Em janeiro, cerca de 900 estudantes inauguram a fase mais vistosa de um novo capítulo na história da Escola de Negócios de Harvard, templo do ensino de administração. Divididos em 150 equipes, eles permanecerão pelo menos dez dias em empresas de 14 cidades, a maioria delas em países emergentes. A premissa é dar experiência prática (e acima de tudo internacional) aos futuros líderes de negócios. São Paulo terá participação especial no projeto. Receberá 96 alunos, que analisarão como são feitos negócios em 12 empresas.
Pode parecer apenas outro programa de MBA internacional. Em se tratando de Harvard, é uma guinada histórica, a maior desde que a escola criou sua principal grife, o modelo de estudos de caso. Boa parte das grandes escolas de negócios do mundo imitou o modelo, que tinha um quê de revolucionário. A proposta de ensinar conceitos de administração analisando casos concretos de empresas ou de situações de mercado deu protagonismo aos alunos – isso em 1918, dez anos depois da criação da Harvard Business School (HBS).
Agora, Harvard propõe o field method, ou método de campo. Para isso, montou uma operação de logística que começou pela seleção de empresas em quatro continentes.
O Field Project tem três módulos. O primeiro começou em setembro, quando os novatos da turma do MBA 2012 foram divididos em equipes globais (o grupo tem alunos de 73 nacionalidades) e começaram a analisar dados dos países e empresas que visitarão.
“As companhias indicaram projetos nos quais estão interessadas, que envolvem algum tipo de inovação, em produto ou processo, e precisam ser destinados ao mercado consumidor”, diz Gustavo Herrero, que dirige em Buenos Aires um dos seis centros internacionais de pesquisa da HBS. “Queremos que eles tenham uma imersão verdadeira, entrem em contato com consumidores, tenham um feeling pelo elemento humano do negócio.”
Para isso, a escola selecionou uma mistura de companhias locais, regionais e multinacionais. Definiu como base do programa 12 cidades no exterior: San José (Costa Rica), Buenos Aires, São Paulo, Istambul, Varsóvia, as indianas Mumbai e Chennai, as chinesas Xangai e Chongqing, Ho Chi Min (Vietnã), Acra (Gana) e Cidade do Cabo. As americanas Boston, onde está o câmpus da HBS, e New Orleans serão usadas para alunos que, por motivos pessoais, não puderem deixar os Estados Unidos.
Depois que voltarem a Boston, os estudantes terão de apresentar modelos de negócio concretos. “A terceira parte do Field Project é fazê-los refletir sobre o que aprenderam nas viagens e de fato entregar um produto ou serviço verdadeiro”, diz Brian Kenny, responsável pelas áreas de Comunicação e Marketing da universidade. “Até criamos “bolsas”, nos quais estudantes vão investir nos projetos dos colegas.”
Por trás do field method está um franzino engenheiro que se tornou professor de administração, Nitin Nohria, e hoje encarna os desafios da HBS. Engenheiro de formação e pesquisador em administração, destacou-se pela defesa da ética nos negócios, ponto central do debate que se seguiu à crise financeira de 2008 – ano em que assumiu o cargo. Além disso, o homem que se propõe a acelerar a internacionalização de Harvard nasceu na Índia.
Nohria participa de evento da Fundação Estudar, em São Paulo: ‘sensibilidade global’
“Construir capacidades amplas de liderança, construir o que eu chamo de sensibilidade global, de ir para um país e ser capaz de dimensionar, entender o contexto, saber no que ele é diferente daquele ao qual você se habituou”, disse Nohria, que visitou São Paulo em agosto, a convite da Fundação Estudar. “É isso que esperamos que o trabalho de campo cultive em nossos estudantes.”
Mas é mais do que isso. O field method é uma das chaves para a sobrevivência da HBS a longo prazo no topo do ensino de administração no mundo. “Por mais de cem anos fomos uma grande instituição americana no grande século americano”, disse Nohria. “Como ainda poderemos ser líderes no que será, inevitavelmente, um século global?”
