Com o intuito de formular ações para reduzir o excesso de burocracia nas universidades federais e instituições de pesquisas – responsáveis por 90% da produção científica e tecnológica do País – instituições e o governo federal criaram um relatório com questões, a ser distribuído entre pesquisadores, a fim de conhecer a percepção de cada um sobre os entraves burocráticos à atividade de pesquisa e sobre a transformação dos resultados em negócios inovativos.
Sob o título “O que pensa o pesquisador brasileiro sobre a burocracia?”, o relatório com 12 questões foi divulgado nesta quarta-feira, durante o 34º Encontro Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica, realizado pelo Conselho representante desse segmento (Confies), em Belo Horizonte (MG).
Liderada pelo Confies, que representa quase 100 fundações representantes das universidades federais e instituições de pesquisas no País, a iniciativa tem o apoio do Sebrae, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do governo federal.
O prazo previsto para o pesquisador responder às perguntas é de 15 dias, data que pode ser adiada, segundo explicou o vice-presidente do Confies, Fernando Peregrino, ao anunciar a medida. A ideia é obter o resultado ainda até o fim deste ano.
Alguns dos pontos do relatório questionam se nos últimos anos houve aumento da burocracia para solicitar recursos e gerir projetos de ciência, tecnologia e inovação.
Na dianteira do mundo
A intenção é acelerar o processo de inovação no País, que hoje patina na traseira dos países inovadores, ao figurar na 70ª colocação no Global Innovation Index de 2015.
O ambiente brasileiro para os negócios foi apontado, mais uma vez, como um dos principais fatores que emperram o desenvolvimento científico e tecnológico – exatamente do país que ocupou o 76º lugar no Produto Interno Bruto (PIB) per capita no mundo, na paridade de poder de compra (PPC) do ano passado.
Peregrino destacou que o País figura na 74ª posição do Índice de Desenvolvimento Humano, o que ele chamou de “vergonhoso”. Já no índice de competitividade, disse que o Brasil ocupou a 75ª posição este ano.
No aspecto burocracia, Peregrino citou também que o Brasil está entre os piores do mundo. Segundo ele, um empreendedor de startups, por exemplo, demora mais de 100 dias para abrir ou fechar um negócio aqui. Segundo o relatório “Doing Business 2014″, do Banco Mundial, a Nova Zelândia é o país onde é mais fácil abrir um negócio dentre 189 economias, ao permitir o processo em menos de um dia.
Atuação dos agentes de controle
Peregrino defendeu a pressa para destravar os negócios inovadores internamente e avalia que o Brasil precisa acompanhar a tendência do mundo, que passa por uma revolução tecnológica.
Nesse caso, o vice-presidente do Confies reiterou as críticas da atuação excessiva dos órgãos de controle (Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União) nas universidades e nas instituições de pesquisas.
“Quanto custa (ao País) parar um projeto tecnológico pela não conformidade contábil de centavos? Quando custa desmontar uma equipe de pesquisadores porque o prazo do convênio passou de cinco anos?”, questionou.
Em outra frente, a presidente da SBPC, Helena Nader, reforçou as críticas sobre os entraves burocráticos nas áreas estratégicas para o desenvolvimento do País. “Eu sou a favor da auditoria e de saber onde o dinheiro público está sendo usado. O que não podemos é travar os fins da ciência, tecnologia e inovação e da educação. Estamos travando tudo, não somente a ciência. A universidade começa com a educação. O restante vai acontecendo”, pontuou.
Fortalecimento da ciência
Nader, em sua apresentação, também defendeu a volta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e que seja um Ministério forte, aos patamares de 2013, quando o orçamento do órgão somou R$ 9,6 bilhões, mais do dobro da verba de hoje (R$ 4,2 bilhões).
Ao defender um Ministério forte, a presidente da SBPC lamentou a queda das exportações de produtos de alta tecnologia e destacou a força do agronegócio, sob a influência da ciência, que assegura os superávits da balança comercial, apesar do pouco valor agregado dos produtos agrícolas.
Nader lembrou que a produtividade da soja duplicou graças à influência das pesquisas da cientista brasileira Johanna Döbereiner, sobre a fixação biológica do nitrogênio para reduzir o custo da produção da soja. “O agronegócio é só ciência”, disse, destacando a liderança do agronegócio brasileiro no mundo.
O secretário substituto da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, do Departamento de Políticas e Programas de Ciências do MCTIC, Savio Raeder, concordou sobre o impacto positivo da ciência na economia e revelou que, em razão dos investimentos em CTEI, o Brasil hoje economiza cerca de US$ 5 bilhões ao ano com os custos da soja.
Vetos ao Marco Legal da CTEI
Nader reiterou ainda as críticas sobre os oito vetos ao Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação que, segundo ela, foram baseados “na agenda fiscal do curto prazo”, trazendo graves prejuízos ao caráter transformador que a agenda de Ciência, Tecnologia e Inovação tem para a sociedade e a economia no médio prazo.
“Os vetos fragmentaram estruturas importantes do Marco Legal capazes de converter conhecimento em tecnologia, e tecnologia em inovações que agregam valor ao PIB e que servem ao cidadão”, destacou a cientista em sua apresentação.
Nader explicou ainda que os vetos trarão mais insegurança jurídica, mesmo onde objetivo era o de evitar questionamentos localizados.
Ela defendeu a recomposição da proposta original e citou o projeto de lei (PLS nº 226/2016), do senador Jorge Viana (PT/AC), em tramitação no Congresso Nacional, como tentativa de solucionar o problema.
Nader endente, contudo, que a implementação efetiva do novo Marco Legal depende também da recomposição do orçamento para CTEI do MCTIC e do fim do contingenciamento dos recursos do FNDCT. Nesse caso, a presidente da SBPC voltou alertar sobre a necessidade da Proposta de Emenda Constitucional nº 55 (que estabelece teto para os gastos públicos), em trâmite no Senado, livrar a ciência, tecnologia, inovação e a educação do congelamento dos investimentos previsto na proposta.
A presidente da SBPC voltou a alertar ainda que o orçamento da área de CTEI não pode ser congelado no atual patamar, porque seria uma “tragédia” para a ciência brasileira.
Fonte: Jornal da Ciência