Após o primeiro dia de aula na Universidade de Brasília (UnB), a Associação dos Docentes da instituição (ADUnB) decidiu entrar em greve(1) ontem. A iniciativa foi tomada em assembleia, que reuniu 164 professores, dos quais 157 votaram a favor da greve, seis contra e um se absteve. A paralisação é para preservar a Unidade de Referência de Preços (URP), alíquota de 26,05%, criada em 1989 para correção salarial de professores e funcionários técnicos, que representa uma gratificação, cujo valor varia de R$ 300 a R$ 2,5 mil.
O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) sugeriu alterações na URP, o que implica redução salarial de até 26,05% na folha de pagamento das duas categorias. A proposta do ministério atende orientação do ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com o ministro, a URP não pode ser incorporada ao salário dos professores e servidores, “pois tem natureza de antecipação salarial, sendo devida somente até a reposição das perdas havidas no ano anterior (1988)”.
O voto de Nardes ressalvou que a suspensão do pagamento da URP somente poderá ocorrer após o julgamento do mérito do mandado de segurança coletivo, em que a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, decidiu pela manutenção do benefício. A ADUnB pretende pressionar o Ministério do Planejamento para que cumpra a decisão do Supremo. O Sindicato dos Servidores Técnicos da UnB (Sintpub) também realizou assembleia, mas adiou a decisão de entrar em greve para a próxima terça-feira.
O presidente da ADUnB, Flávio Botelho, explicou que os valores são ganhos judiciais que o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério do Planejamento pretendem eliminar. Segundo ele, desde agosto do ano passado vários professores e técnicos não recebem a URP regularmente. A inconstância no pagamento deixa os funcionários sem saber quanto irão receber no mês seguinte. “O TCU chegou a impugnar aposentados do ganho, mas perdeu a ação na Justiça. Depois, tentou retirar a URP de quem entrou na UnB após 2006. O TCU quer limitar o ganho de alguma forma”, afirmou Botelho.
O coordenador-geral do Sintpub, Cosmo Baldino, explica que a alíquota incide de forma diferente na folha de pagamento dos funcionários. “Quem é mais antigo ganha mais, e sofre um impacto maior. Quem entrou agora sofre um impacto menor. Porém mais de 25% de desconto na folha é pesado de qualquer forma”, queixou-se. Para ele, o Ministério do Planejamento não tem autonomia para alterar ou retirar o valor. “Eles entram com uma tese de ilegalidade, mas a URP é legal”, garantiu.
Segurança
O professor do curso de engenharia Euler Garcia, 32 anos, ainda avalia se a greve foi a melhor saída. Segundo ele, a paralisação só será eficiente se o Câmpus Darcy Ribeiro, na L2 Norte, aderir. Ele lembra que, em novembro de 2009, professores e funcionários entraram em greve para garantir o recebimento da alíquota, que o TCU tentava suspender por medida cautelar, mas o movimento não teve efeito. “Por outro lado, como você vai se sentir sem saber se, no próximo mês, irá deixar de receber um quarto do salário, que usa para viver?”, questionou.
O técnico do Departamento de Ciências da Informação e Documentação, Higor Francis da Silva, 29 anos, que entrou na UnB em novembro último, também alega não saber quanto vai receber. Ele conta que, de lá para cá, teve meses em que recebeu a URP e meses em que não. “Entrei para receber um salário, e vou receber outro. Fica difícil até de comprovar a renda”, reclamou.
O estudante de engenharia Luís Barros não vê a greve com bons olhos, mas ainda assim acredita que se trata de um mal necessário. “Ninguém quer greve, mas querem cortar o salário dos professores. A greve é uma forma de conseguir algo melhor”, argumentou.
De acordo com a assessoria de imprensa da UnB, o reitor José Geraldo de Sousa Júnior, até o fechamento desta edição, não havia recebido um comunicado oficial da direção do movimento. A administração da universidade entende que a greve foi deflagrada contra a redução de salário, e que a ameaça vem de um ofício do Ministério do Planejamento, que mandou proceder uma série de cortes. O reitor enviou, na última segunda-feira, um ofício para o ministro Paulo Bernardo em que alerta que a postura do ministério causa instabilidade na universidade e pede para que não seja implantada qualquer medida antes de uma decisão do STF.
1 – Luta em 2009
“Em agosto do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou em caráter cautelar que a UnB não pagasse mais o acréscimo salarial a servidores que entraram na instituição depois de 2006. Em novembro, professores e funcionários entraram de greve. A paralisação durou até dezembro. O TCU chegou a impugnar aposentados do ganho, mas perdeu a ação na Justiça”
Flávio Botelho, presidente da ADUnB