O Estado é omisso nos casos de irregularidades em concursos públicos. Sem uma legislação para que o governo fiscalize o que as organizadoras fazem, cabe aos órgãos contratantes ficar de olho no cumprimento do edital, a “lei” das seleções de servidores. Na prática, porém, ninguém faz a sua parte. Diante da enxurrada de problemas que se tem visto nas provas, são raros os casos de rompimento de contratos em função de erros cometidos pelas bancas examinadoras. Nos últimos seis meses, de seis concursos federais com falhas, somente a Polícia Rodoviária (PRF) dispensou a empresa responsável por organizar o concurso, a Funrio.
“A Administração Pública pode evitar diversos problemas que vão parar na Justiça”, afirmou o procurador federal Agapito Machado Júnior. Ele explicou que cabe às entidades governamentais interessadas nos servidores públicos fiscalizar a lisura e a transparência do processo, conforme princípios constitucionais. “Se há vícios na seleção ou desrespeito ao edital, o órgão deve interromper e consertar o problema antes que deságue na Justiça”, acrescentou.
Para o procurador, os administradores públicos podem usar o preceito de autotutela para agir em casos como os ocorridos nas recentes provas dos ministérios dos Transportes e da Cultura. Ele reconheceu que a Advocacia-Geral da União (AGU) costuma orientar todos os órgãos a evitarem possíveis erros nas seleções, mas nem sempre quem está à frente das instituições acata as recomendações. No caso do concurso dos Transportes, os candidatos de nível superior receberam provas de nível médio, o que causou tumulto e pedido de anulação.
Pelo segundo domingo consecutivo, os concurseiros tiveram problemas ao realizar provas. Cerca de 15 inscritos na disputa por uma vaga de agente administrativo no Ministério da Cultura ficaram de for a depois que receberam o endereço errado do local de prova. O grupo se apresentou na 616 Norte e o local certo era a Unieuro, na 916 Norte. Revoltados, eles registraram ocorrência na delegacia mais próxima e procuraram a Procuradoria da República no Distrito Federal.
No mesmo local, Aglair Isabel da Penha e Adriane Michelf Brito foram induzidas ao erro pela fiscal Patrícia Silva. As duas pediram atendimento especial — Aglair é deficiente físico e Adriane está com dificuldade de locomoção temporária. Elas foram colocadas sozinhas na sala 5. Às 11h30, a fiscal informou que faltavam 30 minutos para o término da prova. Mas o prazo limite era às 13h, o que Aglair só descobriu depois de deixar a sala com o caderno de questões e discutir com uma funcionária da organizadora do concurso — o Instituto Movens.
A candidata foi orientada a voltar para a sala. “Eu ia deixando a sala quando soube que teria mais uma hora. Entregaram novos cartões de resposta para terminarmos a prova, mas não havia nenhum clima para responder o que quer que seja”, reclamou Adriane. Ao fim do novo prazo, as candidatas redigiram uma carta à organizadora. De posse desse documento, na manhã de ontem, registraram ocorrência no 2º Distrito Policial. “Pode não resolver nada, mas não vamos deixar barato”, garantiu Aglair. A seleção recebeu 42.354 inscrições para as 226 vagas de cargos de níveis médio e superior.
O outro lado
O Instituto Movens assegurou que nenhuma irregularidade foi registrada nos locais de prova. Em nota, o Ministério da Cultura afirmou que não anulará a seleção, pois uma análise técnica, realizada pelo Movens, concluiu que os horários e os locais foram informados de maneira correta no edital de 17 de abril. E mais: “É de responsabilidade exclusiva do candidato a identificação correta de seu local de prova, bem como o comparecimento no horário determinado”.
AGU desrespeita decreto federal
A Advocacia-Geral da União (AGU) teve autorização para desrespeitar o Decreto nº 6.944/2009: vai reduzir de 60 dias para 30 dias o prazo mínimo entre a publicação do edital e a realização da prova do concurso que oferece 120 vagas para a área administrativa. Em portaria publicada ontem no Diário Oficial da União, o órgão atribui a mudança às “necessidades específicas e emergenciais”, para que o processo seletivo seja homologado antes do impedimento eleitoral, que começa em 3 de julho.
Os cargos pertencem ao Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE) e contemplam profissionais com níveis médio ou superior. São 49 vagas para administradores, 11 para contadores e 60 para agentes administrativos com salários entre R$ 2.064 e R$ 2,6 mil. A autorização concedida pelo Ministério do Planejamento, em 16 de abril, prevê a nomeação dos novos servidores a partir de julho, mediante nova permissão.
O órgão quer acelerar a seleção. O último concurso para área administrativa da AGU ocorreu em 2006, quando foram oferecidas 334 chances para profissionais graduados em contabilidade, engenharia, administração e estatística. Os salários iniciais eram de R$ 3,1 mil. Os candidatos foram avaliados por meio de provas objetivas de conhecimentos gerais e de temas específicos. (LN)