A ampliação do escopo dos produtos considerados patenteáveis -isto é, passíveis de receberem direito temporário de exploração por monopólio- está provocando reação política e batalhas jurídicas em países desenvolvidos. O debate diz respeito principalmente a possíveis invenções em biotecnologia, farmácia, tecnologia da informação e métodos de negócios, e provoca divisões dentro de governos e entre setores industriais e científicos.
A questão central é em que medida o sistema de patentes, globalizado a partir de 1994 com o acordo Trips da OMC (Organização Mundial do Comércio), contribui para promover a inovação ou pode tolhê-la -ao aumentar o custo dos royalties para os que querem fazer pesquisas e lançar produtos em áreas protegidas.
“A maior parte da literatura econômica sugere que há uma relação de “U” invertido entre a inovação e a proteção por patente. Maior proteção é bom, pelo menos por um tempo. Em algum ponto, porém, a relação se torna negativa. Parte da literatura sugere que o nível ótimo de proteção é menor em países menos avançados”, diz Josh Lerner, especialista em inovação tecnológica da Escola de Negócios de Harvard.
Nos EUA, onde o jornal “Financial Times” identificou uma “pandemia de patentes”, a Suprema Corte realizou no dia 9 a primeira audiência do caso Bilski e Warsaw contra Kappos. Aparentemente banal, ele pode mudar a jurisprudência sobre a área de bens não tangíveis -software, transações financeiras, técnicas médicas-, em que o país é dos poucos que dão proteção patentária.
Bernard Bilski e Rand Warsaw recorrem de decisão que lhes negou patente de um processo que ajudaria a planejar gastos com energia. Um dos juízes da corte chegou a questionar, com ironia, se seu “maravilhoso método de ensinar lei antitruste” seria patenteável.
Gigantes como Microsoft e Google -frequentemente acionadas por pequenas empresas que reclamam ter inventado tecnologias usadas por elas- puseram-se contra os litigantes. Do lado deles, ficaram empresas da área biomédica.
Ataque aos genéricos
Na Europa, um relatório da Comissão Europeia, de julho, acusou farmacêuticas de usar táticas para adiar a entrada de genéricos no mercado, incluindo pedidos de novas patentes para substâncias já protegidas. O documento aponta declínio, nesta década, no lançamento de novos remédios, possível indicação de prejuízo à inovação.
O Escritório Europeu de Patentes defendeu as empresas, afirmando que as patentes ditas secundárias “também são esteio do processo de inovação” e merecem até escrutínio similar ao da substância original.
Na Austrália, a patente conjunta dos genes isolados BRCA1 e BRCA2, nos quais mutações causam câncer de mama, e de um teste para sua identificação, provocou a criação de uma Comissão de Inquérito no Senado, ainda em andamento.
A firma australiana que tem a licença da patente americana argumenta que seus direitos sobre a molécula isolada ou artificialmente produzida não se estendem à encontrada no corpo humano. Ela acabou recuando da cobrança de royalties do maior hospital público para tratamento de câncer.
Problema conceitual
Por trás desses casos está questão difícil sobre o que constitui um invenção e não uma descoberta ou a extensão óbvia de tecnologias existentes -na Lei de Propriedade Industrial brasileira, de 1996, isso é definido “por exclusão”, explica o advogado Luiz Leonardos, da área de marcas e patentes.
Luigi Palombi, da Universidade Nacional da Austrália, defensor de revisão radical do sistema mundial de patentes, afirma que o isolamento de um gene é uma descoberta, posição que é também de Luís Carlos Wanderley, coordenador de Propriedade Intelectual da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Mas a divisão de posições se dá sobretudo em função de interesses. Muitos na comunidade científica, exemplifica o americano Lerner, “se beneficiam por poder comercializar suas ideias, e não poderiam obter fundos para suas pesquisas sem a proteção da patente”.
Por outro lado, diz ele, patentes que limitam pesquisas são preocupantes. “Nos EUA, acabamos com a exceção para a pesquisa, que permitia infringir patentes com esse fim. Há o perigo real de que a proliferação de patentes biomédicas e agrícolas possa coibir inovação nessa área crítica.”
Até os anos 1970, diz Palombi, a maioria dos países europeus -e o Brasil também- só permitia patentes de processos, não de produtos. “A análise histórica mostra que você não precisa do nível de patentes que há hoje para encorajar inovações. É preciso equilíbrio.”