O Zé, amigo e companheiro de décadas, telefonou para mim, espantado.
– Finco, como é que pode um jornal de professores universitários publicar um artigo como este?
Ele se referia a um artigo publicado no Boletim da Apufsc, que usa um torturador como referência bibliográfica.
– Olha, Zé – respondi – nosso boletim é democráticod+ procuramos não exercer nenhum tipo de censura…
– Mesmo quando é uma idiotice destas, Finco?
– Zé, se trata de um professor universitário, então não dá para dizer que ele seja um idiota, não acha? Idiota é uma palavra latina muito precisa e se refere a um estado quase angelical.
– Então é imbecil. Ou esta palavra também se refere aos anjos?
– Olha, Zé… Fica difícil. Não me coloque em uma saia justa, por favor…
– Você não vai responder, Finco?
– Não, acho melhor deixar assim mesmo. Só daria pano para mangas.
– Pois eu responderia, me disse ele.
– Ah, é? E como você responderia?
Agora, foi a vez dele vacilar.
– Pois é… Talvez você tenha razão. A resposta teria que ser no mesmo nível… Como é que pode? Será que ele sabe que o golpe de primeiro de abril cassou e expulsou o César Lattes da Universidade? O mesmo Lattes que dá o nome ao tipo de currículo tão prestigiado entre vocês? Ou que expulsou o Darcy Ribeiro, ou o Pinheiro Machado, que introduziu o método Voisin no Brasil, entre outras barbaridades que aqueles golpistas boçais fizeram?
– Talvez ele não saiba, Zé. Afinal, professores universitários não têm a obrigação de saber de tudo, não acha?
– Mas, Finco, utilizar o nome de um torturador boçal como fosse pessoa responsável academicamente… Isto não é deseducação?
– Aí não posso deixar de concordar contigo…
– E tem mais: isto não tornaria o autor do artigo cúmplice de um torturador? Tortura é crime inafiançável, como você deve saber.
– Ô Zé, não exagere…
– Exagero? No mínimo pode ser interpretado como apologia à tortura, e isto é crime.
– O que você quer que eu diga?
– A verdade. É pedir muito?
– Zé, a gente vive tempos em que a verdade anda meio sem jeito.
– Mesmo na Universidade?
– Em alguns casos, Zé, por triste que pareça, mesmo na Universidade. Talvez, principalmente na Universidade
– Mas, se deixar assim, isto não pode prosperar?
– Pois é: aí é que está: acho que deixar assim é a melhor forma de que este tipo de coisa não prospere.
– Não sei não, Finco.
– Ô Zé, vamos mudar de assunto: como é que tá o pessoal aí na tua casa? Quando vamos pescar de novo?
– Tá todo mundo bem… Quem sabe em maio a gente vai pescar. Faz uns dias magníficos. E o nosso amigo Iotti, não vem pescar com a gente?…
Nesta altura, acabou a carga da bateria de meu celular e a ligação foi interrompida. Estes amigos…