O noticiário de ontem me trouxe um certo otimismo. A coordenação de governo, com a presença da ministra Dilma Rousseff, concluiu que é hora de debater o tamanho do Estado, a proporção entre custeio e investimento nos gastos governamentais e a política de contratação de servidores. No Nordeste, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, participou de um evento tucano cujo mote foi falar bem do Bolsa Família. Para complementar o dia, o governador de São Paulo, José Serra, expôs em detalhes as já conhecidas críticas dele à condução da política monetária.
Por que o otimismo? Porque não é sempre que os principais políticos do país, candidatos a nos liderar, dão sinais de que o debate eleitoral pode —quem sabe?— pelo menos resvalar nos grandes problemas nacionais. Imaginem como será bom se na eleição do ano que vem tivermos uma disputa programática, para valer. Nem me lembro da última vez em que pudemos saborear algo assim. Talvez em 1994, com o Plano Real, ainda que ele contivesse boa carga de messianismo.
Collor? Elegeu-se prometendo caçar os marajás. Lula? Quem ainda se lembra do Primeiro Emprego, da Farmácia Popular e do Fome Zero? Graças também à legislação restritiva, as eleições entre nós convertem-se cada vez mais em torneios de marquetagem. Talvez seja hora de acabar com isso. De fazer uma eleição mais “americana”. Com marquetagem, mas pelo menos disfarçada de algo útil ao eleitor que busca formar opinião.
Seria razoável oferecer aos candidatos ano que vem um bom ambiente para discutirem, por exemplo, o futuro dos programas sociais. Ou então, como combinar Estado e capital privado para alcançar uma eficiência ótima. Ou como fazer para o brasileiro pagar um spread bancário civilizado. E que tal a política de ocupação da Amazônia, sua defesa ambiental e estratégica? Não acham um bom tema? Pois é, assuntos há aos montes, e todos relevantes. Daí meu otimismo repentino. Não que a eleição corra o risco de se transformar numa chatice conteudística. Ninguém é maluco de achar isso. Mas que está na hora de os políticos pararem de tratar o eleitor como simples massa de manobra, isso está.
Vamos dar valor ao que tem valor. O que os candidatos têm a propor para enfrentar o mais grave problema nacional, o “genocídio de cérebros”, como bem define o ex-ministro da Educação e hoje senador Cristovam Buarque (PDT-DF)? Como garantir ao filho do pobre uma escola tão boa quanto a oferecida aos meninos e meninas da classe média, ou alta? Sabe-se que a solução não se resume a construir prédios e contratar professores.
Eleição após eleição, o sujeito vai à tevê com números para mostrar que “fez mais pela educação” do que os outros. Mas a maioria das crianças e jovens brasileiros continuam saindo da escola sem saber o mínimo, sem saber ler, escrever ou fazer contas como deveriam. E sem que essa tragédia silenciosa desencadeie um sentimento nacional de urgência comparável, por exemplo, ao que emerge, com razão, em episódios como o descontrole no uso das cotas de passagens aéreas de senadores e deputados.
Colunas políticas escritas sob a influência do otimismo correm o risco de parecer ridículas, em tempo real. E o risco cresce conforme o tempo vai carregando para trás o que você escreveu. Você olha retrospectivamente e vê que esteve tomado por uma ingenuidade inaceitável, ainda mais em quem tem por ofício tentar explicar ao leitor por que as coisas na política são como são.
Mas eu resolvi correr o risco. Ouço aqui e ali que a próxima eleição talvez seja a mais enfadonha de todos os tempos. Tomara. Se acontecer, significará que os eleitores finalmente chegamos à maioridade. E que as eleições brasileiras deixaram de ser apenas torneios de mistificação, em que os bandos se digladiam para, ao final, um deles saborear a delícia de poder ajudar os amigos, com a estabilidade de um emprego público ou com o acesso privilegiado ao orçamento.
Acho que hoje esgotei minha cota de ingenuidade por pelo menos um ano.