De olho
As escolas de negócios brasileiras acompanham atentamente as mudanças em Harvard. “Os Estados Unidos sempre se consideraram o centro da geração de conhecimento e das melhores práticas administrativas no mundo. Agora estão percebendo que a expansão dos negócios depende de conhecer em profundidade a cultura empresarial nos mercados emergentes”, avalia o coordenador do MBA Executivo Internacional da FIA, James Wright.
Embora vejam com bons olhos a reorientação do projeto pedagógico de Harvard, as escolas daqui vão continuar mandando seus alunos para fora sobretudo por meio de parcerias com outras instituições de ensino. Isso porque atendem a perfis diferentes de clientes: o MBA americano equivale a um mestrado e exige dedicação integral, enquanto no Brasil o MBA funciona como uma pós-graduação lato sensu com duas aulas por semana, em média.
Se o aluno do MBA em Harvard tem 27 anos e não trabalha, quem faz MBA executivo no Brasil já passou dos 30 e ocupa cargos importantes nas estruturas das empresas. O que representa uma vantagem, já que o conhecimento adquirido no curso pode ser aplicado imediatamente. “Nosso aluno encontra-se em outro nível de experiência profissional”, resume o diretor acadêmico da Business School São Paulo, Armando Dal Colletto.
Para a diretora acadêmica de pós-graduação do Insper, Letícia Costa, as mudanças promovidas por Harvard aproximam a escola da realidade atual do mercado de trabalho – em que o desemprego bate níveis recorde nos países desenvolvidos e sobram vagas para profissionais bem capacitados nos emergentes. “Hoje os brasileiros preferem fazer MBA aqui porque, segundo eles, o “custo de oportunidade” de parar de trabalhar é muito alto, por causa da economia aquecida.”
As próprias empresas reforçaram a política de financiar os estudos de funcionários após perceber a necessidade de qualificar os executivos para enfrentar os desafios de um mercado cada vez mais global.
Na Fundação Dom Cabral, de Minas, as mensalidades de 90% dos alunos do MBA são pagas diretamente pelas companhias. A instituição tornou-se um exemplo internacional de como opera uma relação bem azeitada entre escola, executivo e empresa. Não à toa, ficou em terceiro lugar no ranking do jornal Financial Times que mede a qualidade da educação executiva customizada, concebida para atender a necessidades específicas de cada empresa.
Segundo o diretor de desenvolvimento da Dom Cabral, Paulo Resende, a realidade das empresas brasileiras serve de mote para casos discutidos em sala de aula e outras atividades do curso. “Acompanhamos de perto a internacionalização de nossos clientes, como quando a Embraer foi para a China, a Gerdau para os Estados Unidos e a Vale para a África, porque temos alunos dessas empresas.” Paulo afirma que a escola privilegia a formação prática para devolver às companhias profissionais mais bem preparados tecnicamente.
Mãos à obra
Em escolas de negócios brasileiras consultadas pelo Estadão.edu, não há iniciativa semelhante à de Harvard. Mas existem projetos pontuais com o mesmo foco, ainda que em escala infinitamente menor. O Insper, por exemplo, fechou uma parceria com as Universidades Nova de Lisboa e Católica Portuguesa para oferecer uma disciplina em que alunos do MBA das três instituições devem resolver um problema real de empresas com negócios no Brasil e em Portugal.
A primeira edição do International Lab – como é chamada a matéria eletiva – ocorreu entre julho e agosto deste ano. Foi formado um time com três alunos do Insper e três portugueses. Nas primeiras duas semanas, o grupo se reuniu em São Paulo. Depois, a equipe passou quatro semanas trabalhando à distância e, por fim, teve mais duas semanas para concluir e apresentar o projeto, em Lisboa, a representantes do grupo hoteleiro Pestana.
“Normalmente os alunos discutiriam o caso em sala, mas tiveram a oportunidade de trabalhar com pessoas de outra nacionalidade, usar conceitos e ferramentas aprendidos ao longo do curso e se comunicar em nível de top management”, diz Letícia Costa, do Insper.
