O tema da eleição presidencial está decidido: como o Estado deve atuar?

Em 1930 o Brasil exportava café e importava manufaturados para consumo interno. Continuou sendo, basicamente, uma economia agrícola (agro-exportadora) até 1956, quando a indústria, que crescia ano a ano, superou a agricultura em renda, tornando  o país industrial. Portanto, faz apenas 54 anos que a economia brasileira passou a ser, predominantemente, industrializada. E foi o Estado, a partir de Getúlio Vargas, e não a iniciativa de agentes econômicos privados, que transformou o país em 26 anos.

Um feito e tanto do Estado brasileiro. Com eficientes políticas econômicas para a época, Getúlio decidiu e conduziu esta mudança radical, um modelo que ficou conhecido como “Substituição das importações”. Seguindo, o Estado continuou financiando o capitalismo brasileiro, recuando apenas a partir dos anos 90, com a venda de estatais, e, aos poucos, começou a surgir um novo ambiente econômico, competitivo, mesmo que não tenha a intensidade de países mais avançados.

Agora, com o lançamento da candidata do PT à presidência da República, que terá um adversário do PSDB, partido que tirou a palavra “concorrência” do dicionário e fez dela seu eixo de governo, o tom da campanha é o papel do Estado. Esta eleição será interessante, não apenas pela troca do presidente, mas, sobretudo, pela questão que cada vez mais predomina no mundo: qual seria, mesmo, a função do Estado em países com economia de mercado?

O Brasil apresenta sofríveis indicadores sociais e, economicamente, tem um Produto Interno Bruto (PIB) que deveria ser bem maior diante de sua extensão territorial (quinta do mundo) e população. Em comparação com o  estado da Califórnia, pode-se dizer que os PIBs se aproximam, mas o país tem uma população cinco vezes maior.

Durante os últimos 20 anos o Brasil experimentou, pela primeira vez, uma economia mais descolada dos governos e nada de trágico ocorreu, ao contrário, alguns setores, ligados à tecnologia, se expandiram e mostram eficiência. Na agropecuária, o agronegócio competente (produção de grãos e carnes e um parque de agroindústrias), no setor urbano-industrial, diversos serviços. Contudo, a dualidade brasileira permanece: lado a lado, uma das maiores concentrações de renda do mundo com bolsões de misériad+ tecnologias de ponta com analfabetismo e baixa escolaridaded+ saúde privada versus saúde públicad+ segurança particular versus segurança estatal.

Classes sociais são inevitáveis em um país capitalista, mas o Estado tem o dever, e aí começa seu papel, de, pelo menos, oportunizar a todos três componentes da civilização com o máximo de excelência: educação, saúde e segurança. E um quarto ponto, que também rebate em suas pretensões de desenvolvimento, é a reforma agrária.

Assunto já muito ideologizado, não conta com a objetividade e racionalidade que deveria ter através da imprensa, que noticia fatos, mas não apresenta proatividade para discutir e apresentar entendimentos técnicos diante deste caso que mostra, antes de tudo, uma razão de subdesenvolvimento.

Um país enorme como o Brasil e que no século 21 ainda produz notícias sobre conflitos de terra, está muito aquém do que poderia estar, econômica e socialmente. A questão agrária de hoje significa incorporar ao processo produtivo milhares de brasileiros através do acesso à terra para aumentar – em muito – a produção de alimentos, que devem ser fartos e baratos, fazendo sua parte no crescimento econômico, criando emprego e renda em  regiões do interior. Isto é obviedade em qualquer país desenvolvido, como ocorreu nos Estados Unidos, no século 19.

Em janeiro de 1848 um garimpeiro encontrou ouro na Califórnia e a notícia correu o mundo, entusiasmando milhares de pessoas que foram aos Estados Unidos em busca do metal. De repente, estrangeiros ocuparam o solo  norte-americano, e encontrando ou não o metal que procuravam, acabaram ficando. Após, em 1861, começou a Guerra Civil e o governo de Abraham Lincoln, precisando fazer “caixa”, promulgou no ano seguinte o Homestead Act, emitindo títulos que possibilitavam a compra de 65 hectares por 12 dólares.

Como lembra Charles R. Morris, em seu livro “Os Magnatas”: “Bastava morar nela por cinco anos, construir uma casa e cultivar a terra, e ela era sua, por uma taxa adicional de “comprovação” de US$ 6. Com o tempo, o Homestead Act ajudou a povoar 10% de toda a área dos Estados Unidos continental”.

A conseqüência histórica no Brasil por não ter sido resolvida, desde cedo, a questão agrária, foi a urbanização forçada em grandes centros, no litoral e próximo desse, proporcionando força-de-trabalho abundante e barata, e, por extensão, relativizando a  necessidade de produtividade – e isso se tornou estrutural na economia brasileira, sendo agora corrigida com muito custo.

Ao contrário dos Estados Unidos, onde o capitalismo se desenvolveu em seu hinterland por ações individuais, e isso é antigo, em nosso país foi preciso a intervenção do Estado no século 20 para que a economia tomasse o rumo moderno. Se ele foi capaz disto, também pode, e deve, conseguir, rapidamente, o desenvolvimento de todos os  brasileiros.

* Hélio Ademar Schuch é professor do Departamento de Jornalismo da UFSC