Papéis trocados

Não é segredo que corporações cada vez mais poderosas dependem da geração de conhecimento para garantir um diferencial competitivo no mercado. Para isso, apostam na educação dos seus funcionários, fornecedores e terceiros. Neste contexto as Universidades Corporativas apareceram e ganharam destaque.

Mas, se no início da onda das Universidades Corporativas as empresas estavam mais preocupadas com treinamento e formação para enfrentar lacunas na formação de mão de obra dos seus próprios funcionários, colaboradores ou terceiros, hoje cresce o número de organizações desse tipo que desenvolvem pesquisa acadêmica. As consequências da prática, contudo, estão longe de ser um consenso entre especialistas e professores.

Pesquisa problemática?

Para alguns, existem problemas práticos na realização de pesquisa acadêmica no meio corporativo. Osvaldo Quelhas, professor da Universidade Federal Fluminense e um dos autores do artigo Universidade Corporativa x Universidade Tradicional: ameaça ou nova possibilidade de capacitação profissional?, vê um problema estrutural nesse modelo. Segundo ele, os paradigmas nos dois casos são completamente diferentes quando se fala em pesquisa – e isso afeta diretamente o resultado.

“Se uma instituição financia a pesquisa, ela define objetivos e metas a serem alcançados de forma pragmática. As pesquisas nos centros de pesquisa tradicionais, com financiamento governamental, tendem a ser imparciais e mais criativas”, defende. Para ele, a vinculação da pesquisa com o objetivo da empresa é um problema nas entrelinhas nesse tipo de pesquisa.

“Um funcionário que faça um curso de pós-graduação lato sensu ou strictu senso desenvolvido e certificado por sua universidade corporativa terá menos autonomia para realizar críticas e abordagens mais criativas para formular soluções. Apesar das boas intenções das universidades corporativas, fazer pesquisa requer um ambiente livre de hierarquias”, acrescenta.

Fim do monopólio

Esse tipo de opinião, no entanto, está longe de ser unanimidade. Para Rita Maria Tarcia, professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo e consultora em educação corporativa, as UCs podem sim produzir conhecimento com pesquisa acadêmica. “Hoje, a produção de conhecimento não é mais monopólio das universidades tradicionais”, afirma. Na opinião dela, as Universidades Corporativas são, em geral, mais rápidas na produção de conhecimento do que as universidades tradicionais, e a ligação com o mercado de trabalho não significa necessariamente um impedimento para a produção de pesquisa acadêmica. A professora destaca, contudo, que é possível ocorrer o conflito de interesses. “As UCs geram pesquisas para elas mesmas e a hierarquia empresarial pode, sim, prejudicar os resultados, mas tudo depende de cada caso individual. Não é possível generalizar neste tema”, alerta.

Oscar Hipolito, ex-diretor do departamento de Física da São Carlos e pesquisador do Instituto Lobo, não acredita na competição entre esses dois mundos quando o assunto é pesquisa. Para ele, a pesquisa acadêmica strito e lato sensu não é nem a função e nem de interesse da Universidade Corporativa, já que o objetivo da empresa com a pesquisa é mais prático. “A pesquisa acadêmica é algo extremamente caro e há o risco de o resultado não ser o que se esperava. Nada impede que uma UC contrate profissionais titulados para fazer pesquisa acadêmica tradicional, mas seria do interesse da empresa?”, questiona.

Parcerias

A professora Marisa Eboli, da FEA/USP, concorda que a quantidade de pesquisas realizadas pelas Universidades Corporativas no Brasil ainda é muito baixa. “São poucos os projetos de pesquisa acadêmica nas Universidades Corporativas. A geração de conhecimento ainda é baixa se comparada com as UCs de países como Estados Unidos e Índia”, comenta. O que não para de crescer, ressalta, é um modelo heterogêneo que coloca as Universidades Corporativas e as Universidades Tradicionais lado a lado em projetos que são anunciados com muita publicidade: as parcerias. E é neste ponto que a polêmica relacionada com a Universidade Corporativa parece diminuir. Há quase uma unanimidade entre os especialistas e professores sobre os benefícios das parceiras entre as UCs e as Universidades Tradicionais. No geral, acreditam, os dois lados ganham.

