Sua Excelência, a censura

A tese da pretensa neutralidade política, largamente utilizada pelos conservadores para justificar seus atos de intervenção, foi a estratégia desenvolvida pelo Conselho Editorial da Editora da UFSC no artigo “Excelência, autonomia e democracia: a política da EdUFSC”, publicado no Boletim da Associação dos Professores, no dia 13/10/2009. O Conselho tenta se apresentar como um órgão técnico que simplesmente segue o regimento, quando na realidade se utilizou dele para censurar o livro “El terrorismo de Estado en Colômbia”. O regimento permite a censura, já que não diz com quantos pareceres favoráveis um livro deva ser publicado, mas tão somente afirma que a decisão dos conselheiros, que por sua vez são escolhidos pelo reitor, tem a palavra final. Portanto, com este regimento, não haverá “excelência”, tampouco “autonomia” e muito menos “democracia” em nossa casa editorial, porque ele possibilita vetar uma obra por razões político-ideológicas.

Tivemos, pela primeira vez na história da editora, um livro rejeitado pelos seus conselheiros, apesar dos dois pareceres favoráveis à sua publicação, como também, pela primeira vez, um desrespeito à liberdade de pensamento apoiado pela administração central. Coordeno a coleção “Relações Internacionais e Estado Nacional” (RIEN) desde 2003, tendo já passado por duas reitorias. Nenhuma delas censurou as obras da RIEN que trataram de temas histórico-político-militantes, embora o regimento fosse o mesmo de hoje. A atual administração foi a primeira a censurar, abrindo um perigoso precedente em nossa universidade.

O Conselho Editorial afirma, no seu artigo, que “um ou mais pareceres favoráveis a um original constituem condição necessária, mas não suficiente, para que um livro seja publicado”, autodenominando-se “prudente em suas decisões”. Aqui desaparece a democracia, institucionaliza-se a censura e acaba-se com a excelência da casa editorial. O conselheiro passou a ser o “deus ex machina” da tragédia grega, e o professor, para ver seu livro aprovado, necessita, talvez, de influências pessoais. Aliás, fui cobrado, por gente de responsabilidade da editora, sobre o por que não contatá-la pessoalmente para resolver esta questão. Respondi categoricamente que não queria uma solução casuística, mas normas republicanas para todas as publicações.

O Conselho Editorial da EdUFSC também solicita em seu artigo respeito às suas decisões, já que foram tomadas de “forma esclarecida e legítima”. Soa ridícula esta afirmação, já que o Conselho acompanhou o parecer do prof. João Pedro Assumpção Bastos, do Departamento de Engenharia Elétrica (UFSC), contra duas opiniões favoráveis à publicação, sendo uma delas do prof. Hélton Ricardo Ouriques, chefe do Departamento de Economia e do curso de Relações Internacionais (UFSC) e a outra do prof. Paulo G. Vizentini, pesquisador do Departamento de História e Relações Internacionais (UFRGS). O prof. Assumpção rejeitou o livro recorrendo a argumentos comuns e correntes, possivelmente influenciado por leituras da revista Veja, enquanto os professores Hélton e Vizentini ativeram-se a razões teóricas nos campos da história e da política internacional.  Ofende a inteligência mediana o Conselho Editorial se autoproclamar de “alto nível e reconhecido valor acadêmico” e rejeitar, inclusive, um parecer de um especialista na área, aprovando aquele que censura por razões político-ideológicas.  Se isso for sinal de “alto nível”, que o Conselho revele ao público o parecer do prof. Assumpção, para que todos conheçam esta peça teórica de profundo convencimento. Capes e CNPq também o fazem. Na realidade, este Conselho cometeu um desrespeito aos estudantes de história, ciências sociais, relações internacionais e ao público leitor brasileiro, negando-lhes o direito de conhecer o terror de Estado praticado na Colômbia, como também aos funcionários da Editora, que não apenas fazem livros, mas também acompanham seus conteúdos. Pobres conselheiros que maculais a pobres leitores auxiliados por um pobre regimento, diria o Padre Antônio Vieira.

Por fim, preciso esclarecer dois fatos. O Conselho Editorial da EdUFSC  diz “que o professor Rampinelli não pediu reconsideração da decisão do Conselho Editorial pelas vias institucionais legítimas e democráticas”. Tive duas conversas com o diretor-executivo, Luiz Henrique Dutra, sobre o caso da censura. A agenda da secretaria da Editora atesta a minha presença. Em um dos encontros, ele me disse textualmente que não adiantava eu solicitar revisão da decisão, pois tal pedido seria analisado pelo mesmo Conselho e rejeitado, havendo perda de tempo para mim. Afinal, continuou o diretor-executivo, o Conselho é conservador e um livro com caráter “militante” não passa mais por esta casa. Recomendou-me buscar uma editora privada. Fez, inclusive, críticas à gestão passada da Editora que havia publicado muito sobre literatura, como também livros de cunho político. Lembrei a ele, então, que a administração anterior sempre mandava ao coordenador da coleção os pareceres sobre os livros, fossem eles favoráveis ou contrários.

A outra inverdade configurou-se quando o diretor-executivo me afirmou que os três pareceres referentes ao livro “El terrorismo de Estado en Colombia” tinham um ponto comum, qual seja, uma crítica por seu caráter “militante”, fazendo, inclusive, uma defesa enfática desta tese como fator fundamental da não publicação da obra. Penso que ele faltou com a verdade quando me passou esta informação. O prof. Dutra poderia esclarecer esta questão  abrindo os três pareceres e provando que eles realmente desautorizam a publicação do  livro pelas razões que ele alega e mostrando que o equivocado sou eu.

A comunidade universitária não pode ficar refém de um Conselho Editorial autoritário e censor e de um diretor-executivo cumpridor de ordens. Não podemos esquecer que a história da luta contra a censura teve mártires, como também heróis. A ditadura militar, com seu famigerado Ato Institucional nº 5, é uma realidade recente na vida deste país. Lembro, àqueles que pensam que a gravidade dos fatos não lhes toca e que guardam um silêncio bastante parecido com a cumplicidade, o poema de Maiakovski quando diz “… até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada”.

Assim começa a censura…