Enquanto declara que acelerar as obras de infraestrutura é a prioridade do gasto público, o governo federal tem retirado volumes crescentes de recursos de suas empresas estatais para ajudar a cobrir o crescimento das despesas orçamentárias com o funcionalismo e os aposentados.
Segundo levantamento realizado pela Folha, as estatais controladas pelo Tesouro Nacional (as principais responsáveis pelas obras e pelos demais investimentos da União) foram chamadas a pagar, no período de 12 meses encerrado em maio, R$ 16,3 bilhões em dividendos a seu principal acionista, mais do que o dobro dos R$ 7 bilhões de 2007.
Trata-se de dinheiro suficiente para quase duplicar os investimentos em refino de petróleo programados pela Petrobras neste ano ou mais que triplicar a verba dos projetos de geração e transmissão de energia elétrica a cargo da Eletrobrás. Para gastar o mesmo montante com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o Tesouro precisou do último um ano e meio.
Os valores resultam de uma estratégia que começou a ser posta em prática um ano atrás, quando o governo decidiu ser menos liberal nas negociações com as empresas e cobrar parcelas maiores de seus lucros. O que mudou de lá para cá foi o papel dessa política.
Na época, o objetivo era usar a política fiscal para retirar dinheiro em circulação na economia e contribuir para o controle de uma inflação em alta da qual ninguém se lembra maisd+ hoje, após o agravamento da crise econômica global e a chegada da recessão ao país, o dinheiro das estatais se tornou imprescindível, isso sim, para compensar a queda da arrecadação de impostos.
O exemplo mais evidente é o das contas do Tesouro no mês de maio, quando os dividendos pagos por empresas como Petrobras, Eletrobrás e Infraero evitaram um inimaginável rombo de quase R$ 4 bilhões no caixa federal -mesmo o déficit de R$ 120 milhões anunciado foi o pior resultado para o período em dez anos.
Impacto da crise
Depois de anos de recordes sucessivos, a arrecadação do governo sofreu mais o impacto da crise global que o conjunto da economia do país. Enquanto o Produto Interno Bruto, ou seja, a renda nacional, caiu 1,8% no primeiro trimestre do ano, a receita de impostos e contribuições de janeiro a maio mostrou queda de 6% em relação ao mesmo período do ano passado, já descontada a inflação.
Não é difícil entender o motivo: o colapso do comércio exterior global afetou principalmente a indústria, que exporta mais que a agropecuária, e o setor de serviços -e também arca com a maior carga tributária.
Já as despesas do governo seguem o plano de expansão traçado há um ano, quando, antes do terremoto financeiro global, o governo elaborou um Orçamento que previa crescimento de 4,5% para o PIB e de 6,8% para suas receitas. Já naquela época estavam decididos reajustes salariais generalizados para o funcionalismo do Executivo e um aumento real de 5,8% para o salário mínimo.
Não por acaso os gastos federais, nos primeiros cinco meses do ano, cresceram a uma taxa de 12%, puxados pela folha de pagamentos e por aposentadorias, pensões, seguro-desemprego e benefícios assistenciais a idosos e deficientes. Essas rubricas significaram custos adicionais de R$ 24,8 bilhões, enquanto os investimentos, privilegiados na retórica oficial, subiram R$ 1,8 bilhão.
Mais dividendos
O novo cenário tornou inviável manter neste ano a meta de superávit primário -a parcela da receita poupada para o abatimento da dívida pública- cumprida, com folga, desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva. E, sem os dividendos das estatais, nem os novos objetivos, menos ambiciosos, seriam factíveis.
Em outubro do ano passado, último mês antes da derrocada das receitas, o Tesouro acumulava um superávit de R$ 92,3 bilhões em 12 meses, e os dividendos, mesmo já em alta, não chegavam a 15% desse total. Em maio deste ano, o superávit acumulado já havia despencado para R$ 37,2 bilhões -e o peso dos dividendos havia saltado para mais de 40%.
Procurado pela Folha, o Tesouro respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que considera mais adequado avaliar as metas anuais para a receita com dividendos: na programação orçamentária deste ano, estão previstos R$ 13,7 bilhões, pouco mais de R$ 600 milhões acima do volume contabilizado em todo o ano passado. No início de 2008, a previsão original era uma receita de R$ 9,5 bilhões.