“As parcerias são enriquecedoras para as duas partes”, resume Rita Maria Tarcia, da Universidade Federal de São Paulo. Para ela, a universidade tradicional traz o rigor acadêmico e seus profissionais titulados, além de receber recursos que podem ser aproveitados de várias maneiras ao mesmo tempo que fica mais perto do mercado. “É um modelo que se ajusta e equilibra, trabalha os seus limites e possibilidades de maneira inteligente”, acrescenta.

Mercado

A opinião é compartilhada pela professora Marisa Eboli. Segundo ela, os projetos com mais sucesso de Universidades Corporativas hoje já contam com uma estratégia bem definida de parceria.

“A aproximação é bem-vinda. Um não veio para acabar com o outrod+ na prática, um não deve existir sem o outro”, acredita. As empresas ganham mais profundidade conceitual, defende, enquanto a academia tem a produção dos seus pesquisadores mais concreta.

Ainda assim, ressalta Quelhas, da Federal Fluminense, é preciso manter-se atento para evitar uma sobreposição da Universidade Corporativa sobre a Universidade Tradicional. “[Há o risco de uma] mudança de foco, forçada pelo mercado, da produção e transmissão de conhecimento como bem social para uma ênfase na produção de conhecimento como um bem de mercado”, acredita o professor.

Ele vê efetivamente possibilidade de a universidade passar de “uma instituição aberta, questionadora e relativamente livre, comprometida com a disseminação ampla de conhecimento, para uma instituição fechada e preocupada com os aspectos comerciais e de segurança dos seus parceiros públicos e privados”.

Só no futuro será possível identificar se houve efetivamente uma sobreposição das universidades ditas tradicionais pelas corporativas (ou vice-versa) ou se houve uma coexistência pacífica entre elas. De qualquer maneira, o cenário aponta para mudanças em médio e longo prazo.

Empresas querem investir mais em 2011

De acordo com pesquisa realizada pela consultoria Deloitte com 130 empresas, 83% das companhias devem investir em formação técnica no nível operacional em 2011, devido à falta de profissionais especializados. O líder da prática de gestão de talentos e remuneração no Brasil e na América Latina da consultoria Aon Hewitt, Willian Bull, prevê para 2011 um grande investimento na formação de mão de obra técnica, com foco na reciclagem de profissionais de nível superior. A diretora adjunta do FGV in company, Goret Pereira Paulo, acredita que a maior demanda continuará sendo por programas que ofereçam aos participantes uma visão abrangente da organização, como cursos de gestão de negócios.

Para o retorno valer

Criada em 2003, a Valer, da Companhia Vale do Rio Doce, investiu RS$ 210 milhões em educação corporativa nos últimos três anos. Os números de treinamento são altos: 39.969 funcionários treinados em 1.067.900 horas. Além de treinamento de profissionais sem graduação, estágio e trainee, a Valer oferece também programas de formação com especialização (em temas específicos como áreas de mineração e ferrovia ou em projetos). Entre as universidades parceiras da Valer está a Fundação Dom Cabral.

GE prevê US$ 100 milhões na UFRJ

No início de novembro de 2010, a General Electric anunciou que vai investir US$ 100 milhões na criação de um centro de pesquisas no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com previsão de conclusão em 2012, o centro deve empregar 200 pesquisadores e engenheiros que vão focar sua atenção em tecnologias para as indústrias de óleo e gás, energias renováveis, mineração, transporte ferroviário e aviação. A unidade brasileira do centro será a quarta fora dos Estados Unidos e se junta aos centros que já existem na Índia, na China e na Alemanha. O centro será gerenciado em sistema de parceria com o Instituto Alberto Luiz Coimbra de pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ.