A guerra em torno do amianto não se limita aos tribunais ou aos negócios. Ela chegou com força à academia e envolve nomes importantes das mais renomadas universidades do País. São especialistas que têm seus estudos financiados pelos fabricantes do amianto e também por aqueles que produzem outras fibras. As pesquisas envolvem USP, Unicamp, Unifesp e até Incor.
Na área de saúde, as pesquisas mais polêmicas envolvem os pneumologistas Ericson Bagatin, da Unicamp, Mário Terra Filho, da USP e do Incor de São Paulo, e Luiz Eduardo Nery, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Elas foram parcialmente bancadas pelo Instituto Brasileiro do Crisotila (que reúne as empresas que produzem com amianto). Elas tentaram mostrar os danos à saúde da exposição ao amianto nas minas brasileiras, a de Bom Jesus da Serra, na Bahia, desativada em 1967, e a de Minaçu, em Goiás, a única ainda em atividade no Brasil.
Não foram avaliados os trabalhadores das fábricas. As conclusões são de que, após 1980, quando medidas de segurança mais severas foram adotadas, não foram registrados casos de doentes entre os trabalhadores. E em outra mais recente, não foram encontrados doentes em moradores de casas com telhas de amianto. As pesquisas são alvo de críticas de especialistas que defendem o banimento do uso da fibra considerada cancerígena pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1977 por dois motivos: além do financiamento pelo setor do amianto, dois pesquisadores, Ericson Bagatin e Mario Terra, prestam serviço para a Eternit, controladora da Sama, a mineradora de Goiás.
Em dois levantamentos – realizados entre 1997 e 2000 e entre 2007 e 2010 – foram avaliados cerca de 10 mil trabalhadores. Bagatin, que fala em nome do grupo, diz que as concentrações de amianto em Minaçu são muito baixas e que era necessário estudar trabalhadores por longos períodos de tempo, incluindo os antigos da mina baiana.
“Enquanto quem trabalhou nas duas minas antes de 1980 realmente adoeceu, ninguém ficou doente depois disso. Mas dizer que o amianto não oferece risco à saúde é uma outra história, será que uma pessoa inalando o metal por 40 anos não ficaria doente? Não sei mesmo, esses estudos não existem”, diz Bagatin, que foi denunciado por, segundo ele, “quem faz campanha pela proibição do amianto, tentando desqualificar o profissional”, à Unicamp e ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CRM).
A denúncia foi arquivada no CRM. A Unicamp, em nota, diz “que não foram demandadas quaisquer implicações éticas sobre o desenvolvimento do projeto, não se justificou a abertura de sindicância interna”. “A atividade é independente da acadêmica, mas não arriscaria meu nome se não acreditasse nas pesquisas”, diz Bagatin.
O grupo liderado por Bagatin fez um terceiro estudo, também entre 2007 e 2010, em 600 casas com telhas de amianto em comunidades de cinco cidades brasileiras: São Paulo, Goiânia, Rio, Recife e Salvador. A pesquisa do especialista da Unicamp também não detectou concentrações perigosas de amianto nos ambientes, mesmo em casas onde a telha estava deterioração e estava lá “por até 35 anos”.
Para o pneumologista da Fundacentro, Eduardo Algranti, o tempo de latência é extremamente importante na análise das doenças associadas ao amianto e a conclusão de que não há doentes não quer dizer que não haverá doentes. “Em nenhum momento é dito que esses indivíduos não tiveram tempo suficiente para desenvolver a doença, que pode se apresentar 30, 40 anos depois. Além disso, não é citada a fonte de financiamento e nem o conflito de interesse”.
O quarto estudo – desta vez avaliando as telhas em si – foi encomendado pelo Instituto Brasileiro de Crisotila (amianto branco), do qual a Eternit faz parte, ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Foram coletadas 35 amostras de telha com grau elevado de deterioração. “A maioria das telhas realmente não soltava pó, não pondo, assim, a população em risco”, conta a geóloga Miram Cruxên Barros de Oliveira, responsável pela pesquisa.
Mas houve uma telha, em que o cimento estava começando a se dissolver, deixando a fibra de amianto solta. “Aí, sim, os trabalhadores poderiam estar inalando pó”.
Também na Unicamp, mas dessa vez na área econômica, estudo diz que os efeitos negativos da suspensão da fabricação de produtos com amianto ficarão restritos ao segmento de mineração, que hoje emprega pouco mais de 400 pessoas. Essa é uma das conclusões de um estudo da Universidade de Campinas (Unicamp), conduzido pelos professores Ana Lucia Gonçalves e Carlos Raul Etulain, e que foi custeado pela Associação Brasileira de Fibrocimento (Abifibro) que reúne as empresas que produzem sem amianto.
“Não é verdade que haverá impacto econômico negativo com o fim da produção de amianto no Brasil”, diz Etulain, referindo-se a um trabalho feito à pedido do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que aponta impactos negativos sociais e empresariais se houver proibição da fibra.
Ana e Etulain dizem que, por um breve período, os preços dos produtos alternativos podem custar 10% a mais, alta que poderá ser compensada pela não necessidade de medidas de proteção especial na instalação, manutenção e reforma, em função da ausência de riscos para trabalhadores, além do custo menor de remoção e descarte de resíduos do amianto.
“Com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, empresas que se apoiem em tecnologias e práticas agressivas ao meio ambiente terão que se responsabilizar por elas”, diz Ana.
Na avaliação do Instituto Brasileiro de Crisotila, o estudo “não reflete a realidade dos fatos, uma vez que, em nenhum momento, preocupou-se em avaliar todos os lados da cadeia produtiva”.