse aumento, mas o nosso piso salarial ainda é menor em relação a vários Estados, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná”, disse o presidente do Sindicato dos Vigilantes do Município do Rio, Fernando Bandeira.
Em São Paulo, os trabalhadores da indústria de alimentação do setor de doces e conservas obtiveram um aumento real de 1,18%. A data base é 1º de março e o aumento beneficia 25 mil pessoas. “As empresas alegaram dificuldade por conta da crise, mas contrapomos que a produção não foi afetada, eram problemas pontuais”, diz Neuza Barbosa, diretora da Federação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação do Estado de São Paulo (Fetiasp). Casos com possibilidade de aumentos maiores, como o do setor têxtil de Pernambuco, contam com uma base salarial baixa. O salário mínimo das costureiras é de R$ 465, e há possibilidade de aumento de 11%.
Hoje a Fetiasp tem reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para negociar o dissídio do setor de bebidas. A reivindicação é de 2% de aumento real, mas as empresas sinalizam só com reposição da inflação. “Não podemos aceitar menos do que já foi obtido pelo setor de doces”, diz Neuza. Outra batalha difícil deverá ser no segmentos de usinas de açúcar e frigoríficos, onde há casos de empresas com queda de produção e endividamento.
A partir de 2004 houve uma combinação de crescimento econômico e baixa inflação, o que contribuiu muito para os resultados das campanhas salariais. Em 2004, 55% das categorias conseguiram aumentos reais, percentual que cresceu até 2007 (88%). Em 2008, a inflação mais alta já refletiu nos reajustes, e o número de aumentos acima da inflação caiu para 78%. “Muito provavelmente o número será pior este ano”, diz Oliveira, do Dieese. Ele acredita, porém, que o resultado não deve ser pior que os 19% de 2003.
A interrupção do boom de investimentos na construção civil deixou os trabalhadores receosos quanto às negociações salariais este ano. A data base da categoria em São Paulo é 1º de maio, mas os sindicatos já começaram a se mobilizar para pedir aumento real de 5,5% mais manutenção de benefícios. No ano passado, conseguiram 2% de reajuste acima da inflação.
Antônio Souza Ramalho, presidente do Sintracon-SP, entidade que representa os trabalhadores, diz que as empresas estão se apegando ao discurso de que em tempo de crise não se deve pedir aumento. “Entendemos que não deveria ser difícil negociar, porque as perspectivas para o setor são boas”, diz ele, lembrando do recente lançamento do programa federal Minha casa Minha vida, que deve impulsionar as construções.
Para chamar a atenção dos empresários, o sindicato está organizando um ato no dia 27 de abril com a intenção de concentrar 300 mil trabalhadores na Avenida Luis Carlos Berrini, zona Sul da capital paulista. “É uma região com muitos canteiros de obras, queremos mostrar que temos poder de mobilização”, diz ele.
No setor farmacêutico em São Paulo a terceira rodada de negociação ocorre hoje. A data base é 1º de abril e os trabalhadores reivindicam aumento real de 7%. “Os empresários têm dito que a situação não é boa para dar aumento, mas até fevereiro temos verificado índices positivos de emprego no setor e economicamente também não há sinal de de problemas”, diz Sérgio Luiz Leite, secretário geral da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas de São Paulo (Fequimfar).
Para o segmento de álcool, com data base em 1º de maio, as perspectivas são piores. As quedas do preço do produtos no período de entressafra indicam que as empresas estão com faturamento menor. Mesmo assim, a categoria optou por reivindicar o mesmo que os farmacêuticos. “Não sabemos como será a conversa, mas entendemos que não será com achatamento da massa salarial que os problemas do setor serão resolvidos”, diz Leite.