Dentro de uma década, a cana-de-açúcar poderá ser uma planta muito diferente. Mais resistente à seca e menos dependente de fertilizantes e defensivos. Com maior teor de fibras e uma parede celular mais fácil de ser rompida para favorecer a obtenção de etanol também do bagaço. Teor de sacarose maior ou menor, de acordo com a necessidade de uso. No que depender dos projetos de melhoramento conduzidos no âmbito do Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), em cerca de dez anos a planta terá de mudar seu nome para Equotd+cana-energiaEquotd+.
Uma das metas é aumentar a produção de etanol e de biomassa com o menor impacto ambiental possível – Agência Fapesp
Agência Fapesp
Uma das metas é aumentar a produção de etanol e de biomassa com o menor impacto ambiental possível
Equotd+Nosso objetivo maior é aumentar a produção de etanol e de biomassa com o menor impacto ambiental possível. E isso inclui o adequado uso da terra, da água e redução das emissões de poluentesEquotd+, disse Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da coordenação do BIOEN.
Nos dias 6 e 7 de novembro, durante o Equotd+Workshop BIOEN de PesquisaEquotd+, Souza e outros pesquisadores que integram o programa apresentaram um panorama dos principais resultados alcançados nos últimos quatro anos.
Desde 2008, quando o BIOEN foi criado, 89 auxílios à pesquisa foram conduzidos ou iniciados, favorecendo em torno de 300 cientistas brasileiros e colaboradores internacionais de 15 países.
Segundo Souza, isso resultou em, até o momento, 427 artigos publicados em revistas internacionais, 53 teses de doutorado e 109 dissertações de mestrado defendidas, além de 17 patentes e um software que deverá facilitar a compreensão do complexo genoma da cana.
Atualmente, o programa conta com 83 projetos em andamento. Além dos esforços de melhoramento assistido por ferramentas moleculares, há grupos dedicados a encontrar microrganismos mais eficientes para fermentar a biomassa. Outros buscam a melhor forma de pré-tratar o bagaço e prepará-lo para a produção do etanol celulósico.
Também há pesquisadores dedicados a diminuir os impactos ambientais e sociais da produção de biocombustíveis. Uma das divisões do BIOEN trabalha no desenvolvimento de motores flex mais eficientes.
Há ainda projetos que buscam a obtenção de biocombustíveis a partir de óleos vegetais e propõem usar os resíduos do processo para fabricar produtos químicos de alto valor agregado, como glicerol.Equotd+O BIOEN tem um escopo amplo. Há expertise de muitas áreas diferentes tentando resolver os problemas da bioenergiaEquotd+, disse Souza à Agência Fapesp. Segundo ela, a área de biotecnologia é uma das mais avançadas. Equotd+Temos os marcadores e a estatística genética. Toda a plataforma desenvolvida para achar e testar os genes está dando resultadosEquotd+, disse.
Embora já seja possível criar em laboratório uma cana transgênica, com mais sacarose ou menos lignina – material estrutural que envolve a celulose e dificulta sua fermentação -, ainda é preciso transformar essa planta em um cultivar que mantenha as características agronômicas desejadas pelo setor produtivo.
Equotd+É preciso avaliar tudo de novo. Para ver se os genes modificados não vão alterar características desejáveis da planta ou diminuir a resistência a pragas, por exemplo. São projetos de médio e longo prazo, pois antes do BIOEN não existiam ferramentas biotecnológicas para melhoramento da canaEquotd+, disse Souza.
Desafios. Para Paul Moore, pesquisador do Centro de Pesquisa em Agricultura do Havaí, nos Estados Unidos, e membro do Conselho Consultivo Internacional do BIOEN, alguns dos resultados apresentados no workshop estão de fato na fronteira do conhecimento.
Equotd+Estou muito orgulhoso pelo que os brasileiros alcançaram em tão pouco tempo. Todo o esforço feito para desvendar e alterar a estrutura da parede celular da cana, descobrir enzimas e microrganismos capazes de converter a biomassa em energia. Isso é muito excitante e não existe em outro lugar do mundoEquotd+, destacou.
O grande desafio para os pesquisadores do programa, na avaliação de Moore, será conectar a ciência fundamental à ciência aplicada e criar uma ponte que permita transferir esse conhecimento para uso industrial. Essa também é a opinião de Patricia Osseweijer, professora da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, e integrante do Conselho Consultivo Internacional do BIOEN.
Equotd+Fiquei realmente impressionada com os trabalhos de pré-tratamento do bagaço para produção de etanol de segunda geração. Mas ainda não temos uma metodologia vencedoraEquotd+, disse Osseweijer.
Segundo a cientista, para que o Brasil assegure sua posição de liderança, tanto na área científica quanto na produção de etanol, será preciso investir em projetos para demonstrar que a tecnologia desenvolvida em laboratório também funciona em grande escala.
Equotd+Criar pilotos é a parte mais custosa do processo de transformação do conhecimento científico em tecnologia. Nem mesmo a indústria, muitas vezes, consegue arcar sozinha. É preciso pensar em uma maneira de unir diversas empresas e universidades para dividir os riscos e os investimentosEquotd+, disse Osseweijer.
De acordo com os dados apresentados por Souza durante o workshop, há oito projetos sendo conduzidos no âmbito do BIOEN em parceria com empresas como Vale, Oxiteno, Braskem, Boeing e Microsoft. Equotd+Há diversos projetos começando por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP. Talvez seja uma questão de tempo para mostrar que essas tecnologias realmente funcionamEquotd+, disse.
Souza também acredita que o BIOEN está no momento de transformar os conhecimentos em processos de alto desempenho. Equotd+Se não oferecer menor consumo de energia e de água e menor emissão de poluentes, não vai adiantar. Também não adianta ser altamente tecnológico e difícil de implantar em um país em desenvolvimentoEquotd+, ponderou.
Educação e comunicação. Osseweijer destacou o grande investimento do programa na formação de novos pesquisadores e o crescimento da colaboração internacional nos últimos anos. Equotd+Se o Brasil quiser manter sua liderança na área, precisa treinar pessoasEquotd+, disse.
Para ela, no entanto, também é fundamental investir em projetos no campo da educação e da comunicação. Equotd+É preciso fazer os estudantes se interessarem desde cedo pela área, além de conhecer a atitude dos setores estratégicos da sociedade em relação à bioenergia e criar estratégia para engajar esses públicosEquotd+, disse. Moore, por sua vez, sugere a expansão dos programas de fenotipagem de alto rendimento para identificar de maneira rápida as alterações no fenótipo da cana resultantes da modulação ou da eliminação de genes. Equotd+A biologia molecular avança rapidamente, mas o mundo real da biologia é lento.
Precisamos buscar meios para acelerá-loEquotd+, afirmou.
Segundo Souza, uma das metas do BIOEN é transferir todo o conhecimento obtido por meio do programa para a sociedade e oferecer subsídios para a formulação de políticas públicas que permitam a expansão do uso de biocombustíveis de maneira sustentável.
Equotd+Em parceria com pesquisadores dos programas BIOTA e Mudanças Climáticas Globais – ambos da Fapesp – e com o Comitê Científico sobre Problemas do Meio Ambiente (Scope) – órgão ligado à Unesco – estamos elaborando sugestões de políticas para o Programa das Nações Unidas para o Meio AmbienteEquotd+, contou Souza.