Mecanismo que poderia ajudar a punir fraudes nos gastos dos governos com educação, a chamada Lei de Responsabilidade Educacional (LRE) foi retirada do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que vai definir justamente as prioridades para o setor nos próximos dez anos. A LRE, que cria uma “ação civil pública de responsabilidade educacional” e fazia parte das discussões do plano, foi retirada para não atrapalhar o andamento do projeto de lei do PNE. Passou a integrar outro PL, de número 8.039/2010. Com tramitação separada, o texto já começa a enfrentar obstáculos no Congresso, como o pedido, na última semana, de apensamento de pelo menos outros sete projetos.
Como O GLOBO mostrou ontem, R$17 bilhões repassados do governo federal a estados e municípios de 2007 a 2010, via Fundeb, não têm órgão específico que fiscalize sua aplicação. O vácuo de controle dá margem a fraudes como uso de dinheiro da merenda para compra de uísque em Alagoas e deterioração de computadores que estão sendo destruídos por cupim em escola no Piauí.
A proposta da LRE afirma que a ação civil pública de responsabilidade educacional “tem como objeto o cumprimento das obrigações constitucionais e legais relativas à educação básica pública, bem como a execução de convênios, ajustes, termos de cooperação e instrumentos congêneres”.
A retirada da responsabilização do PNE deixou uma lacuna no plano – diz Mozart Ramos, conselheiro do movimento Todos pela Educação.
O movimento criou este ano um grupo de trabalho para tratar da LRE, que se reunirá no dia 25 deste mês e fará seminário em Brasília em setembro. Responsável por esse grupo de trabalho, Priscila Cruz, diretora-executiva da entidade, diz que o trecho do PL que inclui as “obrigações constitucionais e legais relativas à educação básica pública” na abrangência da ação civil pública faria com que desvios e fraudes envolvendo verba do Fundeb, por exemplo, fossem abarcadas pela LRE.
Sanções não estão detalhadas
Carlos Abicalil, secretário de Articulação com Sistemas de Ensino do Ministério da Educação, e que está tratando do acompanhamento do novo PNE, diz que a retirada do tema da responsabilização teria ocorrido porque o governo não quis misturar sanção civil com metas de desempenho:
Houve o entendimento de que essa matéria de responsabilização civil não caberia num plano de metas, que ela deveria ter projeto próprio.
Porém, para profissionais do setor e parlamentares que cuidam do plano na Câmara – no dia 7, foi oficialmente criada a comissão especial do PNE na Casa -, o objetivo do governo foi agilizar o andamento do plano.
– O governo, para não atrasar o plano, tirou essa polêmica. Há parlamentares que defendem a LRE, outros que acham melhor incluir o tema na Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso ainda vai dar muito debate – diz o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), presidente da comissão especial do PNE.
Além de correr o risco de ter tramitação lenta, a LRE, como está no PL 8.039/2010, precisaria de emendas ou de um substitutivo que detalhasse melhor as sanções, afirma Priscila Cruz:
– Ele não detalha pontos como punição. Quem cometer falhas na educação vai ser impedido de se candidatar de novo? Vai sofrer corte de verbas?
O PL também exclui das obrigações relativas à educação “o alcance de metas de qualidade aferidas por institutos oficiais de avaliação”. Isso faria, por exemplo, com que fique de fora o não alcance de boas notas no Ideb.
– Mas, se o aluno não aprende, alguém tem que responder por isso – destaca Priscila. – O atual projeto da Lei de Responsabilidade Educacional está aquém do seu nome.
Reportagem publicada no dia 12 de abril de 2011