Pressionados pelos grandes déficits fiscais acumulados para fazer frente à crise econômica, países, Estados e cidades de diferentes partes do mundo estudam privatizar empresas e vender ativos para ajudar a fechar as suas contas. Isso parece ser um paradoxo num momento em que a redução do papel do Estado é citada como uma das causas da atual crise financeira.
Para Alan Auerbach, professor de economia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, as privatizações são sim uma tendência, pois há uma necessidade “urgente de reduzir os déficits”. “Em todo o mundo há uma preocupação crescente, que deve se estender pelo ano que vem.”
O mais recente plano de privatizações a ser anunciado foi o da Polônia. Segundo o ministro das Finanças polonês, Jacek Rostowski, o país pretende privatizar a Bolsa de Varsóvia, companhias de energia e outras grandes empresas estatais. Com isso, a Polônia prevê arrecadar € 8,9 bilhões nos próximos dois anos.
Para Rostowski, as privatizações são necessárias para diminuir a dívida pública, inflada por causa da crise financeira. Sem a venda dos ativos, a relação dívida/PIB ficaria acima do limite legal de 55%.
A dívida da Polônia cresceu de 47% em 2008 para pouco abaixo de 50% neste ano. A maior parte dos países da União Europeia (UE) passa por desafios semelhantes, mas a Polônia sofre pressão particularmente maior porque o limite de 55% consta da Constituição.
O país foi um dos membros da UE que melhor lidou com a crise e deve registrar um crescimento de 1,2% neste ano – o único membro do bloco que evitará a recessão. O déficit fiscal, entretanto, subiu para 6% do PIB, bem acima do limite de 3% que a UE exige de seus membros para manter a estabilidade do bloco.
“Temos a necessidade de levar adiante esse grande programa de privatização. Estou confiante de que não ultrapassaremos o limite de 55%”, disse Rostowski.
Em outras países da UE, o assunto privatização também entrou na agenda dos governos. A Espanha, país fortemente atingido pela crise, mas que implementou um grande programa de privatizações nos anos 90, tem poucas estatais para vender. A chamada “joia da coroa” para o governo socialista do premiê José Luiz Zapatero é a Aena, a empresa que administra os aeroportos do país. O governo estuda abrir o capital da Aena e vender 30% de sua participação. Pretende arrecadar com a privatização parcial cerca de € 10 bilhões.
O Partido Popular espanhol, de oposição, tem em seus planos a adoção de um modelo totalmente privado de administração aeroportuária, ao estilo britânico.
A coalizão de governo na Alemanha, que une democratas-cristãos e liberais, estuda vender alguns ativos, tendo como prioridade as participações que o governo assumiu nos bancos privados durante a crise financeira. Outra proposta é a privatização da operadora de ferrovias Deutsche Bahn.
A Itália também estuda privatizar sua estatal de ferrovias, principalmente para se ver livre da pesada dívida da empresa.
O avanço das propostas de privatização já vem gerando reação. No Reino Unido, o governo do premiê trabalhista Gordon Brown propôs privatizar parcialmente os Correios . O Royal Mail, considerado um instituição no país, é deficitário e precisa de investimentos para modernização.
Mas Brown teve de desistir da proposta por causa da resistência dos sindicatos e de setores de seu próprio Partido Trabalhista. O sindicato do setor ameaçou retirar o apoio ao partido se a venda de 30% de participação do governo fosse adiante. Segundo o sindicato, o emprego de parte dos 190 mil trabalhadores dos Correios ficaria em risco logo numa época de crise.
Apesar de ter desistido dessa privatização, Brown anunciou um plano para vender a ponte de Dartford, em Londresd+ a High Speed One, única linha de trem de alta velocidade do Reino Unido, que une o túnel sob o Canal da Mancha a Londresd+ e 33% de participação britânica no consórcio nuclear europeu Urencoe. Com isso, o governo espera arrecadar cerca de € 20 bilhões.
Segundo previsões do próprio premiê, o déficit fiscal britânico deve chegar a 12,4% neste ano, um dos maiores da UE.
Mas a situação do Royal Mail não é definitiva. O Partido Conservador, favoritos para vencer as eleições de junho do ano que vem, disse que pretende privatizar totalmente os Correios.
Na Rússia, o presidente Dmitri Medvedev sinalizou uma onda de privatizações. Numa reunião com empresário no Kremlin, na semana passada, afirmou que as empresas públicas são “uma forma desnecessária” e “terão que desaparecer”, à exceção daquelas que “funcionam na parte competitiva da economia” e terão de se transformar em sociedades anônimas.
A região administrativa de Moscou já definiu que colocará à venda a participação que tem em empresas como a de distribuição de gás para a capital russa.
Fora da Europa, a tendência de privatizar também avança.
O premiê da Malásia, Najib Razak, disse que o governo pretende “cortar seu envolvimento direto em atividades econômicas” e privatizar empresas sob a égide do Ministério das Finanças ou de outras agências governamentais.
Na América Latina, o presidente mexicano, Felipe Calderón, determinou a extinção da empresa estatal que monopolizava a distribuição de eletricidade na Cidade do México e em Estados vizinhos, devido ao “custo muito alto” trazido para a economia do país.
Calderón conseguiu passar no Congresso um pacote de aumento de impostos e corte de gastos, como forma de compensar a perda da arrecadação com o petróleo e reduzir o déficit orçamentário. O México deve registrar uma contração de seu PIB da ordem de 7,5% neste ano.
E, na maior economia do mundo, os EUA, Estados como a Califórnia, Arizona e Rhode Island, à beira da insolvência, colocaram à venda parques, presídios e terrenos públicos.
Não são apenas os Estados. Diversas Prefeituras também estão estudando a venda de ativos. Chicago, por exemplo, estuda privatizar o sistema de saneamento e vender sua participação na administração dos aeroportos locais.