O Ministério da Saúde prevê que a gestão de 2 mil dos 5 mil hospitais públicos vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) poderá ser modernizada se o Congresso aprovar o projeto que cria as fundações estatais.
O ministro José Temporão disse que continuará lutando pela aprovação, apesar da forte resistência dos governistas, inclusive de parlamentares do PT: “Não temos alternativa. O modelo atual é ineficiente e do século passado.” Em São Paulo, pacientes elogiam o atendimento no Hospital Geral de Pedreira, um dos administrados pelo novo modelo.
Sob forte resistência da bancada governista, incluindo parlamentares do PT, a criação de fundações estatais de direito privado poderia servir para modernizar o modelo de gestão de 2 mil dos 5 mil hospitais públicos vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa é do Ministério da Saúde que, mesmo diante das críticas de sindicatos ao projeto, continua acreditando que estados e municípios vão aderir ao novo modelo.
O ministério informa que cinco estados já têm legislação que permite o funcionamento de hospitais como fundações de direito privado: Rio de Janeiro, Acre, Bahia, Pernambuco e Sergipe.
A fundação estatal dá liberdade ao gestor para contratar funcionários pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), cobrar melhor desempenho e demitir em caso de descumprimento de metas de qualidade.
Na última semana, assessores do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, chegaram a anunciar, em reunião no Conselho Nacional de Saúde, que o ministério iria desistir de aprovar a proposta no Congresso Nacional.
Os sindicalistas comemoraram.
Mas Temporão avisou que mantém a luta pelo projeto, embora reconheça a dificuldade de aprová-lo.
— Não temos alternativa, a não ser perseverar na busca de um modelo novo. O modelo atual é ineficiente, anacrônico e do século passado.
É preciso criar metas, contratos, permitir pagamento de salários mais adequados e profissionais mais capacitados — disse Temporão.
O professor Pedro Barbosa, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), alerta que a criação de fundações não tem a ver com privatização do sistema de saúde. Ele diz que falta clareza no debate sobre o projeto de lei complementar do governo, cuja votação está emperrada na Câmara.
“Uma confusão tem gerado a resistência”
A proposta do governo prevê a criação de fundações públicas de direito privado para gerir atividades em diversas áreas, como saúde, assistência social e cultura. Diferentemente do que ocorre na administração direta, as fundações de direito privado podem contratar pessoal pela CLT (mediante concurso), estabelecer metas de gestão e demitir funcionários (após processo administrativo).
— O fato de ser direito privado não significa, em hipótese alguma, privatização. A norma constitucional permite a existência de empresas estatais, como a Petrobras e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O direito privado significa flexibilidade administrativa, sem eliminar a propriedade pública — diz Barbosa.
— Aí reside boa parte da confusão que tem gerado resistência, como se o governo estivesse fazendo algum movimento de privatização.
Segundo o pesquisador, grandes hospitais públicos driblam a burocracia da administração federal. Fazem isso por meio de fundações de apoio.
Assim, conseguem agilidade para contratar profissionais temporários ou comprar equipamentos, sem se submeter a prazos e exigências legais que, embora destinados a coibir desvios, emperram a máquina pública.
— O foco deve ser a qualidade do serviço, o volume de produção, o cidadão enquanto cliente — diz Barbosa, contando que a Fiocruz recorreu a uma fundação de apoio para contratar temporários e aumentar a produção de vacinas contra a febre amarela, no ano passado.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista, concorda que é preciso melhorar a gestão dos hospitais. Mas ataca a proposta: — É absolutamente inconstitucional.
Ao invés de se contrapor aos mais graves problemas de gestão existentes, ela fortalece esses problemas. Os serviços de saúde sofrem muito pelas indicações políticas nos cargos de comando.
Já temos informações de grupos políticos disputando a direção de fundações. Hoje, essas pessoas esbarram em limites da legislação e têm que se submeter a licitações.
Mas a iniciativa de criar entidades que teriam por objetivo modernizar a gestão da rede pública de saúde não enfrenta dificuldades só na esfera federal. Em Pernambuco, o governo do estado conseguiu aprovação de legislação semelhante, mas até o momento ainda não pôde colocá-la em prática, porque a lei está sendo contestada na Justiça por entidades como o Sindicato dos Médicos de Pernambuco e o Sindicato de Servidores Estaduais de Saúde.
São duas as leis pernambucanas já aprovadas. A Lei Complementar 126, de 29 de agosto de 2008, autoriza a criação de fundações para administrar os hospitais do estado. A Lei ordinária 13.537, de 12 de setembro de 2008, cria a Fundação Estadual de Assistência Hospitalar Josué de Castro — uma fundação pública com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos.
Inicialmente, a Josué de Castro iria administrar o Hospital da Restauração, a maior emergência construída pelo estado, hoje administrada em conjunto com o SUS. O Hospital da Restauração tem 3 mil servidores e 723 leitos. Registra 1,3 mil internações mensais, com 70 cirurgias.
Além disso, faz por mês 10 mil atendimentos emergenciais e 13 mil ambulatoriais.
A estrutura, no entanto, se revela insuficiente para o excesso de demanda. Há dias que o HR tem pacientes espalhados em macas, em cadeiras e até pelo chão.
O advogado dos dois sindicatos, Mauro Feitosa, entrou com ação declaratória de inconstitucionalidade da Complementar 126 junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco. Segundo o advogado, a Constituição estadual determina que a saúde deve ser prestada diretamente pelo estado, complementada por entidades privadas (clínicas e hospitais conveniados pelo SUS) e suplementada por planos (privados) de saúde.
As duas leis foram precedidas por uma série de protestos que incluíram greve de nove dias dos servidores estaduais de saúde. A presidente do sindicato, Perpétua Rodrigues, diz qual é o medo dos trabalhadores: — Os trabalhadores temem ser regidos pelo regime celetista. Atualmente eles são estatutários, os que lhes garante maior estabilidade.