Para Michel Bernardo da Silva, de 30 anos, a experiência de participar do International Lab foi importante para conhecer a maneira como pensam e trabalham os portugueses. Ele tirou folga do Banco Itaú, onde atua como coordenador de análise de mercado, para viajar a Lisboa. “Fiquei orgulhoso de ver que não sabíamos quase nada de hotelaria e conseguimos fazer uma proposta elogiada pelo Pestana”, diz. Michel termina o MBA no fim do ano.
No Instituto Coppead de Administração, da UFRJ, os alunos do mestrado em Administração (o equivalente ao MBA americano) podem cursar uma disciplina optativa durante as férias de verão cujo objetivo é prestar consultoria a uma empresa. A matéria Projetos Multiculturais tem duração de uma semana e é realizada em parceria com a Universidade de San Diego, que envia alunos de MBA para uma temporada de estudos no Rio, entre o primeiro e o segundo ano do curso.
São formados grupos de cinco ou seis pessoas, entre brasileiros e americanos. Cada equipe pega o projeto de uma empresa diferente – há de multinacionais a startups, que submetem seus problemas ao Coppead. Toda a comunicação deve ser feita em inglês, inclusive o relatório final, em que os alunos precisam escrever quais conceitos utilizaram na resolução das questões.
“Ao fim do primeiro ano os alunos estão com uma bagagem muito boa. Já trabalharam bastantes casos e fizeram uma série de pesquisas de campo”, afirma a coordenadora de pós-graduação do Coppead, Denise Fleck. “As empresas acham os resultados fantásticos e costumam participar novamente.”
Raphael Assayag, de 31, matriculou-se na disciplina no início deste ano. Junto com os colegas, pegou o projeto de uma startup de energia eólica, que pediu ajuda para resolver falhas de logística, estoque e fluxo de processos. Mas o grupo detectou outro problema, o da comunicação com o cliente. “Percebemos que poderíamos ajudar muito mais a empresa revendo o posicionamento dela no mercado”, explica Raphael, formado em Ciências Contábeis pela Federal do Amazonas e com MBA Executivo em Marketing pela ESPM de São Paulo.
Em uma semana, a equipe rebatizou os produtos, que tinham nomes técnicos, repaginou a identidade visual da empresa e até sugeriu um novo esqueleto para o site – onde ocorria grande parte dos contatos entre a companhia e possíveis clientes. “Conseguimos surpreendê-los”, diz Raphael, que está concluindo a dissertação.
“É interessante quando a gente volta ao mercado, mesmo que por uma semana, porque vemos as coisas de uma forma muito mais clara. E é bom que isso aconteça inserido no contexto acadêmico, em que você pode se expor mais do que no dia a dia de uma empresa. Dá para perceber que o retorno é positivo quando você arrisca.”
Outra possibilidade para os alunos do mestrado do Coppead é fazer um summer job de seis semanas em empresas brasileiras. Apesar do nome, importado do hemisfério norte, o estágio ocorre entre maio e julho. Ao fim do período, as companhias que recebem os estudantes entregam uma avaliação de desempenho.
O summer job é comum nas escolas de negócios americanas e europeias que oferecem o MBA em tempo integral. Quando o engenheiro Murilo Carrazedo, de 43, fez o mestrado na Manchester Business School, na Inglaterra, entre 2003 e 2004, tirou as férias para estagiar na DHL, gigante do setor de logística e correio expresso. Passou três meses na Bélgica trabalhando com um chefe croata e funcionários da Áustria, Alemanha e Finlândia.
“Meu projeto era integrar as forças de vendas após uma série de aquisições de empresas que não se falavam”, explica Murilo. Depois ele fez um trabalho de conclusão de estágio para apresentar os resultados à escola. Hoje, sete anos depois, Murilo coordena a admissão e os projetos do Global MBA, programa da FGV no Rio em parceria com a Manchester.