Um dos principais objetivos da auditoria externa na folha de pagamento dos servidores do governo federal, que será feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV), é identificar irregularidades ocorridas no pagamento de sentenças judiciais, segundo informaram fontes governamentais. O governo tem fortes indícios de que vários órgãos da administração federal estão estendendo a todos os funcionários uma vantagem obtida na Justiça por um determinado servidor, o que resulta em enriquecimento ilícito e elevados custos para os cofres públicos.
Essas sentenças judiciais estão relacionadas, em boa parte dos casos, a perdas salariais decorrentes de planos econômicos de combate à inflação, os chamados “planos heterodoxos”.
O exemplo mais gritante dessas irregularidades ocorreu em algumas universidades públicas federais, cujas reitorias estenderam os 26,06% da Unidade de Referência de Preços (URP) – índice utilizado durante o Plano Verão para a correção de preços e salários -, que um grupo de servidores ganhou na Justiça em 1989, a todos os seus funcionários, até mesmo àqueles que ingressaram nas instituições muito depois daquele plano econômico.
A auditoria contratada pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, vai abranger todos os servidores civis ativos e inativos e fazer uma “varredura completa” em 1,65 milhão de matrículas atualmente existentes. A matrícula é o número que identifica o servidor no Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape). Uma pessoa pode ter mais de uma matrícula. Os militares ficarão fora dessa auditoria.
A Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento realiza periodicamente auditorias na folha de pagamento dos servidores do Executivo. Em 2009, por exemplo, uma auditoria feita na Universidade Federal do Acre identificou o pagamento irregular de decisão judicial para 250 servidores ativos e 220 aposentados, com uma despesa a mais de R$ 3 milhões em um único mês.
No ano passado, cumprindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério do Planejamento informou que iria proceder ao pagamento da URP apenas para os servidores beneficiados pelas decisões judiciais na Universidade de Brasília (UnB).
Em 1991, o índice de 26,06% da URP foi estendido, por decisão administrativa da reitoria da UnB, a todos os docentes e servidores técnico-administrativos da universidade, como se fosse uma gratificação.
A decisão do Ministério do Planejamento de pagar a URP apenas aos funcionários beneficiados pelas decisões judiciais provocou uma greve geral na UnB. As entidades dos servidores conseguiram duas liminares do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspenderam a decisão do Planejamento. Dessa forma, os servidores daquela instituição de ensino continuam recebendo indevidamente a URP. Ainda não houve julgamento do mérito das ações no STF.
A situação das universidades públicas federais será inteiramente conhecida nas próximas semanas, pois a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento está concluindo uma auditoria que cobriu 96% das folhas de pagamentos dessas instituições de ensino.
Não são apenas as universidades que apresentam esse tipo de problema com o pagamento de sentenças judiciais. Auditorias feitas pelo TCU já constataram irregularidades em pagamentos salariais no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outros órgãos.
Os auditores do TCU verificaram que houve um desvirtuamento ao se cumprir as sentenças judiciais relativas aos planos econômicos (principalmente Plano Collor e Plano Verão/URP), na aplicação continuada de índices percentuais sobre todas as parcelas integrantes de remuneração dos servidores.
Os índices de reajustes devidos ao Plano Collor (84,32%) e Plano Verão (26,06%) passaram a ser aplicados, ao longo do tempo, sobre gratificações e parcelas da remuneração que não existiam na época em que houve as decisões judiciais. Além disso, o TCU constatou que o benefício obtido por alguns servidores foi estendido a todos os funcionários do órgão, até mesmo para aqueles que ingressaram no serviço público muito tempo depois das sentenças judiciais.
Em 2005, os auditores do TCU estimaram um prejuízo mensal aos cofres públicos de R$ 9,1 milhões apenas para as sentenças estudadas por eles. Em um ano, o prejuízo alcançaria R$ 118,7 milhões. A auditoria que a Fundação Getulio Vargas fará na folha de pagamentos abrangerá todos os órgãos do governo federal e poderá chegar a um valor muito mais elevado.