Oito anos após a lei da reforma psiquiátrica no país, que determinou que as internações hospitalares se dariam apenas em último caso, os serviços criados ainda têm problemas e o acesso é precário em dez Estados e no Distrito Federal.
A cobertura por meio dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) -unidades de atendimento comunitário que se tornaram um dos pilares da reforma- só é considerada boa ou ótima em 16 Estados.
A classificação é do Ministério da Saúde e leva em conta o número de centros existentes para cada 100 mil habitantes.
As críticas ao atendimento psiquiátrico vieram à tona nesta semana após a publicação pela Folha de um artigo do poeta Ferreira Gullar, em sua coluna de domingo.
Ele criticou o serviço oferecido hoje no país, a dificuldade enfrentada por pacientes para conseguirem internação e defendeu a revogação da lei que implementou a reforma.
Anos 1970
A lei de 2001 referendou uma discussão iniciada nos anos 1970. Grupos antimanicômio passaram a defender tratamentos alternativos à hospitalização e milhares de leitos psiquiátricos foram cortados pelo governo já na década de 1990.
Os Caps se tornaram uma diretriz da política nacional de saúde mental. Hoje, o Amazonas é o Estado que tem a menor cobertura (um Caps para cada 1 milhão de pessoas).
Desde 2002, ano seguinte à lei da reforma psiquiátrica, até hoje, o número de Caps na rede pública saltou de 424 para 1.326. No período, houve redução dos leitos em hospitais psiquiátricos (que passaram de 51.393 para 36.797).
A lei prevê que a internação só deve ocorrer quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem “insuficientes”.
Até fevereiro deste ano, 16 Estados não tinham, por exemplo, centros de atenção psicossocial de atendimento 24 horas, os chamados Caps 3 -que atendem pacientes em casos de crise noturna, por exemplo.
Para o ministério, a expansão dos Caps 3 é “desejável”, mas não é a “única possibilidade de atendimento noturno”. Para isso, a pasta diz investir na ampliação de serviços de saúde mental em hospitais gerais, para onde pacientes em crise podem ser levados.
Implementação
Elisa Zaneratto, do Conselho Federal de Psicologia, diz que a dificuldade na implementação da reforma psiquiátrica faz com que “pessoas defendam o modelo anterior [hospitais psiquiátricos], que foi completamente ineficaz”.
“Não é que a reforma psiquiátrica é um horror, mas sim a não implementação da reforma”, afirma ela.
A região Norte, segundo o Ministério da Saúde, ainda sofre com “carências em diversas políticas públicas”, mas “vem ampliando seus serviços de saúde mental”.
Elisa diz que há locais onde a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais é eficaz. “Belo Horizonte tem uma rede de atenção 24 horas maravilhosa. Além de profissionais dos Caps fazerem plantão, o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] foi capacitado para acolher emergência 24 horas em saúde mental.”
Outro pilar da reforma, as residências terapêuticas, para onde pessoas com doenças mentais graves são levadas após deixarem os hospitais, não existem em oito Estados, além do Distrito Federal, segundo o o próprio ministério.
Em todo o país, havia 516 residências até janeiro deste ano -eram 85 há sete anos.
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 3% da população precisa de cuidados contínuos em saúde mental. A pasta diz que há pesquisas que apontam que a maioria das pessoas que procuram atendimento de saúde mental no SUS é atendida.
“Ainda existem desafios a serem superados, como a ampliação da cobertura e o aperfeiçoamento do sistema”, informou a assessoria do ministério, em resposta por escrito.